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Prende e solta? Criminalista explica o que diz a lei sobre crimes e prisões

Em entrevista ao Folha Vitória, o advogado Rivelino Amaral defende a necessidade de aplicação de políticas públicas para evitar que pessoas entrem para o crime

Foto: Reprodução/Pinterest

A crescente sensação de insegurança no Espírito Santo tem sido amplamente atribuída ao fenômeno conhecido como “prende e solta”. Esse termo se refere à prática em que a polícia prende um suspeito, mas a Justiça o libera pouco tempo depois. A dúvida que fica é: a lei é frágil ou o processo de investigação de crimes precisa melhorar?

No Espírito Santo, somente em 2023, foram registrados mais de 200 confrontos armados da polícia com criminosos. 

Um caso emblemático ocorreu na madrugada de 24 para 25 de junho, quando três pessoas morreram, entre elas o paciente Daniel Ribeiro Campos da Silva, de 68 anos, que estava internado em uma clínica localizada na Avenida Leitão da Silva, no bairro Gurigica, em Vitória, e foi atingido dentro do quarto por uma bala perdida.

Nesta semana, em novo confronto, a PM decidiu ocupar o Bairro da Penha após um sargento da corporação ser baleado no local.

Com vasta experiência no sistema legal, o advogado criminalista Rivelino Amaral, professor de Direito Penal na Multivix, falou com exclusividade ao Folha Vitória sobre violência e sensação de insegurança. 

O criminalista discorda do termo “prende e solta”, afirma que as pessoas ficam presas, sim, e diz que o que reduz o índice de criminalidade é a aplicação de políticas públicas para evitar que as pessoas sejam seduzidas pelo mundo do crime. Confira!

Somente em 2023, foram registrados mais de 200 confrontos armados da polícia com criminosos. No entanto, a maior reclamação das forças de segurança é o “prende e solta”. Por que isso acontece?

Eu não concordo com esse termo de “prende e solta”. Nós somos o terceiro país do mundo em população carcerária. 

O Espírito Santo tem 37 presídios superlotados, o presídio que mantém apreendido os menores de idade também está superlotado – o Iases. Então, as pessoas que cometem crimes são presas e ficam presas, sim. 

Porém, a Constituição Federal, por outro lado, diz que as pessoas têm o direito de responder os processos em liberdade. A depender de cada caso, o juiz vai analisar a possibilidade de a pessoa responder o processo em liberdade, que é a regra que está estabelecida na Constituição Federal.

O que falta mudar na legislação para resolver essa situação?

Na verdade, o que reduz índices de criminalidade não é aumento de pena, não é aumento de prisões. Isso é um discurso falacioso. 

Foto: Divulgação/LR Comunicação

Rivelino Amaral é advogado e professor

O que reduz o índice de criminalidade é a aplicação de políticas públicas, com geração de emprego, renda e dignidade das pessoas, para evitar que as pessoas entrem e sejam seduzidas pelo mundo do crime.

Quais são os limites da ação policial? Por que um menor apreendido com fuzil não fica detido e logo volta às ruas?

Os menores ficam presos, sim. Hoje, eles podem ficar presos por até três anos, e essa pena varia de acordo da infração que ele cometeu.

Muitas vezes, numa operação, o criminoso é preso e solto na audiência de custódia. Faltam provas mais robustas para manter a pessoa presa? Se sim, quais seriam.

A polícia faz um belo trabalho do policiamento ostensivo, de proteção da sociedade. Isso é estabelecido pelas polícias em suas várias esferas. 

O trabalho de investigação, precisa ser feito. São necessárias provas, precisa ter interceptação telefônica, precisa ter investimento em tecnologia, e acima de tudo a polícia precisa de mais investimento para que a sua força seja mais estratégica.

O secretário de Estado da Segurança Pública, Alexandre Ramalho, exemplifica o caso de um criminoso preso com uma pistola ter a possibilidade de pagar uma fiança e ser solto. Como é a lei atual e o que poderia mudar?

A análise do secretário deve ser levada em consideração com o que diz a Constituição Federal. Não é o juiz que erra. 

A Constituição Federal, em seu artigo 5 l, inciso 57, diz que as pessoas têm o direito de responder os processos em liberdade. 

Hoje, cada caso é analisado pelo juiz, com manifestação do Ministério Público, para que eventualmente uma pessoa possa responder a um processo em liberdade. 

As audiências são técnicas, levando em consideração os fatos e circunstâncias que geraram aquela prisão e analisam a possibilidade ou não, de soltura daquele indivíduo.

No mundo do crime, os menores são colocados na linha de frente para cometer assassinatos, pois caso sejam apreendidos, julgados e condenados, no máximo ficariam três anos presos. Na sua avaliação, essa punição é justa para quem mata, uma vez que maiores legais condenados pelo mesmo crime podem pegar até 30 anos de prisão? Recomendaria alguma mudança?

Hoje a lei dispõe exatamente dessa forma, que foi trazida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, mas a gente vive uma realidade muito diferente. As leis precisam se adequar a realidade da sociedade, né? E hoje a realidade da sociedade é muito diferente de 1990. 

Penso que certamente há uma necessidade de mudança, isso porque um adolescente de 16 anos de 30 anos atrás tinha costumes e comportamentos diferentes dos de hoje em dia, é uma nova geração, então certamente a lei precisa ser revista e atualizada.

Na sua visão, que tipo de políticas públicas poderiam ser implementadas pelos governos e forças de segurança para reduzir a criminalidade e a sensação de insegurança do cidadão?

São as políticas públicas que reduzem índices de criminalidade. É preciso gerar emprego, renda e dignidade para as pessoas, para que essa criança tenha uma família empregada, para que ela estude em uma boa escola, que pratique esporte. 

Essas medidas diminuem as chances dos menores entrarem no mundo do crime. O aumento de pena, por si só, não é suficiente para diminuir índices de criminalidade. 

Ao meu sentir é preciso haver uma nova análise desse prazo estabelecido pelo ECA para as apreensões dos menores.

O tráfico de drogas – e toda a violência dele advinda – é um dos maiores desafios da segurança pública. Muitas vezes, os chefes das facções estão presos e comandam os “negócios” de dentro do sistema prisional. Do ponto de vista legal, que medidas podem ser tomadas para evitar que esses indivídios continuem mandando e desmandando em seus grupos?

A forma de evitar que o preso – de alguma forma, direta ou indiretamente – tenha algum tive de gerência sobre o mundo aqui fora é na forma de investimentos em tecnologia. 

Só assim será possível antecipar essas pretensões de mando e comando, com interceptação telefônica, bloqueios de chamada, escuta e trabalho investigativo.

O senhor é professor universitário e ajuda a formar a futura geração de advogados. Na sala de aula, quais são as principais preocupações que seus alunos manifestam acerca do Direito, sobretudo na área criminal?

Nossa maior preocupação hoje é se, de fato, a prática condiz com a técnica. E o que estamos vendo é que a teoria está sendo diferente do que de fato ocorre nas ruas diariamente.

Hoje existem leis severas, que podem durar 40 anos, por exemplo, mas que não são cumpridas em sua totalidade. 

As penas são aplicadas, mas é preciso investir em todo um contexto social para evitar a superlotação dos presídios – que é um problema notório no sistema prisional brasileiro.

Erika Santos, editora-executiva do Folha Vitória
Erika Santos Editora-executiva
Editora-executiva
Jornalista formada pela Universidade Federal de Juiz de Fora (MG), com MBA em Jornalismo Empresarial e Assessoria de Imprensa.