Polícia

Espírito Santo tem a maior superlotação nas unidades para menores infratores do Sudeste, aponta pesquisa

Segundo o levantamento, o Estado está com 28,9% mais internos do que vagas disponíveis. Conclusão é de um relatório do Conselho Nacional do Ministério Público

Unidades socioeducativas do Espírito Santo são as mais superlotadas do sudeste, segundo o levantamento Foto: TV Vitória

O Espírito Santo é o estado da Região Sudeste com a maior superlotação das unidades de internação de adolescentes em conflito com a lei. A conclusão é de um relatório divulgado nesta segunda-feira (22) pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CMNP), com base em dados de 2014.

Segundo o levantamento, o Espírito Santo está com 28,9% mais internos do que vagas disponíveis em suas unidades. O único estado do sudeste com maior número de vagas do que internos é o Rio de Janeiro.

Além do Espírito Santo, outros 15 estados, além do Distrito Federal, também enfrentam o problema da superlotação: Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Sergipe, Rio Grande do Sul, Acre, Amapá, Pará, São Paulo, Minas Gerais e em todos os estados da região Centro-Oeste. 

Em comparação com os dados coletados em 2013 e 2014, o maior déficit de vagas está nas unidades de internação localizadas na Região Nordeste. Em todo o Brasil, de acordo com o estudo, 21,8 mil jovens estão internados em unidades que oferecem 18 mil vagas.

Visitas

Representantes do conselho visitaram 317 das 369 unidades de internação que funcionam no país. Os dados foram coletados a partir de informações enviadas ao conselho por promotores da juventude de todo o país. As inspeções periódicas estão previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A publicação servirá para a adoção de políticas públicas no sistema socioeducativo.

O relatório conclui que a proteção integral dos adolescentes em conflito, garantida pelo ECA, não é cumprida. O conselho defende o cumprimento das medidas socioeducativas, como escolarização, práticas esportivas, lazer e cultura, e a participação no processo de ressocialização.

“No que diz respeito às melhorias do sistema como um todo, deve-se observar também para o fortalecimento do meio aberto, de modo geral, para conter mais e, progressivamente, a entrada para o meio fechado. Em relação a esses, o maior desafio é transformá-los em verdadeiras unidades socioeducativas, e não em pequenos presídios, como ainda prevalece em boa parte do sistema”, conclui o CMNP.

Agentes ameaçam não intervir em rebeliões

Algumas rebeliões foram registradas em vídeos pelos agentes socioeducativos Foto: Reprodução

Por conta da situação das unidades socioeducativas do Espírito Santo, os agentes socioeducativos ameaçam não intervir mais nas rebeliões feitas pelos internos. Segundo eles, além da superlotação, falta segurança para o trabalho dos agentes. Os servidores alegam ainda que os menores estariam sendo incentivados pelo judiciário capixaba a realizar os motins.

Algumas das rebeliões foram registradas pelos próprios agentes. Uma delas aconteceu no dia 13 de fevereiro, dentro do espaço pedagógico da Unis, em Cariacica. Um professor foi feito refém e ameaçado de morte. Além disso, os menores depredaram diversas instalações da unidade. 

O motim durou aproximadamente uma hora e meia e envolveu cerca de 30 internos. Segundo os agentes, apenas seis servidores estavam em serviço e nada puderam fazer. Outro vídeo mostra a situação do local após a rebelião. Ele ficou completamente destruído.

Segundo os agentes, somente nos últimos dez dias foram registradas quatro rebeliões em unidades socioeducativas do Estado. Sem efetivo e estrutura para conter os motins, a categoria promete não interferir mais na tentativa de controlar a situação e somente evitar com que os internos fujam das unidades.

“O agente vai cuidar do perímetro, vai resguardar o adolescente para que ele não vá em fuga e não atente contra a vida de outro adolescente. Mas se estiver quebrando tudo, vai ser acionado o DOT, a Polícia Militar, quem é de direito de fazer a intervenção e poder controlar a situação”, destacou o presidente do Sindicato dos Servidores do Sistema Socioeducativo do Espírito Santo (Sinases), Bruno Menelli.

De acordo com a categoria, os menores têm recebido influência externa, que tem motivado as rebeliões. “Essa influência não vem só de juiz, vem de tudo: direitos humanos, juiz, os próprios funcionários da gestão do Iases, que estão em cargos comissionados, não têm respeito pelo órgão e querem a qualquer custo se manter nos cargos. Eles falam que se você intervir, vão te transferir. A primeira pergunta que o adolescente faz hoje ao novato é se ele é efetivo ou DT (Designação Temporária). Se for DT, ele já sabe que vai ser mandado embora. Então a gente vai trabalhar com medo”, ressaltou Menelli.

Os agentes dizem que, quando precisam confrontar os menores, recebem penas administrativas. O agente Gelci Ferreira disse que acredita que foi tirado de uma coordenação de unidade por conta disso.

“Se for puxar a ficha funcional, todos têm um PAD, que é um Processo Administrativo Disciplinar. A resposta dada à sociedade é que o agente é o causador do problema e já foi punido. E na verdade sabemos que o causador do problema não é o agente. E a gente também não culpa o adolescente socioeducando. A culpa disso tudo é de uma socioeducação falida”, protestou Gelci.

Diante dessa realidade, os profissionais esperam uma solução. “Falta um pouco mais de investimento e de vontade de fazer uma socioeducação mais decente em nosso Estado. Dá tempo ainda [de reverter essa situação], nem tudo está perdido. Basta investir nos agentes socioeducativos, nos dar condição para fazermos nosso trabalho”, apontou o presidente do Sinases.

Resposta

O diretor técnico do Instituto de Atendimento Socioeducativo do Espírito Santo (Iases), Leandro Piquet, disse que já estão sendo adotadas medidas para resolver a superlotação nas unidades capixabas. 

“A questão da superlotação na socioeducação é um quadro nacional e o Governo do Estado está sensível a isso. Está construindo novas moradias em unidades já existentes, está em um processo de finalização para a construção de uma nova unidade no interior do Estado. Também estamos assumindo a gestão das casas de semiliberdade, que é uma outra medida socioeducativa, para que nós ganhemos expertise e consigamos melhorar nossos serviços, inclusive ampliando ele também”, destacou Piquet.

O diretor lamentou ainda a posição dos agentes de não mais intervir em rebeliões. “Isso foi até uma declaração inadequada, indevida. Estão falando que vão deixar de trabalhar. Não foram quatro rebeliões ou motins. A gente teve ocorrências no final de semana que foram contidas com muito êxito”, explicou.

Piquet também justificou a aplicação de medidas administrativas aos servidores. “Em relação a alguns procedimentos em termos do uso da força, 25% do nosso efetivo está sendo capacitado para que eles tenham conhecimento e a segurança para usar cada vez melhor o uso progressivo da força. A punição administrativa é quando o uso é feito em excesso. Extrapola-se ao limite da força. O trabalho socioeducativo é um trabalho muito difícil, que exige muita experiência e muita paciência também, porque você está lidando com meninos que às vezes provocam a gente o tempo inteiro. Então nossos agentes estão sendo treinados para lidar com esse tipo de situação e estar preparado para fazer o uso adequado da força, nos limites que lhe convém”, declarou.

Com informações da Agência Brasil e da TV Vitória/Record