Cansadas de serem constantemente agredidas e humilhadas por seus companheiros, muitas mulheres têm revidado às agressões e acabam passando de vítimas para acusadas de crimes. A constatação é da própria Polícia Civil. Segundo delegados que cuidam de casos de violência contra a mulher no Espírito Santo, as vítimas reagem dessa forma por não aguentarem mais a situação pela qual passam e acabam até mesmo tirando a vida de seus agressores.
Um dos casos mais recentes aconteceu na tarde do último domingo (27), no bairro Itapoã, em Vila Velha. Uma jovem de 18 anos reagiu às agressões do ex-namorado e o matou com uma facada no peito. O corpo da mulher ficou todo machucado depois dela ter sido supostamente agredida pelo ex.
“Eu cheguei em casa e estava deitada falando no telefone. Ele queria saber se eu estava falando com homem ou com mulher, pois ele era muito ciumento. Eu deixei ele falando sozinho, ele veio atrás de mim e me bateu. Eu peguei a faca e parti para cima dele”, contou.
Situação parecida viveu uma mulher de 30 anos, na Serra. Em julho, uma briga por causa de um cartão de alimentação a levou a esfaquear o marido. Na ocasião, ela também disse ter se cansado das agressões do companheiro.
Os dois casos têm muito em comum: as mulheres contaram à polícia que, por anos, fizeram o papel de vítimas em relacionamentos difíceis, conturbados e repletos de brigas e agressões físicas. As duas mulheres afirmaram que a violência dentro de casa se repetia e que os companheiros já haviam sido presos.
No entanto, segundo elas, a prisão não adiantou e as agressões continuaram. Dessa forma, de vítimas elas acabaram se tornando autoras de um crime.
“No caso da mulher, ela vem acumulando situações de violência por parte do homem e aquilo vai se acumulando. Uma vez eu disse que a mulher só comete um crime de homicídio, em uma relação de casal, porque ela já não aguenta mais aquela relação. Então a bateria dela vem carregando até o ponto em que não aguenta mais e explode”, ressaltou o titular da Delegacia de Homicídios e Proteção à Mulher (DHPM), delegado Adroaldo Lopes.
Aos 21 anos, uma manicure teve que pagar pelo excesso na reação contra as agressões do companheiro. Ela o afastou, jogou uma pedra contra ele, deu chutes e acabou empurrando o agressor contra a cerca de arame farpado. O rapaz acabou morrendo.
“Eu estava dormindo já. Aí ele bateu na janela e pediu para eu abrir a porta. Falei com ele que eu não ia abrir porque ele estava drogado e ia querer me bater. Falei que se ele quisesse entrar, iria dormir no sofá. Mas não deu nem tempo. Abri a porta e ele já estava me batendo. Daí eu fui me defender porque ele falou q ia me matar”, alegou a jovem, à época dos fatos.
O caso aconteceu em 2011. Mesmo alegando legítima defesa, a mulher foi responsabilizada pelo crime de lesão corporal seguido de morte.
“A gente não pode ultrapassar aquele limite da defesa para que a gente não entre no cometimento de um delito. Então, no caso de uma agressão, se você conseguiu com essa defesa parar aquela injusta agressão, você não pode continuar com aquilo. Porque senão você está ultrapassando o limite e estaria incorrendo em um crime, provavelmente de lesão corporal, e, dependendo do caso, até mesmo uma coisa maior”, ressaltou a titular da Delegacia de Proteção à Mulher de Cariacica, delegada Michele Meira.
Na delegacia, Michele Meira atende casos em que a mulher é a vítima. No entanto, ela reconhece que não é difícil descobrir que, com os ânimos exaltados, as vítimas também acabam partindo para cima dos agressores.
“Ocorre que esses casos estão se tornando corriqueiros porque às vezes a vítima está na delegacia, faz o boletim de ocorrência, relata que houve uma agressão, mas daqui a pouco há um perdão e elas retomam esse relacionamento. Com isso, as agressões continuam e, em um momento, ela acaba perdendo a cabeça, toma uma atitude impensada e acaba acontecendo isso”, frisou.