"É Assim Que Acaba" (com a nossa Liberdade)

Valores são como a base de uma casa, sustentando a identidade de uma pessoa e a forma como ela se relaciona com o mundo. O filme “É Assim que Acaba” e os relatos de assédio durante as filmagens demonstram como pequenas atitudes, que podem parecer insignificantes, podem abrir caminho para problemas muito maiores. Defender valores não é algo que se faz apenas em situações difíceis, mas diariamente, por meio das escolhas mais simples. Quando alguém finge não ver ou ignora um desrespeito, mesmo que pequeno, pode acabar permitindo que situações ainda mais graves ocorram. No fim das contas, é dessa forma que se protege a própria liberdade.

O filme mostra exatamente como esse processo funciona. Lily Bloom, a protagonista, cresceu vivenciando os abusos constantes sofridos por sua mãe. Essa experiência fez com que ela criasse uma noção muito clara do que não aceitaria na vida, a ponto de decidir se afastar dos pais. No entanto, ao iniciar um relacionamento com Ryle Kincaid, acabou ignorando os primeiros sinais de comportamento controlador e agressivo. Lily esperou que algo mais grave acontecesse para tomar uma atitude, um comportamento comum entre muitas pessoas. Geralmente, acredita-se que é necessário agir apenas quando a situação se torna insustentável, mas a verdade é que o problema começa justamente nos pequenos deslizes, naqueles detalhes que passam despercebidos.

O mesmo pode ser visto nos relatos de assédio durante as filmagens. Assim como Lily ignorou os primeiros sinais de abuso no relacionamento, no set de “É Assim que Acaba”, situações desconfortáveis teriam sido deixadas de lado até virarem caso de Justiça. Segundo reportagem do Jornal O Globo, a atriz Blake Lively denunciou formalmente o diretor e co-protagonista Justin Baldoni por assédio sexual. A denúncia afirma que Baldoni fez comentários sobre seu peso, pressionou-a a falar sobre religião e compartilhou detalhes inapropriados sobre sua vida pessoal. A denúncia também alega que Baldoni tentou incluir mais cenas de sexo no roteiro, mas Lively conseguiu impedir. O caso segue na Justiça, sem decisão até agora. Isso mostra como a falta de ação diante de pequenas violações pode levar a conflitos maiores e mais complexos.

Defender valores não é algo que deve ser restrito ao lado pessoal. Está também diretamente relacionado à liberdade individual. A luta contra a censura, a burocracia, a regulamentação excessiva e qualquer forma de opressão que restrinja a autonomia das pessoas é básica. Governos autoritários, mesmo aqueles que se disfarçam sob a aparência de democracia, tentam invariavelmente expandir seu controle sobre a população. Esse processo quase sempre começa com pequenas medidas que, à primeira vista, podem parecer bem-intencionadas. 

No Brasil, há vários exemplos recentes que ilustram essa dinâmica. O aumento das regulações em áreas como economia e cultura costuma ser defendido como uma necessidade para o “bem comum”. No entanto, muitas dessas medidas têm início com restrições sutis, que aparentam ser inofensivas ou até justificáveis. Com o tempo, essas limitações se agravam, reduzindo a liberdade individual e ampliando o controle do Estado sobre a vida da população.

A censura é outro exemplo claro. Propostas de controlar o que pode ou não ser dito na internet, por exemplo, muitas vezes são vendidas como uma forma de combater discurso de ódio ou fake news. No entanto, na prática, essas medidas podem ser usadas para calar quem pensa diferente e limitar a liberdade de expressão. Quando pequenas restrições são aceitas, mesmo que pareçam insignificantes, abre-se caminho para consequências mais graves. É assim que começam os abusos, com a primeira concessão feita sem que se perceba o estrago que pode causar.

Defender valores, então, não é apenas uma questão pessoal, mas uma responsabilidade de todos. É preciso estar atento aos pequenos sinais de desrespeito, seja em um relacionamento, no trabalho ou até mesmo nas políticas públicas. Quando esses sinais são ignorados, eles tendem a crescer e se tornar problemas muito mais difíceis de enfrentar. A liberdade, tanto individual quanto coletiva, depende dessa atenção constante.

No fim das contas, a mensagem é clara: não se pode renunciar a valores fundamentais, nem mesmo nos detalhes. Pequenas concessões podem resultar em perdas significativas. E, como ilustrado no filme “É Assim que Acaba”, quando a ação não é tomada a tempo, o preço a ser pago pode ser extremamente alto.

JORNAL O GLOBO. Blake Lively processa diretor e ator de “É Assim que Acaba”, Justin Baldoni, por assédio sexual: entenda as acusações. O Globo, 22 dez. 2024. Disponível em: https://oglobo.globo.com/cultura/noticia/2024/12/22/blake-lively-processa-diretor-e-ator-de-assim-que-acaba-justin-baldoni-de-assedio-sexual-entenda-as-acusacoes.ghtml. Acesso em: 5 mar. 2025.

Daniela Hemerly Emery Cade Colunista
Colunista
Associada do Instituto Líderes do Amanhã