O caso envolvendo o atacante Bruno Henrique, do Flamengo, indiciado por suspeita de manipulação de jogos, é um reflexo da deterioração dos valores que deveriam sustentar não só o esporte, mas a própria sociedade. É um exemplo claro da banalização de qualquer valor coletivo diante da lógica de mercado.
Para quem não acompanhou, em novembro de 2023, Flamengo e Santos se enfrentaram pelo campeonato brasileiro. Três bets tiveram movimentações em apostas muito acima do normal voltadas para o recebimento de um cartão amarelo pelo jogador Bruno Henrique. Em duas delas o volume superou 95%., enquanto a média história era 15%.
As próprias casas de apostas suspeitaram de manipulação e acionaram a polícia federal.
A postura das empresas pode ser atribuída a uma tentativa delas próprias de separar as plataformas legalizadas daquelas que ainda operam a margem da lei.
A regulamentação no início do ano trouxe mais segurança jurídica para as bets e, por outro lado, estabeleceu algumas regras.
As casas de apostas têm registrado crescimento financeiro bastante expressivo, alavancado por investimentos publicitários também vultosos.
Hoje, todos os 20 times da Série A, por exemplo, são patrocinados por alguma bet. Elas estão nas camisas, nos estádios, nas transmissões e, com isso, atraem cada vez mais apostadores.
A questão que persiste é que para muitos brasileiros as apostas deixam de ser passatempo e passam a ser compulsão, com impacto direto na saúde financeira e mental.
Se o Estado deu o passo da regulamentação, precisa agora avançar no controle e nos limites. A discussão sobre a propaganda de apostas, nos moldes do que já ocorre com álcool e tabaco, é urgente. Não se trata de moralismo. Trata-se de responsabilidade social.
O cartão que quase passou despercebido no jogo entre Flamengo e Santos talvez seja apenas um detalhe estatístico, mas, para quem ainda enxerga no esporte um valor coletivo, ele é um sinal vermelho. Um alerta de que já ultrapassamos a linha do razoável. E, se nada for feito, o que está em risco não é apenas o futebol — é o que ainda resta de jogo limpo na sociedade. Não podemos mais fingir que está tudo dentro da normalidade.