Artigo escrito por Ricardo Franci Gonçalves, engenheiro civil e sanitarista com doutorado em Engenharia do Tratamento de Águas pelo INSA de Toulouse (França) e pós-doutorado em Conservação de Água em Ambientes Urbanos na Universidade Técnica de Berlim.
A escassez de água recrudesce em várias regiões urbanas do Brasil, fazendo sofrer grandes contingentes populacionais, limitando a atividade econômica e retardando o progresso.
Obter água para o abastecimento público hoje em dia é uma tarefa cada vez mais cara e tecnologicamente complexa, devido às distâncias de captação cada vez maiores e à degradação da qualidade da água dos mananciais.
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Infelizmente, esse cenário tende a ser permanente e a única alternativa para combatê-lo é a implantação de programas de conservação de água complexos, que atuam na gestão da oferta e da demanda de água nos sistemas de abastecimento.
Sucede que, há décadas, a engenharia sanitária brasileira vem empenhando grande esforço para ampliar a oferta de água nas cidades e dedicando muito pouca atenção ao controle da sua demanda. Interessante notar que os engenheiros da Roma Antiga também pensavam da mesma maneira: “Se a água acabou, busque-se outra fonte mais distante!”
Foi essa abordagem que os levou a inventar os aquedutos para abastecer as cidades do império, muitos dos quais funcionam até os dias de hoje.
Porém, com o esgotamento das fontes de água doce devido à superexploração dos mananciais no presente, a água do mar tem sido objeto de grande interesse.
Dessalinização da água do mar vira alternativa de abastecimento
Sim, a tecnologia de dessalinização da água do mar é uma alternativa de abastecimento vital para regiões com disponibilidade hídrica crítica, como no Oriente Médio e em regiões insulares.
Felizmente, esse não é o caso do Espírito Santo, onde a estratégia do controle da demanda de água seguramente ainda é potencialmente mais efetiva e econômica para garantir nossa segurança hídrica.
Posto isso, então por que instalar uma ETA dessalinizadora com capacidade de 1 m3/s na Região Metropolitana de Vitória, como planeja a Cesan, se as perdas físicas de água no sistema de abastecimento superam 30%?
A produção de água para abastecer essa região com mais 2,2 milhões de habitantes deve estar em torno de 6,4 m3/s, indicando que as perdas de água hoje em dia devem se aproximar de 2,0 m3/s.
Com um programa de controle das perdas de água bem estruturado, a ser implementado ao longo de alguns anos, a redução das perdas pode perfeitamente se igualar à vazão da ETA dessalinizadora planejada pela empresa.
E a água não perdida seguramente será muito mais barata e sustentável do que a água dessalinizada, que consome muita energia na sua produção (> 3,0 kWh/m3), exige uma equipe muito especializada e o emprego de componentes (membranas) importados, além de produzir grandes quantidades de salmoura como subproduto.
Mitigar a escassez via controle da demanda
Portanto, mitigar a escassez através do controle da demanda em nossa região é a estratégia mais inteligente e econômica, por evitar o desperdício e por racionalizar o uso da água.
Ademais, a sua implementação resulta em conservação de energia, menor produção de esgoto sanitário e proteção dos mananciais.
A ampliação da oferta pode ser abordada através do reúso não potável de água, uma alternativa menos complexa e mais econômica do que a dessalinização.
No entanto, essa é uma técnica mais efetiva na escala das edificações, onde se concentram mais de 80% do consumo total de água nas cidades.
Por isso, é importante repensarmos nossas edificações sob a ótica da sustentabilidade, o que exigirá atualizações nos códigos de obra municipais. Não podemos esquecer que as cidades do futuro estão sendo construídas hoje.
É importante que se diga que conceber e implementar um programa de conservação de água não é tarefa fácil e exige coordenação política eficaz.
Conjunto de ações coordenadas
Trata-se de um conjunto de ações coordenadas que incidem não somente sobre os domicílios, as redes de distribuição e em outras partes do sistema de abastecimento, mas também sobre os mananciais, através da criação de áreas de preservação, do combate à poluição na origem e ao desmatamento.
Enfim, dada a importância da água para todos nós, estamos falando de um programa a ser implementado pelo governo estadual, que não pode ser atribuído a uma empresa ou a uma agência estadual individualmente.