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Violência financeira contra idosos: o que fazer para se precaver

Os casos podem acontecer dentro da própria família ou nas instituições financeiras. Jurista ouvida pelo Folha Vitória explica como pedir ajuda

Foto: Reprodução/Funiber

A violência financeira contra idosos é um problema crescente e alarmante que afeta a sociedade. Este tipo de crime, muitas vezes silencioso e invisível, compromete a dignidade e a qualidade de vida das pessoas da terceira idade, além de representar uma clara violação dos direitos humanos. 

De acordo com dados do Disque 100, serviço de denúncias da Ouvidoria da Secretaria dos Direitos Humanos do governo federal, a violência financeira contra idosos é a terceira maior no ranking dos tipos de violência cometidos contra esse público no Brasil. A primeira é a psicológica e a segunda é a negligência. 

Ouvida pelo Folha Vitória, a advogada Menara Carlos de Souza, especialista em Segurança Pública, tira 10 dúvidas sobre violência patrimonial contra idosos. Segundo ela, esse tipo de violência pode acontecer dentro da própria família ou nas instituições financeiras.

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Segundo ela, esse tipo de violência pode começar com ações como obrigar o idoso a assinar um documento ou uma procuração sem o seu consentimento, ou sem que saiba do que se trata. Também entram exemplos como obrigar a pessoa a alterar um testamento ou um contrato. 

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Confira a entrevista completa

1. Quais são os sinais de violência patrimonial contra idosos que um advogado deve observar ao lidar com casos desse tipo?

Menara Carlos de Souza – O principal sinal é a depredação patrimonial, de forma que haja gastos incomuns ou excessivos em suas contas bancárias, em comparação ao consumo necessário usual do idoso, bem como transferência de valores sem explicação para terceiros.

2. Como os idosos podem se proteger legalmente contra a coação financeira e administrativa por parte de familiares?

O ideal é sempre a prevenção. O idoso que ainda é capaz pode assinar uma procuração a um familiar ou pessoa de sua confiança, mediante registro em cartório, para gerenciar seus bens, assinar contratos e realizar movimentações em sua conta bancária. Assim terá sempre alguém ajudando na fiscalização e gerenciamento de seu patrimônio. 

Outra opção é que o idoso faça, por meio de escritura pública, a autocuratela, que é um documento de proteção futura, por meio do qual pode escolher, desde já, quem será seu curador, bem como listar uma ordem de preferência de possíveis curadores na ausência do primeiro. 

Esse curador será responsável por cuidar da sua saúde e bem-estar e do patrimônio em caso de eventual incapacidade. É válido lembrar que o idoso pode, ainda, deixar um testamento pronto, o que evita discussões e brigas pelo seu patrimônio, sobretudo quando estiver numa fase terminal da vida. 

Por fim, em caso de estar incapaz, o idoso será interditado judicialmente, e lhe será nomeado um curador, seguindo a ordem de preferência de cônjuge ou companheiro não separado judicialmente ou de fato e, sucessivamente, aos ascendentes (pais), aos descendentes (filhos) e colaterais (irmãos e sobrinhos), por fim, a terceiro de escolha do juiz. 

Esse curador tem o dever de prestar contas ao juízo periodicamente, demonstrando que tem zelado pela integridade física e patrimonial do idoso.

Foto: arquivo pessoal

Menara Carlos de Souza é advogada

3. Quais são as medidas legais que podem ser tomadas para evitar a exploração financeira de idosos que já estão incapacitados?

Ao idoso incapaz haverá um processo de interdição (apuração da incapacidade) e, ao final, haverá sua curatela, sendo nomeado um curador. 

Para escolha de quem terá esse encargo será seguida a ordem de preferência de cônjuge ou companheiro não separado judicialmente ou de fato e, sucessivamente, aos ascendentes (pais), aos descendentes (filhos) e colaterais (irmãos e sobrinhos) e, por fim, a terceiro de escolha do juiz.

Esse curador será responsável pelo idoso, e terá o dever de prestar contas ao juízo periodicamente, demonstrando que tem zelado pela sua integridade física e patrimonial.

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4. Em casos de idosos sendo forçados a assinar procurações ou transferir bens, qual é o respaldo legal para anular esses documentos posteriormente?

A coação não pode ser presumida e depende de prova inequívoca de vício de vontade. Então para anular eventual documento ou negócio jurídico será necessário provar que o idoso não queria fazê-lo e foi forçado, induzido a erro, ou vítima de fraude para sua confecção. 

Nesses casos, sendo provada a ilegalidade do ato, é possível requerer sua anulação judicialmente.

5. Existe legislação específica que protege os idosos contra a transferência indevida de seus bens?

Os incapazes estão protegidos pelo inciso II do art. 4º do Código Civil: Art. 4 o São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer:
III – aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade;
Já os artigos 151 a 155 dispõem sobre a anulabilidade dos negócios celebrados através de coação.
O inciso I Art. 166 do prevê a anulação dos negócios celebrados com incapazes:
Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:
I – celebrado por pessoa absolutamente incapaz;
E o artigo 102 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003) determina que “apropriar-se de ou desviar bens, proventos, pensão ou qualquer outro rendimento do idoso, dando-lhes aplicação diversa da de sua finalidade” constitui crime punível com pena de reclusão de um a quatro anos e multa.

6. Como a legislação brasileira aborda a questão da violência patrimonial contra idosos em contextos familiares?

Conforme consta no Código Penal, agrava-se a punição no caso de crime cometido contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge, incluindo, logicamente, o familiar idoso, tendo em vista a maior insensibilidade moral do agente, e reprovabilidade do comportamento de abuso de confiança, que viola o dever de apoio mútuo existente entre parentes e pessoas ligadas pelo matrimônio. 

É possível também que a pessoa que cometa crime contra o idoso com alienação mental ou enfermidade seja considerado indigno para fins sucessórios, ou seja, não terá direito à herança (artigo 1.962 do Código Civil).

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7. Quais são as implicações legais para quem pratica a violência patrimonial contra idosos? Quais são as penas previstas?

Irá depender muito do enquadramento em algum crime específico. Como regra geral pode se aplicar o artigo 102 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003), que determina que “apropriar-se de ou desviar bens, proventos, pensão ou qualquer outro rendimento do idoso, dando-lhes aplicação diversa da de sua finalidade” constitui crime punível com pena de reclusão de um a quatro anos e multa. 

A título exemplificativo, de outro crime muito comum, temos o estelionato. Nesse caso, a pena, que via de regra é de 1 a 5 anos e multa, aumenta-se de 1/3 ao dobro, se o crime é cometido contra idoso ou vulnerável, considerada a relevância do resultado gravoso.

8. Em casos de idosos sendo “abandonados” em asilos sem receber visitas, que medidas legais podem ser tomadas para proteger seus direitos?

De acordo com o artigo 98 do Estatuto do Idoso, seu abandono em “hospitais, casas de saúde, entidades de longa permanência ou congêneres” é crime punível com detenção de seis meses a três anos e multa. 

No caso dos hospitais e instituições de longa permanência, as entidades e/ou profissionais que notarem o abandono têm o dever de comunicar às autoridades acerca do ocorrido. 

É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar os direitos do idoso, o que significa que todos são responsáveis por garantir seus direitos à vida, saúde, alimentação, lazer e dignidade. Negligenciar o idoso é crime.

9. Como os familiares ou terceiros que testemunham a violência patrimonial podem formalizar denúncias junto aos órgãos competentes?

Pode-se realizar a denúncia nos seguintes canais ou locais:
• Disque 100 (Direitos Humanos)
• 190: Polícia Militar (Em casos de risco iminente)
• Unidades municipais de saúde
• Delegacias
• Ministério Público

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10. Existem órgãos governamentais específicos para lidar com denúncias de violência patrimonial contra idosos?

A violência patrimonial contra os idosos deve ser comunicada às autoridades policiais ou ao Ministério Público. Existe a Delegacia Especializada de Proteção à Pessoa Idosa – DEPPI – (27) 3227-9545 – Av. Nossa Senhora da Penha, 2290, Santa Luiza, Vitória/ES, CEP 29045-402.

Além disso, sendo crime patrimonial, pode ser investigado também pela Delegacia Especializada mais próxima, como a Delegacia Especializada de Crimes de Defraudações e Falsificações (DEFA), Divisão Especializada de Repressão aos Crimes Contra o Patrimônio (DRCCP), ou Delegacia Especializada de Segurança Patrimonial (DSP), por exemplo.

Carlos Raul Rodrigues, estagiário do Folha Vitória
Raul Rodrigues *

Estagiário

Jornalista em formação pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e atua como estagiário no Jornal Folha Vitória

Jornalista em formação pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e atua como estagiário no Jornal Folha Vitória