O sol mal havia nascido quando acordei na base do Parque Nacional do Caparaó. O ar frio da montanha, característico da região, contrastava com a excitação que eu sentia.
Aquela era uma das minhas primeiras viagens como fotógrafo de natureza, uma etapa importante depois de meses de esforço para conquistar meu primeiro equipamento profissional.
Meu primeiro equipamento
Ainda me lembro da exaustão dos seis meses trabalhando como fotógrafo de montanha nos Estados Unidos. Sete dias por semana, jornadas longas, saindo de casa às seis da manhã e voltando apenas às dez da noite.
Consegui juntar recursos para comprar meu primeiro equipamento fotográfico, em grande parte, das gorjetas dos turistas. Foram meses difíceis, mas a determinação me manteve firme.
Veja bem, antes de ir para lá, ganhava R$400 por mês em meu estágio em uma agência de publicidade em Vitória-ES. Trabalhando exaustivamente nas montanhas geladas do Colorado, nos EUA, cheguei a ganhar $5 mil (dólares) por mês, só de comissões e gorjetas. Não havia salário, era só por comissão mesmo. Se eu trabalhasse bem e vendesse fotos, eu recebia, mas se eu não vendesse nada, também não ganhava.
Emagreci 20 quilos no processo, pelo esforço de caminhar por horas a fio na neve, me alimentando mal, mas no final, voltei ao Brasil com minha Nikon D80, um kit básico de lentes, iluminação, mochila e tripé. Mais do que eu jamais havia imaginado para aquela empreitada. Estava pronto para seguir meu sonho de me tornar um fotógrafo de natureza, em uma época que a área nem era considerada como profissão no Espírito Santo.
E foi assim que cheguei ao Caparaó, ansioso para testar minha nova câmera e me aprofundar na fotografia de vida selvagem. Mal sabia eu os encontros inesquecíveis que a natureza me reservava nesses 20 anos de jornada.
Leonardo Merçon em sua primeira expedição fotográfica no Caparaó, iniciando sua trajetória na fotografia de natureza. | Foto: Leonardo Merçon/Instituto Últimos Refúgios
O golpe dos quatis
Naquela manhã, saí da barraca com a câmera nas mãos e logo me deparei com dois quatis. Pequenos, ágeis e curiosos, eles me observavam atentamente. Nunca havia visto esses animais antes, e fiquei fascinado. Suas caudas listradas erguiam-se como antenas, enquanto seus focinhos compridos farejavam o ar.
Aproximei-me lentamente, ajustando a lente, tentando fotografá-los o mais de perto possível. Eles pareciam confortáveis com minha presença, quase como se estivessem acostumados a humanos. Por um momento, me senti sortudo por essa proximidade.
Mas então, algo chamou minha atenção pelo canto do olho. Algo dentro da minha barraca se mexia. Virei o rosto a tempo de ver um terceiro quati saindo correndo, carregando minha sacola de pães na boca.
Levei alguns segundos para entender o que havia acontecido. Alguma coisa no fundo de meus pensamentos, ainda suspeitava que não era coincidência: aqueles dois quatis que me olhavam tão inocentemente estavam apenas distraindo minha atenção enquanto o comparsa roubava meu café da manhã (risos enquanto materealizo essas palavras em forma de texto).
Meu primeiro instinto foi ficar irritado. Os pequenos larápios estavam rindo da minha cara. Mas conforme observava a cena, minha irritação deu lugar à admiração.
O comportamento deles não era aleatório. Havia inteligência na ação coordenada. Só depois de anos de experiência na fotografia de vida selvagem fui entender o que realmente estava por trás desse episódio.
Quando humanos interferem na vida selvagem
Na época, eu ainda não sabia, mas aquele comportamento não era natural. Os quatis haviam aprendido a associar pessoas com comida porque muitos turistas os alimentavam. Esse hábito, apesar de parecer inofensivo, tem consequências sérias.
A alimentação de animais silvestres pode causar desequilíbrios ecológicos, favorecendo algumas espécies em detrimento de outras. Os quatis, por exemplo, são onívoros e costumam caçar pequenos invertebrados e buscar frutas na floresta. Mas quando recebem comida de humanos, perdem esse hábito e passam a depender de uma alimentação artificial, muitas vezes inadequada.
Isso os torna mais vulneráveis. Animais que dependem de humanos para se alimentar podem sofrer nos períodos em que os visitantes são menos frequentes. Além disso, há o risco da transmissão de doenças. Doenças humanas, como herpes e cáries, podem ser transmitidas para animais através do contato com restos de comida. Os saguis, por exemplo, são muito vulneráveis a esses males.
E, talvez, o impacto mais preocupante: o comportamento agressivo. Quando os animais perdem o medo dos humanos, passam a se aproximar mais, e conflitos se tornam inevitáveis.
Vista do acampamento no Parque Nacional do Caparaó, ponto de partida para muitas aventuras. | Foto: Leonardo Merçon/Instituto Últimos Refúgios
O que começa com um roubo de pão pode terminar em mordidas e ataques, simplesmente porque o animal espera comida e não a recebe. Situações que nunca acabam bem para os animais, pois a primeira reação da sociedade é em muitos casos, EXTERMINAR aqueles seres que representam perigo.
O papel da fotografia na conservação
Aquela experiência no Caparaó foi um dos primeiros momentos em que compreendi que meu trabalho como fotógrafo poderia ser mais do que registrar belas imagens. Eu poderia usar minhas fotos para contar histórias.
A imagem dos dois quatis me observando – ou como gosto divertidamente de pensar, distraindo-me para o golpe – mostra o quanto nossa presença influencia o comportamento da fauna.
Por isso, sempre reforço: não alimente animais silvestres. Respeite seu espaço, fotografe à distância e permita que a natureza siga seu curso sem interferências desnecessárias.
Eu mesmo já interferi muitas vezes no meu início de carreira. Porém, na época, não havia quem me orientasse sobre isso. Para mim, não representava um problema. Mas aos poucos, graças aos conselhos de alguns amigos, fui me conscientizando sobre isso.
Lembro bem, quando estava fazendo uma matéria para a National Geographic, que para fotografar iraras, coloquei frutas. E inocentemente, mandei a foto para o meu amigo, editor da revista.
Ele recusou a matéria, pois mesmo que havíamos utilizado as frutas no contexto de pesquisa (que é muito utilizado), isso entrando na revista, até explicar que “focinho de porco não é tomada”, o problema tá teria sido gerado e as críticas certamente viriam. Ele, pacientemente, me explicou. E eu entendi. Nunca mais fiz fotos assim.
Ainda acontece?
O episódio que vivi no Caparaó aconteceu em 2008. Mas será que ainda vemos esse tipo de comportamento no parque hoje? Se você já visitou o local recentemente, notou algo parecido? Os quatis ainda se aproximam esperando comida?
E, mais importante: como podemos garantir que as pessoas possam admirar a fauna silvestre sem prejudicá-la?
De qualquer forma, a região do Caparaó e em especial o Parque Nacional do Caparaó, uma Unidade de Conservação Federal, gerida pelo ICMBio, é especial e vale a visita.
Planejando sua visita ao Parque Nacional do Caparaó
Se você ficou com vontade de conhecer o Parque Nacional do Caparaó, aqui vão algumas dicas:
- O parque abriga o Pico da Bandeira, um dos pontos mais altos do Brasil, e trilhas incríveis para quem ama montanhismo.
- Há áreas de camping estruturadas para visitantes que querem passar a noite no parque para subir o Pico da Bandeira ou simplesmente acordar com aquele ar fresco das montanhas.
- A melhor época para visitar é de abril a outubro, quando o clima está mais seco. Mas, se o objetivo for aproveitar as cachoeiras, os meses de novembro a março são ideais.
- Sempre leve uma lanterna, calçados apropriados para trilha e roupas para o frio, pois as temperaturas podem cair bastante à noite. Eu mesmo já acordei com minha barraca congelada. Então, exagere nas roupas de frio.
- E claro, não alimente os animais – por mais que eles tentem convencer você do contrário. rs
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Espero que tenham gostado desta história. Te vejo na próxima aventura!