O modelo social enxerga a deficiência como uma questão social
A virada normativa dessa abordagem ocorreu na Convenção Internacional de Nova York (2006), que estabeleceu a Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência e seu protocolo facultativo. No Brasil, a Convenção foi integrada ao sistema jurídico pelo decreto 186/08 e ratificada pelo decreto presidencial 6.949/09, adquirindo status constitucional conforme o § 3º do art. 5º da Constituição.
Ao contrário do modelo médico, que tratava a deficiência como uma tragédia pessoal a ser “corrigida”, o modelo social enxerga a deficiência como uma questão social, resultante da interação entre impedimentos físicos e barreiras sociais. Essa mudança de perspectiva exige a adaptação dos sistemas sociais para incluir a diversidade humana. A sociedade, portanto, necessita se ajustar para ser inclusiva.
O impacto formal do modelo social no direito brasileiro se destaca especialmente com a Lei Brasileira de Inclusão (Lei 13.146/15). A lei incorpora princípios de direitos humanos das pessoas com deficiência, reforçando a ideia de que a deficiência é um desvio social, econômico, histórico e cultural, cuja correção passa por uma sociedade mais acessível e inclusiva.
Inclusão, conforme descrito por Romeu Sassaki, é o processo de adequação dos sistemas sociais comuns para toda a diversidade humana, com a participação das próprias pessoas na formulação e execução dessas adaptações. Trata-se de uma expressão do amadurecimento dos direitos fundamentais em uma sociedade democrática.
Na prática, porém, o modelo social de inclusão tem se mostrado um desafio, muitas vezes visto como inalcançável. A complexidade dos conflitos sociais, os fatores biológicos individuais, as barreiras estruturais e o capacitismo dificultam a plena inclusão.
O capacitismo, assim como o racismo e o sexismo, é uma forma de opressão estrutural que gera vulnerabilidades, pobreza, exclusão e violência. No Brasil, segundo o IBGE, há cerca de 18,6 milhões de pessoas com deficiência, aproximadamente 9% da população. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio aponta que o analfabetismo entre pessoas com deficiência é de 19,5%, e 63% não completam a educação básica. Apenas 7% conseguem acesso às universidades. A falta de inclusão no sistema educacional perpetua a desigualdade social e aprofunda a pobreza.
O Atlas da Violência de 2024 revela que pessoas com deficiência são mais suscetíveis à violência, especialmente considerando a interseccionalidade de gênero, raça e deficiência. Mulheres com deficiência enfrentam maior vulnerabilidade e maior violação de direitos. A violência sexual contra pessoas com deficiência intelectual é preocupante, com uma em cada três pessoas sofrendo abuso sexual na idade adulta.
A interseccionalidade entre deficiência e raça agrava ainda mais as desigualdades, especialmente para mulheres negras com deficiência. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, 54% das pessoas com deficiência se declaram negras, mas apenas 0,6% acessam o ensino superior e 57% estão na informalidade no mercado de trabalho.
Apesar dos avanços formais, a inclusão plena requer mudanças estruturais e consciência coletiva. Políticas públicas eficientes são essenciais para combater a subordinação social e promover a igualdade de oportunidades, respeitando as diferenças e os valores de direitos humanos. Sem isso, a inclusão continuará sendo um desafio, encobrindo a realidade da exclusão social.