Um golpe envolvendo suspeitos que se passam por advogados, por meio de aplicativos de mensagens, tem se tornado mais frequente nos últimos dias no Espírito Santo. A ideia dos criminosos é a de enganar potenciais clientes de escritórios, que esperam receber algum valor na Justiça. Para isso, os golpistas pedem um “valor antecipado” para garantir o recebimento da quantia.
De acordo com o advogado criminalista, especialista em Direito Penal Econômico e membro da Comissão da Advocacia Criminal da Ordem dos Advogados do Brasil no Espírito Santo (OAB-ES), Cássio Rebouças, este golpe não é tão novo assim, apesar de ter aumentado a frequência de uns tempos para cá.
“O advogado é vítima no sentido de que é o nome dele que é usado para conseguir valores de eventuais clientes, mas a vítima principal é o próprio cliente. O golpe funciona assim: os criminosos sabem que determinadas categorias profissionais, como os servidores, têm valores a receber, que demoram décadas para serem disponibilizados. Então conseguem acesso à lista de partes desses processos, porque isso é divulgado na consulta pública dos tribunais”, iniciou.
Segundo o especialista, talvez haja até mesmo advogados envolvidos entre esses golpistas. “Tendo o nome das partes, às vezes olhando a consulta processual, conseguem mais informações que possam passar uma segurança maior para a vítima que estão tentando enganar”, acrescentou.
No caso de servidores aposentados, por exemplo, como disse Rebouças, há os que estão há mais de 20 anos aguardando valores que viriam de algum processo. E aí os golpistas entram em contato “dando boas notícias”.
“Só que para sair o valor, eles dizem que precisaria ser pago um boleto ‘tal’, ou uma taxa ‘X’, e manda para a pessoa pagar. Ela paga, por Pix ou transferência bancária e acha que está pagando um valor pequeno para receber um valor a que tem direito, que é maior. Acaba que o valor não vem e que a pessoa que se diz advogado do escritório contratado por ela na verdade é só membro de uma organização criminosa, se utilizando da fraude para conseguir vantagem patrimonial”, afirmou.
No mesmo sentido, o secretário-geral da OAB-ES, Alberto Nemer Neto, afirma que tem recebido várias reclamações de profissionais alertando para esse fato.
“A mensagem enviada pelos golpistas, que se passam por advogados e advogadas, diz que a pessoa tem uma quantia de direito adquirido e, para evidenciar a credibilidade, ainda informam o nome e o CPF dos clientes. Fiquem alertas, e, caso recebam qualquer coisa nesse sentido, sempre desconfiem antes de realizar qualquer ação que possa trazer prejuízos”, explicou.
Por quais crimes os golpistas respondem?
Em regra, segundo Rebouças, estes crimes são de estelionato, já que se utilizam de uma mentira para fazer a vítima acreditar que se trata de uma situação real.
“A partir do engano, o criminoso consegue que a vítima faça transferência para ele e depois some. Em geral os valores são sacados de agências bancárias de qualquer lugar do Brasil e fica muito difícil localizar quem recebeu, até porque os donos das contas são geralmente laranjas, que nem sabem que as contas são usadas para esta finalidade”, descreveu.
>> Quer receber nossas notícias 100% gratuitas? Participe do nosso grupo de notícias no WhatsApp ou entre no nosso canal do Telegram!
Como, na prática, o crime está sendo praticado pelas redes sociais ou contatos telefônicos, e, de acordo com o advogado, no ano passado foi alterado o Código Penal, a pena pode ser ainda maior para o golpista.
“O código teve a inclusão de um parágrafo qualificado, que é de fraude eletrônica. A pena neste caso é muito mais alta, deixando de ser de 1 a 5 anos para ser de 4 a 8 anos, ou seja, havendo condenação, envolverá prisão. Se o crime ainda for praticado contra idosos ou vulneráveis, ainda vai ter um aumento de um terço até o dobro da pena. E é muito comum ver idoso caindo, já que tem pouca prática com a internet e pode estar de fato esperando valores há muitos anos”, informou.
Orientações aos advogados
Segundo Cássio Rebouças, caso o advogado tenha o seu nome vinculado a este tipo de golpe, é prudente emitir uma nota aos clientes do escritório para que fiquem cientes que nenhum valor será pedido via telefone.
Se houver alguma dúvida sobre a legitimidade desses valores, é importante que o cliente vá pessoalmente ao advogado ou sindicato para verificar se a informação procede.
“Algumas coisas que percebemos é que se utilizam da boa-fé da pessoa que tem um valor na Justiça a receber e não está acostumada com documentos jurídicos. Então enviam documentos chamando de alvará, colocam timbre, nome de tribunal. Nós, que temos experiência, batemos o olho e vemos que são falsos. Usam brasão que não existe, endereço errado, número do processo que não está no padrão do CNJ. Mas o leigo recebe isso e acredita”, disse.
Dicas para a população em geral
De acordo com o secretário-geral da Ordem, Alberto Nemer Neto, ao receber mensagem pedindo valores, antes de tomar qualquer ação, como clicar em links, ligar para números de telefones indicados ou enviar dados solicitados, deve-se entrar em contato com o escritório que o criminoso diz pertencer e verificar a veracidade da informação.
“Não caiam na balela de acreditar que trata-se de uma urgência, e caso não enviem o valor, não terão mais direito ao valor estabelecido na ação. A OAB-ES está à disposição para esclarecer qualquer dúvida”, ressaltou.
Para evitar cair nessa armadilha, a OAB-ES orienta:
1. Sempre duvide de mensagens indicando qualquer vantagem: golpistas estudam as vítimas e sabem exatamente quem está mais sujeito a cair neste tipo de crime, o que não impede que qualquer advogado ou advogada não perceba que é golpe e entre nesse “jogo de sedução”. Eles se aproveitam muitas vezes das fraquezas do momento vivenciadas pela vítima.
2. Não clique em qualquer link enviado por SMS, não faça ligação para um telefone indicado, como se fosse o número do escritório de advocacia que consta na logo enviada e não receba qualquer tipo de código para, posteriormente, repassá-lo ao golpista. E jamais passe qualquer dado pessoal.
3. Desconfie de qualquer página em redes sociais, mesmo que tudo indique que o perfil é verdadeiro, não acredite antes de certificar-se junto ao escritório de advocacia (verdadeiro). Existe uma grande possibilidade desse perfil ter sido hackeado.
4. Não apague as mensagens recebidas. Elas servirão como prova. Tire prints e denuncie o golpe fazendo um Boletim de Ocorrência em uma Delegacia Virtual.
5. Em casos de perfis falsos nas redes sociais, é possível denunciar usando os meios das próprias plataformas.
Advogado conta que foi alvo do golpe
O advogado Wiler Coelho Dias, sócio do escritório Murta & Coelho Advogados, explicou que foi surpreendido a partir de dezembro de 2022, com diversas reclamações de clientes falando que alguém do escritório estava entrando em contato pelo WhatsApp.
“Os golpistas estão colocando fotos nossas em perfis falsos e dados do escritório, principalmente em meu nome e do meu sócio, tentando induzir os clientes a repassar um valor para liberar uma quantia a que eles teriam direito, informando que existe uma pendência, por exemplo, de certidão, e que, por isso, é necessário fazer essa transferência para uma conta”, narrou.
Somente em uma semana, Wiler conta que foram três clientes que caíram no golpe.
“Mas muitos acharam a história estranha e ligaram para cá. Estamos passando uma circular para todos os nossos clientes, ressaltando que ‘nossa equipe de advogados não realiza cobranças de qualquer valor por mensagem WhatsApp ou ligação telefônica’. Como os processos são públicos, eles têm acesso a valores, o que torna o golpe ainda mais realista”, explicou.
O que diz o delegado de crimes cibernéticos?
À reportagem do Folha Vitória, o delegado Brenno Andrade, titular da Delegacia de Crimes Cibernéticos, afirmou que soube do aumento de casos de modo bastante informal. Apesar disso, orientou que os advogados procurem a Polícia Civil para registrar a ocorrência, de forma online ou na delegacia mais próxima.
“A delegacia de crimes cibernéticos trabalha com uma instrução de serviço, que, nesse caso, se não houve um prejuízo acima de 10 salários mínimos, acaba não ficando com a gente. Então acabamos pegando poucas ocorrências neste sentido. Mas tenho orientado os advogados que me procuram”, disse o delegado.
Em relação a números que entram em contato via WhatsApp, Brenno Andrade explicou que medida deve ser tomada:
“O advogado deve mandar um email para o ‘[email protected]’, informando que aquela conta está sendo utilizada de forma indevida para aplicar golpes, utilizando o nome dele ou do escritório. Só o WhatsApp faz o bloqueio da conta, não é a operadora de telefonia”, afirmou.
Segundo ele, a vítima que for contactada pelo aplicativo deve entrar em contato pelo telefone oficial do escritório, não pelo telefone informado pelos criminosos.
“No caso de ter se passado pelo advogado que já a atende, é preciso ligar para ele diretamente para confirmar se os valores são reais. Como disse Alberto Nemer, os criminosos consultam os dados de forma pública, são dados fáceis de obter, é fácil de obter o número da vítima, então acabam fazendo com que ela acredite que tem mesmo um valor a receber. Às vezes não tem ação nenhuma ou direito a receber, mas o criminoso fala e ela acredita”, disse.