Diante da repercussão que teve o caso em que mulheres se agrediram por um assento após o embarque em um voo da Gol, que sairia de Salvador com destino a São Paulo, a reportagem do Folha Vitória entrevistou pessoas que passaram por uma situação de estresse e uma psicóloga para entender a necessidade de debater o autocontrole e como as pessoas lidam com situações que consideram adversas.
No caso do avião, as mulheres se agrediram fisicamente logo após o embarque. Segundo a companhia aérea, as pessoas envolvidas foram desembarcadas e não seguiram viagem.
A confusão teria começado após uma passageira, que viajava com o filho autista, ter colocado o menino em um assento na janela que não era o dele. A ocupante chegou e exigiu que a criança saísse do lugar. A discussão começou, e as famílias das duas mulheres se envolveram na confusão.
À reportagem, Ingrid Nerys, de 26 anos, jornalista e moradora de Vitória, afirmou que prefere controlar a raiva.
“Na hora da discussão, eu me controlo, porque não gosto de fazer nada com a cabeça quente, acho que autocontrole é tudo. E se a outra pessoa espera que eu vá perder a minha razão, eu não vou. Prefiro guardar para mim, digerir a situação e depois fazer algo a respeito”, disse.
Já para a bacharel em Direito e concurseira Ludmila Fusco, de 34 anos, os ânimos fluem de forma um pouco diferente, variando de acordo com as circunstâncias.
“Tem situação que vou explodir, gritar e espernear, tentar ganhar no grito. Mas há situações que vou pelo deboche, falo baixo, mas acabo irritando o outro. Não é sempre que consigo manter a pose. Mas na maioria das vezes perco um pouco as estribeiras. Não sei exatamente porque sou explosiva, mas tento trabalhar isso”, afirmou de forma bastante sincera.
Ao programa Fala ES, da TV Vitória, a psicóloga Sátina Pimenta fez algumas considerações. Inicialmente ela fala de uma frase que ensina aos pacientes quando eles se veem diante de alguém que está gritando: “parei de te ouvir”. Segundo a especialista, a expressão pode resolver muitas confusões.
O que explica o comportamento explosivo?
Para Sátina, várias são as explicações para um comportamento mais explosivo.
“Podemos falar de várias coisas: posso ter tido um dia ou uma semana difícil, vou acumulando tudo, acontece algo e eu explodo. Nesse caso, não estou explodindo por algo específico, mas por tudo que aconteceu. Todo mundo passa por isso, sem que aquilo tenha sido o motivo da dor, mas só a gota d’água”, esclareceu.
Outra possibilidade, de acordo com a psicóloga, é a de ser contaminado pela reação de outra pessoa. Pode acontecer de uma pessoa geralmente calma tomar as dores de um parente ou amigo e acabar assumindo também uma postura de enfrentamento.
“Então essa pessoa vê a atitude e vai junto, mesmo sem ter essa características mais agressivas. Além disso, também há, é claro, os transtornos de que tratam a psicologia”, disse.
“Barraqueira”
Entrevistada sobre ter tido um comportamento popularmente chamado de “barraqueiro”, Cleni Mel também falou com a apresentadora do Fala ES, Roberta Salgueiro.
“Eu não dispensava um barraco, não levava desaforo para casa, nem pensar, mas tinha motivos. O barraqueiro sempre tem um motivo. Porém, eu penso que preciso conviver com pessoas que têm a agregar na minha vida e que eu preciso agregar na vida delas. Com esse pensamento, convivendo com pessoas mais tranquilas, é que eu mudei a minha personalidade”, contou.
Cleni Mel confessou que hoje “pega o desaforo, coloca no bolso e sai linda e plena”. Ela chegou a dizer que se sente bonita demais para discutir, gritar e fazer barraco. “Não combina comigo”.
Antes da mudança, Cleni afirma que chegava na recepção de um hospital e se, porventura, achasse que o atendimento ao meu filho não estava à altura do que ele merecia, era motivo para um “barraco”.
“Mas depois da mentalidade mudada, podia chegar no hospital que fosse e não arranjava confusão. Aprendi que posso buscar um superior e fazer uma reclamação de forma civilizada, de forma que ele me escute. Porque quando você grita e faz barraco, o outro não está nem te ouvindo, fica feio para você, você fala tanto que ninguém dá ouvidos”, desabafou.
Letícia Almeida, telespectadora do programa, também deixou seu depoimento. Segundo ela, as pessoas dizem que ela tem cara de brava, mas que não é.
“Tento resolver a situação com calma, mas não se engane achando que sou uma banana. Se alguém vier falar comigo com tranquilidade, está tudo certo”, afirmou.
Almeida contou um caso que aconteceu pouco tempo atrás. Segundo ela, alguém bateu no carro dela e ela estava certa.
“Mas a outra pessoa se alterou. Eu fiquei assustada, fiquei na minha, até que chamaram o policial. Mas a vontade que eu tive por ele ter se alterado com por eu ser mulher, era de voar nele. Mas mantive a calma, porque o nervosismo depois traz consequências: processo, e eu poderia acabar me machucando. Sou uma lady, às vezes, durante o nervosismo, em vez de bater eu começo a chorar”, disse.
É normal sentir raiva?
Para a psicóloga Sátina Pimenta, o ser humano tem o direito de sentir raiva. Apesar disso, não se deve deixar que o sentimento consuma quem sente. Estar calmo e feliz todos os dias também não parece algo saudável.
“Há algumas coisas que precisamos prestar atenção. Mas se bateram no seu carro e você não sente nada, é estranho. Mas quando toma conta da gente e não conseguimos ter o controle sobre o sentimento, ter inteligência emocional, a raiva nos domina. De todo modo, vão ter coisas em que teremos mais controle e outras que teremos menos”, explicou a especialista.
Como obter o autocontrole sobre a raiva?
Pimenta explica que o sentimento de raiva acumulado tem que sair de uma forma saudável. Uma delas é a terapia, claro. Mas também é importante a prática de um esporte, de meditação, atividades ao ar livre, festas, um encontro com os amigos, um desabafo.
“Cada um vai ter uma estrutura. Mas é sempre bom sair de forma saudável, sem exageros. Não parece uma boa sair para encher a cara e acordar de ressaca. Assim não resolve”, disse.
Segundo ela, o primeiro passo para a mudança é o reconhecimento do sentimento, já que todos são capazes de mudar. “A primeira coisa que temos que perceber é o que estamos sentindo. Se estamos vendo que estamos sempre explodindo, tudo exagerado é ruim. Até amar demais é ruim”, comentou.
Uma dica importante é a de levar em consideração a lógica do “homem médio”, ou seja, observar como seria, na média, a reação das pessoas.
“Todo mundo fica chateado com o carro batido. Mas se eu começo a ficar chateada porque cheguei no trabalho e o meu copo não estava no local onde estava no dia anterior, é estranho. Nem todo mundo se incomodaria. Talvez seja a hora de acender um alerta”, continuou.
Além disso, também é importante analisar se outras pessoas estão comentando sobre o nosso comportamento, já que os pares são muito importantes para a percepção do que não está adequado.
As redes sociais
Hoje em dia, com as redes sociais, um “barraco” pode assumir proporções maiores e levar a grandes consequências negativas. Segundo Sátina, para um famoso, como a Jojô Todynho, que já costuma se expor, é até possível que isso aumente o engajamento dela. Por outro lado, para uma pessoa “comum”, pode resolver na perda de um emprego ou a responder a um processo na justiça.
Letícia Almeida falou sobre o assunto. “Antes de conhecer Jojô e Deolane, na internet eu era de quebrar o pau no Facebook, marcava a pessoa e tudo. Foi só quando entrei em uma empresa de treinamento, que considerei que isso poderia prejudicar minha imagem. Adquiri essa serenidade. Sou calma, mas não se meta a besta com minha família que viro onça”, disse.
Como ajudar quem demonstra um comportamento extremo
Para Sátina, para ajudar alguém da família ou um colega, o mais importante é não julgar, por exemplo dizendo: “nossa, você está muito raivoso, precisa de terapia”. Ela afirma que é possível, em vez disso, dar algumas dicas, como: “vi um vídeo legal sobre inteligência emocional, vou compartilhar com você; chamar para uma yoga, uma atividade ao livre”.
Para a psicóloga é possível mostrar a quem tem um comportamento explosivo que há outras formas de viver, orientar no sentido de que a forma atual de lidar não está legal.