Não há dia em que Zeus, um vira-lata com pinta de buldogue, deixe de passear pelo bairro de Chacao, em Caracas. Nunca com o dono, Ignacio “Nacho” Porras, engenheiro de computação preso em 2014 por participar de protestos contra o governo.
Nacho passou um ano em El Rodeo, um dos presídios mais violentos do país. Desde 2015 está em prisão domiciliar. A porta de seu apartamento era nesta terça-feira, 22, vigiada por dois policiais, com quem parece ter relação amistosa. A seguir, trechos da entrevista concedida por ele ao jornal O Estado de S. Paulo, incluindo perguntas enviadas durante transmissão ao vivo pelo Facebook do Estadão.
Como o sr. foi preso?
Foi em uma das primeiras batidas policiais após os protestos de 2014. A polícia invadiu minha casa e me levou preso com pessoas que eu não conhecia.
Qual a acusação?
Desobediência às leis, instigação ao crime, forçar as pessoas a saírem a protestar, obstrução de vias públicas e associação para o crime.
O sr. passou o primeiro ano em regime fechado. Foi torturado?
Sim. Não desejo isso para ninguém, não se sabe se é segunda, sábado ou domingo. A vida não vale nada. Eles me bateram algumas vezes e me colocaram durante três meses na solitária.
Por quê?
Eu estimulava os outros presos a derrubar Maduro.
Como obteve prisão domiciliar?
Precisei fazer uma operação no coração e o Estado não podia me manter lá dentro nessas condições.
Se a oposição tivesse participado da eleição não seria mais fácil denunciar a fraude?
Se todos participassem, os números de Maduro teriam sido ainda mais inflados.
A que se deve o apoio que Maduro ainda tem?
Maduro compra votos e oferece dinheiro em troca de apoio de quem não tem trabalho. Este país é uma ditadura governada por assassinos. O povo não foi votar porque não acredita mais nessa ditadura.
As sanções internacionais que afetam o povo valem a pena?
Sim. Estamos sendo castigados há 18 anos. É preciso romper este ciclo.
Por que Maduro não deixa entrar ajuda externa?
Ele está como eu, só que a Venezuela é a prisão dele.
Por que não há protestos?
Há muita fome, desemprego. Toda semana falta água e luz, e isso em Caracas, a capital onde tudo tem de funcionar. No interior, há caos. O país não produz mais nada. As pessoas estão esperando para ver se recebem alguma ajuda de fora.
Que tipo de ajuda?
Intervenção.
O sr. não acredita em saída negociada?
Não, esse governo nunca vai sair de outra forma.
O sr. foi orientado pelo governo a não dar entrevistas. Teme retaliação?
Assumo a responsabilidade. O que mais podem me fazer? Já estou preso. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.