Muito de meu trabalho tenho a agradecer a amigos pesquisadores que trabalham com a conservação da natureza. Sei que minhas imagens são importantes para o trabalho deles, porém a inspiração que cada um deles me dá não tem preço.
Por isso, dedico essa série DANDO VOZ À NATUREZA aos pesquisadores que moldam suas vidas dando voz à natureza por meio de seus esforços de conservação!
Na Mata Atlântica, há pesquisadores que andam como se pertencessem à mata. Costumo fazer uma analogia, comparando a floresta como uma biblioteca. Se você entra em uma biblioteca sem saber ler, qual a importância que dará aos livros?
Acredito que com a natureza é algo semelhante… pesquisadores como Thiago Silva-Soares esforçam-se tanto para proteger a biodiversidade porque a conhecem profundamente.
Algumas pessoas se conectam ao mundo natural com escuta, paciência e respeito. Thiago é um desses que parecem ter nascido entre as raízes e as copas das árvores, com os pés na terra e os olhos atentos ao que move-se lentamente por entre as folhas, nos sons e no silêncio da floresta.
Uma amizade que surgiu na natureza
Conheci o biólogo e pesquisador Dr. Thiago em um simpósio de biologia em Santa Teresa, no Espírito Santo, há mais de 10 anos, no Museu Mello Leitão, participando como voluntários em um dos primeiros SIMBIOMAs, ainda nos tempos em que o Instituto Nacional da Mata Atlântica ainda não existia.
Éramos um pouco mais jovens, empolgados com tudo, e já ali eu percebi que aquele cara simpático, festeiro e curioso era diferente.
Havia uma paixão imensa por sua área de estudo — os répteis e anfíbios — e uma seriedade impressionante em tudo que envolvia ciência.
Na época, eu ainda não tinha muito apreço por esses bichos que vivem no chão da floresta. Mas bastou acompanhar o brilho nos olhos do Thiago ao falar sobre eles para perceber que estava diante de alguém capaz de despertar encantamento pelo que, para muitos, ainda era repulsivo.
Essa influência ficou. Hoje, me pego admirando os anuros e as serpentes, e sei que ele teve uma grande parte nesse processo de encantamento.
Um caminho de amizade e ciência
De lá pra cá, nossa amizade só cresceu. Fui testemunha da criação de muitos de seus projetos. Às vezes como fotógrafo, outras vezes ajudando com comunicação ou simplesmente em conversas despretensiosas que viravam brainstorms criativos.
Thiago sempre soube equilibrar a leveza de uma boa conversa com a profundidade do pensamento científico. E não é surpresa que hoje ele seja um dos nomes mais respeitados na herpetologia capixaba — e nacional.
Cada projeto que cria carrega uma identidade reconhecível. São iniciativas que unem pesquisa científica, difusão e sensibilização ambiental.
A herpetofauna do Espírito Santo
O Projeto Herpeto Capixaba foi criado em 2017 e nasceu da necessidade de conhecer melhor a herpetofauna capixaba.
Thiago e sua equipe formada por pessoas de diversos estados brasileiros, mapeiam, estudam e divulgam informações sobre pererecas, sapos, rãs, serpentes e lagartos do estado.
É ciência com base sólida, com livros e publicações científicas constantes, mas também com um grande trabalho de engajamento com o público geral.
O projeto já rendeu oficinas, expedições, mais de uma centena de publicações e inúmeros registros importantes, inclusive em áreas protegidas como a Reserva Natural Vale e a Reserva Biológica de Sooretama — onde, juntos, já registramos algumas das espécies mais emblemáticas da Mata Atlântica.
Um dos trabalhos mais corajosos de Thiago é com a Lachesis rhombeata, a famosa surucucu-pico-de-jaca da Mata Atlântica, por meio do Projeto Surucucu. Um animal longe de ser considerado fofofauna, mas que merece tanto quanto nossa atenção.
O projeto busca redescobrir a espécie no estado do Espírito Santo, a qual no momento, por mais de 15 anos, permanece desaparecida. Tão logo a encontrarem, a nova missão será compreender a biologia e o comportamento dessa serpente rara e ameaçada. Porém, também desmistifica a imagem negativa que ela carrega.
Mais recente e igualmente encantador é o projeto Pingo-de-Ouro, voltado para uma das espécies de anfíbios mais carismáticos da Mata Atlântica.
Esse sapinho dourado é um símbolo de delicadeza e urgência: pequenino, lento, sensível e ameaçado.
O projeto une ciência, difusão científica e conservação, reforçando a importância dos pequenos seres nos grandes ecossistemas. E, claro, é mais uma oportunidade de Thiago nos mostrar como mesmo o menor dos seres pode ter grande valor ecológico.
A Biotrips
Expedições selvagens para quem quer viver seu próprio documentário da vida real. Uma ponte entre a vida selvagem, pesquisa científica e o ecoturismo de experiência e responsabilidade.
São viagens organizadas para lugares de alta biodiversidade, em que os participantes vivenciam uma imersão no mundo natural, enquanto Thiago coleta dados para suas pesquisas científicas. É desconectar da rotina das cidades e reconectar-se com a essência da natureza.
Tive o privilégio de acompanhar tanto a Biotrips piloto — só eu e Thiago, testando a ideia — quanto a primeira expedição oficial para a Amazônia.
Mesmo eu, acostumado ao mato, fiquei impressionado com as atividades realizadas e como nos foram apresentadas pelo Thiago, sempre com muita proximidade e respeito pela natureza.
Cada canto da floresta, cada som, cada bicho revelava uma novidade apresentada com a emoção que expressava o real valor daqueles seres.
Momentos da Biotrips Amazônia: visita a grutas e registro de um dos menores lagartos do mundo. | Foto: Leonardo Merçon/Instituto Últimos Refúgios
Parceria com o Instituto Últimos Refúgios
Foi com alegria que recebemos o Thiago, sua equipe e seus projetos no Instituto Últimos Refúgios.
A união já existia na parceria com os projetos, porém, mais recentemente, ela se fortaleceu com essa aproximação.
Thiago trazendo toda a sua força e especialidades científicas e o Instituto Últimos Refúgios ajudando-o a tornar mais forte e institucionais suas iniciativas, facilitando o diálogo com outras instituições e dando mais respaldo aos projetos perante os olhos da sociedade.
Que essa parceria seja frutífera, duradoura e que gere resultados importantes para a conservação da natureza.
Um legado em construção
A trajetória de Thiago é sobre bichos que rastejam, coaxam ou escorregam pelas trilhas das matas. Mas também é sobre fazer ciência com paixão, formar pessoas, transformar curiosidade em conhecimento e conhecimento em ação.
Ele tem um jeito de inspirar sem precisar dizer muito. Basta observar o seu entusiasmo genuíno — aquele mesmo que vi pela primeira vez no SIMBIOMA — para sentir que a natureza ainda tem grandes aliados por aí.
É uma alegria ser amigo e parceiro de jornada desse pesquisador que faz da floresta seu campo de estudo, e sua missão de vida. Algo com o que me identifiquei muito.
Thiago mostra que a ciência pode ser encantadora, acessível e revolucionária ao mesmo tempo.
E que bom que os caminhos da vida nos cruzaram naquele simpósio.
O mundo ficou maior, colorido — e, por que não, mais coaxante e sibilante.