O Ministério Público do Espírito Santo (MPES) denunciou 20 pessoas suspeitas de integrar um núcleo que realizava lavagem de dinheiro para a organização criminosa denominada Primeiro Comando de Vitória (PCV). Entre os denunciados há esposas e parentes de algumas lideranças da quadrilha.
A denúncia foi oferecida à 8ª Vara Criminal de Vitória, na última quarta-feira (28), pela Promotoria Regional de Investigação e Controle Externo da Atividade Policial e pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco).
As investigações foram realizadas pela Polícia Civil, por meio da Delegacia de Repressão a Ações Criminosas (Draco), durante a Operação Capital, voltada a apurar crimes praticados por núcleo patrimonial da organização criminosa.
De acordo com o Ministério Público, as investigações revelaram que os denunciados, pertencentes ao núcleo de lavagem de dinheiro do PCV, lidam com volumes expressivos de valores, confirmados pela análise de dados bancários e telemáticos, com manejo de dinheiro em espécie.
Os suspeitos foram denunciados por lavagem de dinheiro e por integrar organização criminosa voltada para a lavagem de capitais.
Comando na prisão
Segundo as investigações, o núcleo era liderado por Bruna Carlette Sobreira Furtado, esposa de Carlos Alberto Furtado da Silva, o “Nego Beto”, apontado pela polícia como um dos chefes do PCV.
A organização criminosa, de acordo com a polícia, está sediada no Complexo da Penha, em Vitória, mas também atua em outras regiões do estado, com envolvimento com crimes como o tráfico de drogas e de armas e com homicídios.
Carlos Alberto está preso desde 2008, por condenações criminais que alcançam mais de 54 anos de prisão. No entanto, segundo a denúncia, mesmo de dentro do sistema prisional, ele ajudava a comandar o núcleo responsável pela lavagem de dinheiro da quadrilha.
Nego Beto estava preso na Penitenciária de Segurança Máxima II, em Viana. No entanto, no último dia 19 de julho, ele foi transferido para a Penitenciária Federal de Porto Velho, em Rondônia.
A transferência de Nego Beto e de outras liderança do PCV para presídios federais ocorreu durante a operação Armistício, do MPES, que resultou na prisão de advogados suspeitos de intermediar a troca de mensagens entre chefes da quadrilha,que já haviam sido presos, e integrantes ainda foragidos da organização criminosa.
Ainda segundo a denúncia, também participava desse núcleo de lavagem de dinheiro Fernando Moraes Pereira Pimenta, o “Marujo”, que ainda está foragido e é procurado pela polícia do Espírito Santo desde agosto de 2017.
Ele é apontado como o responsável pelo repasse dos recursos ilícitos da organização criminosa a serem objeto de lavagem de capitais.
Empresa de fachada
De acordo com a polícia, para comandar a lavagem de dinheiro da organização criminosa, Bruna utilizava uma empresa de fachada, voltada para o ramo da moda. Por meio do estabelecimento, ela realizava transações em nome dela e de outras esposas e parentes de integrantes do PCV, afim de tentar ocultar a origem do dinheiro, proveniente do tráfico de drogas.
A investigação aponta ainda que a loja Mon Cheri Boutique, localizada na Serra, foi registrada em janeiro de 2015, em nome da mãe de Bruna, Creuzenir Maria Carlette Sobreira, e da irmã dela, Tatiana Carlette Sobreira.
Ambas, segundo a polícia, sabiam do real motivo da criação da empresa e aceitaram figurar como administradoras perante a Junta Comercial. Para a abertura do estabelecimento, elas teriam contado com a ajuda da contadora Priscila Marques Marcelino, suspeita de também auxiliar nas transações da empresas, de modo a disfarçar a origem dos recursos.
Bruna foi registrada como gerente comercial da loja, mas, segundo as investigações, atuava como a real proprietária e responsável pelos negócios realizados em nome da empresa.
De acordo com a denúncia do MPES, Bruna era a principal responsável pela parte financeira do PCV, recebendo montantes em espécie, oriundos da venda ilícita de entorpecentes, e, por meio deles, adquirindo bens em nome de terceiros. Além disso, simulava negócios jurídicos por meio da empresa, sempre visando dar aparência de legalidade ao dinheiro.
As investigações apontaram ainda que os rendimentos declarados pela empresa e as movimentações financeiras efetivamente realizadas em suas contas eram incompatíveis, comprovando, segundo o Ministério Público, a sua utilização para fins de ocultação e dissimulação de origem de valores provenientes do tráfico.
A polícia descobriu também que a empresa de fechada emitiu notas fiscais, tendo Bruna como destinatária. Os documentos foram registrados como “brindes, bonificações ou doações dentro do Estado”.
Uma dessas transações, feita no dia 25 de junho de 2018, movimentou o valor de R$ 11.407. Segundo as investigações, o valor é incompatível com os rendimentos de Bruna. Além disso, a polícia identificou notas fiscais emitidas em favor da própria empresa Mon Cheri.
Repasse a outras esposas de traficantes
Ainda segundo a denúncia do MPES, Bruna também simulou negócios jurídicos com esposas e companheiras de outros integrantes do alto escalão do PCV, emitindo notas fiscais eletrônicas como se elas fossem consumidoras.
Uma das beneficiadas, de acordo com as investigações, foi Amanda Pereira Bento, esposa de Anderson de Andrade Bento, vulgo “Andinho”, e cunhada de Geovani de Andrade Bento, o “Vaninho”, e de João de Andrade, o “Joãozinho da 12”, todos apontados como integrantes da cúpula da quadrilha.
Uma das notas fiscais, emitida no dia 29 de dezembro de 2017, foi no valor de R$ 3.609,15, incompatível com os rendimentos declarados por ela, segundo o MPES.
“A renda declarada por ela em 2020 foi de R$ 2.000,00 por mês e não há informações de rendimentos capazes de justificar a aquisição, por emissão de nota fiscal, de compra de R$ 3.609,15 em roupas, em nome de pessoa física”, apontou um trecho da denúncia.
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Também teriam sido beneficiadas as irmãs Bruna dos Santos de Sousa e Lidiane Santos Santana de Souza, respectivamente cunhada e esposa de Giovani Otacílio de Souza, vulgo “Paraíba” ou “Bob Esponja”, outro suspeito de integrar a cúpula da organização criminosa.
Para Bruna dos Santos, foi emitida uma nota fiscal no valor de R$ 4.066,77, no dia 23 de julho de 2018. Segundo a polícia, os rendimentos dela são incompatíveis com a transação, já que ela declarou receber entre R$ 1,5 mil e R$ 2 mil. Além disso, seu último vínculo empregatício registrado, em 2013, traz informações de rendimentos equivalentes a um salário mínimo.
Já para Lidiane, a empresa emitiu diversas notas fiscais, totalizando R$ 32.485,86. Entretanto, de acordo com as investigações, ela é estudante e não tem rendimentos compatíveis com as transações registradas nas notas fiscais.
Também foram emitidas notas fiscais em nome de Giovana Aparecida da Silva, companheira de Cleuton Gomes Pereira, o “Frajola” (recebeu R$ 14.459,80); Grazieli Santos Loyola, esposa de “Marujo” (R$ 11.463,41); e Mayara Pereira Marins Furtado, na época esposa de Marcelo José Furtado, vulgo “Marcelinho do Vale do Sol” (R$ 5.944,60).
A análise fiscal feita pela polícia, nas contas da empresa, demonstra também a frequência de emissão de notas fiscais em horários concentrados e aproximados, como notas emitidas no mesmo dia, totalizando valores expressivos.
A denúncia do MPES destaca ainda que, entre 2015 e 2018, a empresa declarou a aquisição de mercadorias para comercialização no valor de pouco mais de R$ 473 mil.
Segundo a investigação, mesmo não tendo declarado quaisquer ganhos de capital, a Mon Cheri Boutique apresentou uma movimentação bancária de mais de R$ 2,5 milhões, a título de depósitos e fundos de investimento, ou seja, superior em mais de cinco vezes os recursos declarados à Receita Federal.
Saiba quem são as pessoas denunciadas pelo MPES por lavagem de dinheiro:
– Carlos Alberto Furtado da Silva, o “Nego Beto”
– Bruna Carlette Sobreira Furtado
– Emanuella Carlette Sobreira de Oliveira
– Fernando Moraes Pereira Pimenta, o “Marujo”
– Emerson Miguel de Oliveira
– Tatiana Carlette Sobreira
– Creuzenir Maria Carelette Sobreira
– Lidiane Santos Santana de Souza
– Maycon França do Nascimento
– Fernanda Oliveira Silva Nascimento
– Maria Luiza Carlette Serrão
– Polyana Rizzi de Bruyn
– Priscila Marques Marcelino Roriz
– Grazieli Santos Loyola
– Amanda Pereira Bento
– Bruna dos Santos de Sousa
– Giovana Aparecida da Silva
– Josemar Carlette
– Sislânia Santos da Silva
– Karla de Souza Custódio
A reportagem do Folha Vitória tentou, mas não conseguiu contato com as defesas das pessoas citadas na matéria.