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Juíza emociona em júri de feminicídio e lê carta para a vítima: "Você não teve culpa"

Vídeo da leitura da carta feita pela magistrada Ana Carolina Santana viralizou. "Não foi fácil ouvir seu pedido de socorro", disse emocionada

Foto: Reprodução
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“Você foi absolvida. Você não teve culpa de nada que te aconteceu. Fique em paz, e descanse em paz”.

As frases são da juíza de Direito Ana Carolina Santana, que emocionou o Tribunal do Júri do município de Flores, em Pernambuco, ao quebrar o protocolo durante a leitura de uma sentença de um processo de feminicídio.

Durante a sentença, ela leu uma carta em homenagem à vítima, dedicada a “absolver” a mulher que foi assassinada.

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A sentença foi dada no mês de novembro de 2024, entretanto o vídeo com a leitura da carta viralizou nas redes sociais nesta semana.

Não foi fácil para mim mais uma vez ouvir seu pedido de socorro. Penso nos seus filhos, nos seus quatro filhos, dos quais você tanto se orgulhava de sustentar sem ajuda de nenhum homem, leu a magistrada.

Durante o discurso, Ana Carolina Santana também destacou a triste realidade do machismo e as tentativas de desqualificar a vítima no decorrer do processo.

“Não foi fácil ver situações tão delicadas sobre sua vida pessoal sendo expostas aqui como tentativa de desqualificá-la. Se tomava remédio controlado, se era portadora de borderline… Não importa, afinal de contas, quem aqui estiver com a saúde mental 100% em dia que atire a primeira pedra, e pode atirar até em mim. Principalmente as mulheres que passam por relacionamentos abusivos e tóxicos”, destacou.

O Conselho de Sentença seguiu a tese do Ministério Público e condenou o acusado. A juíza o sentenciou a 32 anos de reclusão. O caso julgado não foi divulgado.

Veja a leitura da carta feita pela juíza:

Leia a carta completa da juíza na íntegra:

Querida Samara,

Assim como você eu sou mulher, mãe, mas diferente de você, estou viva.

Estou vivendo essa realidade que nos fere, nos machuca e nos mata todos os dias: a realidade do machismo.

A realidade que nos transforma em objetos, que nos retira a dignidade de ser humano que somos.

Assim como no primeiro julgamento desse processo, não foi fácil para mim mais uma vez ouvir seu pedido de socorro. Penso nos seus filhos, nos seus quatro filhos, dos quais você tanto se orgulhava de sustentar sem ajuda de nenhum homem.

Não foi fácil ver você sendo julgada aqui hoje. “Por que não saiu do distrito de Fátima? Por que não terminou o relacionamento se estava sendo agredida? Por que não ficou na casa quando ele viajou?” Foram tantas as perguntas. Mas infelizmente você não está aqui para responder. E ainda que estivesse, não precisava responder a nenhuma delas.

Porque o mundo que nós mulheres queremos viver é o mundo que não nos julgue por nossas decisões quando elas não são condizentes com o machismo que assola todos vocês que estão aqui hoje.

Não foi fácil ver situações tão delicadas sobre sua vida pessoal sendo expostas aqui como tentativa de desqualificá-la. Se tomava remédio controlado, se era portadora de borderline, foram alguns dos relatos que foram ditos aqui por algumas testemunhas.

Não importa, afinal de contas, quem aqui estiver com a saúde mental 100% em dia que atire a primeira pedra, e pode atirar até em mim. Principalmente as mulheres que passam por relacionamentos abusivos e tóxicos.

Eu sou magistrada há oito anos. Já presidi alguns tribunais do Júri, já condenei muita gente, já apliquei penas até maiores que a aplicada no primeiro julgamento desse processo. Mas nenhum processo precisou ser refeito.

Mas nós somos mulheres, né, Samara? Mesmo inconscientemente, é como se a situação na qual somos vítimas precisasse sempre ser refeita para nos culpar. Como se fosse sempre um alerta do “mas será que ela… será que ela não mereceu? Será que não fez por onde?” como forma de justificar todo o ódio direcionado a nós.

Mas hoje, exatamente hoje, 21 de novembro, 9 meses depois do primeiro julgamento, você foi absolvida. Você não teve culpa de nada que te aconteceu. Fique em paz, e descanse em paz.

O egrégio Conselho de Sentença acolheu integralmente a tese do MP e decidiu pela condenação do acusado, nos exatos termos da pronúncia. Pena definitiva fixada em 32 anos de reclusão.

Repórter do Folha Vitória, Maria Clara de Mello Leitão
Maria Clara Leitão Produtor Web
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Formada em jornalismo pelo Centro Universitário Faesa e, desde 2022, atua no jornal online Folha Vitória