O Ministério Público do Espírito Santo (MPES) analisa uma denúncia de suposta irregularidade na contratação de árbitros para os jogos escolares de Vila Velha. Segundo a denúncia, a terceirização do serviço foi feita sem licitação. O contrato, no valor de R$ 86.950, favoreceu a Federação Capixaba do Desporto Escolar (Fecade).
Os valores gastos por outras prefeituras da Grande Vitória com o mesmo tipo de serviço, em eventos semelhantes, são consideravelmente menores. Em Vitória, segundo a Secretaria de Esportes e Lazer (Semesp), quem apita os jogos escolares são professores qualificados pela própria secretaria, ou seja, custo praticamente zero. Em Cariacica, a empresa selecionada, por meio de processo licitatório, vai receber R$ 6,3 mil, segundo a prefeitura – apenas 7,2% do que o município canela-verde pagou. Já na Serra, em 2016, foram gastos pouco mais de R$ 55 mil com arbitragem, também licitada.
Outro ponto que chama a atenção é a variação exorbitante nos valores disponibilizados pela Prefeitura de Vila Velha para os jogos escolares em anos anteriores. De acordo com levantamento realizado pelo jornalismo da TV Vitória/Record TV, em 2014 o serviço custou à então administração municipal quase R$ 200 mil. Em 2015, esse valor não chegou a R$ 20 mil, quase dez vezes menos que no ano anterior. Já em 2016 o gasto foi de R$ 47,5 mil.
Também chama a atenção o fato de o presidente da federação contratada ser funcionário efetivo da Prefeitura de Vila Velha. Lidimar Antonio Marquez é professor de educação física na Escola Municipal Paulo Mares Guia, em Cobilândia. Além disso, já atuou na coordenação técnica dos jogos escolares.
Questionada sobre o fato, a federação, que tem nos registros federais o nome de Lidimar como presidente, informou que ele está afastado do cargo desde o dia 1º de março deste ano. Além disso, a assessoria de imprensa da Fecade informou que a nomeação da federação para a realização dos serviços de arbitragem em Vila Velha foi feita com base nos procedimentos legais.
Por meio de nota, o MPES informou que a denúncia sobre as supostas irregularidades na contratação do serviço está sendo analisada para checar se existem elementos suficientes para que seja aberta uma investigação ou inquérito.
Contratação
A contratação do serviço de arbitragem para os jogos escolares de Vila Velha foi publicada no Diário Oficial da prefeitura no último dia 4 de maio. A justificativa usada pela administração municipal, na publicação, para não precisar abrir um processo licitatório foi baseada no artigo 25 da Lei de Licitações e Contratos. Ela garante a inexigibilidade do processo quando não houver a possibilidade de competição.
No entanto, para a Associação de Arbitragem de Futsal do Espírito Santo (Aesof), a licitação poderia ter sido aberta já que, segundo a instituição, existem outras entidades disponíveis. “Existem ‘n’ empresas que poderiam estar participando desse evento”, destacou o presidente da Aesof, Moisés de Souza Costa.
Na busca de entender o caso, a reportagem da TV Vitória/Record TV procurou a Prefeitura de Vila Velha. O procurador geral do município, José de Ribamar Lima Bezerra, alega que não há ilegalidade no processo, já que a contratação foi condicionada também à especialidade da Fecade, no caso desporto esportivo, o que, segundo ele, está previsto na Lei Federal 9.615, que dispõe sobre a natureza do desporto.
Bezerra afirmou ainda que a dispensa de licitação é possível desde que seja apresentada a declaração de exclusividade da Confederação Brasileira de Desporto Escolar. “A Lei do Desporto criou especialidades dentro do desporto nacional e uma das especialidades é o desporto escolar. E essa federação tem exclusividade para atuação no desporto escolar, situações que não são vinculadas a outro tipo de federação”, frisou o procurador.
A reportagem da TV Vitória/Record TV ainda questionou o representante da Prefeitura de Vila Velha sobre a inteligência da administração municipal no uso do recurso público. “O parecer da Procuradoria aborda essa situação, de normalmente se fazer uma pesquisa com orçamentos, a fim de que essa contratação tenha essa média dentro do mercado”, destacou Bezerra.
Especialista
A TV Vitória/Record TV também procurou a advogada especialista em direito público, Jeane Bernardino Fernandes, para analisar o caso. Segundo ela, numa primeira avaliação, nada disso poderia ter sido feito, uma vez que os trâmites legais não teriam sido respeitados.
“Quando nós falamos da ocorrência de inexigibilidade há uma inviabilidade de competição e, nesse caso, segundo informações trazidas, não se identifica como uma exclusividade, já que existem outros fornecedores ou outros prestadores que poderiam realizar a providência em idênticas condições de realização da competição”, frisou a advogada.
Jeane ressaltou ainda que o fato de o presidente da entidade contratada ser um agente público é um agravante. Ela destaca que, se as supostas irregularidades forem comprovadas, os envolvidos podem ter que responder criminalmente.
“Todas as vezes em que há a não realização da licitação ou a sonegação de condições hábeis à realização do procedimento licitatório, isso possibilita a abertura de procedimento criminal”, ressaltou.
Jogos escolares
Os jogos escolares acontecem uma vez por ano e são realizados em todo o Estado pelas prefeituras. O evento, que conta com modalidades do cotidiano das aulas de educação física, como futsal, voleibol, basquete e handebol, reúne alunos e professores de várias escolas.
De acordo com o professor do Centro de Educação Física da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Francisco Caparroz, trata-se de um momento muito importante para o desenvolvimento escolar dos estudantes.
“É um momento de congraçamento. Os alunos trabalham com esporte em suas aulas e, em determinado momento do ano, eles se reúnem em suas escolas e depois essas escolas vão interagir. Os jogos escolares têm uma importância muito grande para a socialização, união e inclusão dos alunos”, frisou
Este ano mais de 1,3 mil alunos de 38 escolas de Vila Velha, entre públicas e particulares, participaram dos jogos escolares, que aconteceram entre os dias 3 e 19 deste mês.
Para Caparroz, mesmo diante de um evento relevante para a educação e o esporte, fica difícil aceitar um gasto tão alto apenas com serviços de arbitragem, ainda mais quando existem alternativas de baixo custo ou até mesmo de custo zero. “As redes públicas não deveriam gastar recursos com esse tipo de serviço, que seria a arbitragem. No meu entendimento é perfeitamente cabível de ser feita por eles próprios, os professores”, frisou.
Segundo o professor, diante da crise econômica direcionar o recurso disponível de uma maneira diferente seria uma alternativa melhor. “Se você tem um montante, por que não discutir com os professores como gastar esse montante em vez de simplesmente você impor a esses professores o gasto disso numa atividade como a de arbitragem”, afirmou.
Edmar Camata, da ONG Transparência Capixaba, compartilha da mesma visão do professor. “Esse momento é de crise e a prioridade deveria ser a contenção de despesas. O serviço de arbitragem poderia ser contratado com uma disputa de empresas ou entidades para chegar a um valor mais razoável. Poderia acontecer isso, mas não aconteceu”, lamentou.