Geral

"Saudade que não dá para medir, as leis precisam mudar", diz avó de Kauã

Marlúcia Butkovsky relembrou com saudade do neto, que foi assassinado junto com o irmão Joaquim Sales em 2018, em Linhares. Georgeval Alves será julgado pelas mortes

Saudade, ausência, o dissabor da injustiça, tudo o que machuca. Desde a partida do pequeno Kauã Butkovsky, há cinco anos, a vida de Marlúcia Butkovsky, avó do garoto, se tornou mais cinza. 

O garoto de 6 anos morreu após um incêndio em 2018, na casa da mãe e do padrasto em Linhares. Após cinco anos, a família agora amarga mais uma espera: o julgamento de Georgeval Alves, padrasto de Kauã e principal suspeito, que começaria na última segunda (3), foi transferido para o dia 18 de abril, 

>> Quer receber nossas notícias 100% gratuitas? Participe do nosso grupo no WhatsApp ou entre no nosso canal do Telegram!

Hoje, Kauã teria 11 anos e já seria um pré-adolescente, e seu irmão Joaquim, que também foi assassinado, completaria 9. O vazio deixado pela perda precoce se manifesta na tristeza de Marlúcia, que não consegue conter a emoção ao falar sobre o neto.

“Hoje, ele já seria um pré-adolescente. Como eu queria estar vivendo isso, como eu gostaria de ver ele crescendo nesses cinco anos”, disse a avó. 

Kauã, como ela conta, era uma criança ativa, cheia de vida e, principalmente, de talentos. Com os seis anos que contava na época da tragédia, já aprendia a tocar violão e bateria na igreja em que frequentava. 

Por conta da vida ativa, o menino perdeu até um dos dentinhos de forma precoce,  em uma queda de skate. 

“Ele caiu do skate e perdeu o dentinho, tanto que na época da tragédia, estava banguelinha. Era o meu banguelinha lindo, maravilhoso! Ele adorava andar de skate, de bicicleta, de jogar bola. Preencheu minha vida com muito amor”. 

Marlúcia afirma que a criança trouxe alegria à família desde a concepção. “Quando soube que a Juliana estava grávida do meu filho, não contive a alegria. Era meu primeiro e único neto”. 

Leia Também: Julgamento de Georgeval Alves: 21 testemunhas são chamadas para depor

Como boa avó, ela não nega que a farra era garantida durante as visitas do neto. Lamenta inclusive não poder participar mais da educação do menino, por conta da distância e se verem principalmente aos fins de semana e nas férias, mas guarda com carinho as lembranças da última vez que se viram.

“Ele era um menino muito inteligente, pegava tudo muito rápido. Gostava muito de jogar. Da última vez que nos vimos, ele ficou jogando dominó com a minha filha no hotel. Adorava ganhar, você sabe como são crianças. Agora resta a saudade, muita saudade mesmo, algo que eu não consigo nem medir”. 

A partida e o luto que já perduram há quase meia década trazem também contemplação. É muitas vezes no silêncio da noite que Marlúcia se sente em contato com o neto que foi embora. 

Na varanda da casa em que mora, ela olha para o céu em busca do conforto. “Sempre que olho para o céu, da varanda da minha casa e vejo três estrelinhas, sempre penso que se chamam Kauã, Joaquim e Helena, uma outra irmãzinha. Tenho certeza que são eles, estão lá e são luz, mesmo que não sejam mais carne”. 

Busca por Justiça após mais um adiamento 

Nas primeiras horas da manhã de segunda-feira (3), uma fila de pessoas, na maioria estudantes de Direito, já se concentrava na entrada do Fórum de Linhares para receber senhas que eram distribuídas para acompanhar ao julgamento de Georgeval.

Foto: TV Vitória

Apesar da negativa por parte da Justiça, mais uma vez os advogados de Georgeval conseguiram o adiamento do julgamento. Alegando insegurança, a defesa do acusado chegou escoltada ao plenário. O advogado Pedro Ramos compareceu, inclusive, de colete à prova de balas.

Após reunião com o réu, o advogado anunciou ao júri que deixaria a defesa de Georgeval, poucos minutos antes da abertura do julgamento. Ramos colocou em xeque a segurança do recinto, além de questionar a escolha dos jurados, segundo ele, pessoas próximas às vítimas. 

Marlúcia esteve presente no julgamento e ao lado dela, o filho Rainy, pai de Kauã, além das irmãs e amigos da comunidade, que estão ao lado da família desde a época do crime. 

Foto: Reprodução TV Vitória
Rainy e Marlúcia na entrada do Fórum de Linhares

Depois do anúncio do advogado, Marlúcia não se conteve e ao deixar o Salão do Júri, se manifestou em voz alta “Repito, falso pastor!“. Outra familiar, que também acompanhava Marlúcia, saiu dizendo: “Sem palavras”.

Rainy também se manifestou e, ao lado de diversas outras pessoas, ajudou a montar flores de EVA no jardim do Fórum, além de cartazes que pediam justiça para as crianças. 

Foto: Lucas Salazar / TV Vitória
Rainy deixou flores de EVA

Em conversa com o Folha Vitória, Marlúcia afirmou que a expectativa da família é que o processo aconteça sem interrupções ou adiamentos, uma vez que a defesa de Georgeval já tentou postergar o julgamento durante a semana. 

Para ela, o réu deve ser punido com a pena máxima e não ter direito a sair nem por bom comportamento. 

“Não dá nem para chamar de homem. Ele ainda é muito novo e pode sair mais cedo por bom comportamento, as leis precisam mudar. Eram crianças lindas, maravilhosas que tinham a vida inteira pela frente. Ele não tirou apenas a vida do Kauã e do Joaquim, tirou muito das nossas vidas também, disse.

Relembre o crime

Georgeval Alves é acusado de estuprar, espancar e atear fogo no filho e no enteado em 21 de abril de 2018, na cidade de Linhares, enquanto as crianças ainda estavam vivas. 

Na ocasião, a mãe das crianças estava em viagem para um congresso religioso em outra cidade. Na casa, os meninos estavam sob os cuidados de Georgeval.

Foto: Montagem / Folha Vitória

Na segunda-feira seguinte ao incêndio, Georgeval e a esposa, Juliana Sales, mãe das crianças, estiveram no DML para o recolhimento de material para realizar os exames de DNA. Na ocasião, ele relatou para a imprensa o que teria acontecido na noite do incêndio

Segundo ele, o fogo teria sido acidental e que teria tentado socorrer as crianças. A hipótese de socorro foi descartada pela perícia e pelos bombeiros, o que culminou na prisão de Georgeval dias após o ocorrido.

Em 20 de junho daquele mesmo ano, Juliana também teve a prisão preventiva decretada. Segundo decisão da justiça, ela tinha conhecimento dos abusos sexuais praticados por Georgeval contra os filhos. No momento da prisão, ela estava na casa de um amigo em Teófilo Otoni, Minas Gerais. 

Em novembro daquele mesmo ano, Juliana teve a liberdade provisória concedida. Georgeval entrou com dois pedidos de habeas corpus, prontamente negados e segue encarcerado. 

No dia 2 de maio de 2019, o juiz André Bijos Dadalto, da 1ª Vara Criminal de Linhares, decidiu que Georgeval Alves deveria ser levado a júri popular. Ele foi indiciado pelos crimes de duplo homicídio qualificado, estupro de vulnerável e tortura.

O julgamento dele aconteceria em março deste ano, mas foi adiado após pedido da defesa, pois o advogado do réu, Pedro Ramos, precisaria passar por um processo cirúrgico. A nova data foi estabelecida para 3 de abril. 

Minutos antes do julgamento, que teria início às 9h, a defesa do réu chegou escoltada ao fórum e, após bate-boca com representante do Ministério Público, o advogado Pedro Ramos anunciou que abandonaria o júri, com isso o julgamento foi adiado para o dia 18 de abril. 

Por conta disso, o juiz Tiago Fávaro Camata estabeleceu a multa de 50 salários mínimos por advogado, contabilizando o total de R$ 260 mil. 

Além disso, foi mantida a prisão do acusado e negado o pedido de sigilo processual, além de ter sido arbitrada multa aos advogados. Sobre a tentativa de “desaforamento” do Júri, ou seja, de retirada do município de Linhares, o juiz negou o pedido.

Na tarde desta terça-feira (4), o Superior Tribunal de Justiça, negou recurso da defesa e manteve o julgamento em Linhares para o próximo dia 18. Confira todos os detalhes sobre o crime:

*Matéria escrita pelo repórter Guilherme Lage

Foto: Thiago Soares/ Folha Vitória
Gabriel Barros Produtor web
Produtor web
Graduado em Jornalismo e mestrando em Comunicação e Territorialidades pela Ufes. Atua desde 2020 no jornal online Folha Vitória.