Justiça

Sonho do corpo perfeito vira pesadelo no ES e pacientes denunciam cirurgião plástico

Eduarda Rodrigues, Débora de Oliveira, Priscila Grilo e Marlucia Lima Santos denunciaram médico. Foto: Cidade Alerta ES/Divulgação
Eduarda Rodrigues, Débora de Oliveira, Priscila Grilo e Marlucia Lima Santos denunciaram médico. Foto: Cidade Alerta ES/Divulgação

O sonho do corpo perfeito virou pesadelo para pacientes de Cachoeiro de Itapemirim, no Sul do Espírito Santo. Mulheres denunciaram o cirurgião plástico Renato Harckbart Carvalho após procedimentos que teriam resultado em marcas e cicatrizes permanentes. As cirurgias, que custaram em média R$ 30 mil, terminaram em frustração e sofrimento.

Seis pacientes do médico foram ouvidas pela repórter Luciana Leicht, em reportagem especial exibida no Cidade Alerta ES, da TV Vitória/Record, na sexta-feira (25).

Elas contaram que as marcas deixadas pelos procedimentos estéticos causaram inseguranças e traumas. Juntas, elas movem um processo judicial contra o cirurgião, que teve o consultório médico fechado pela Vigilância Sanitária municipal.

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A Vigilância Sanitária também apreendeu materiais irregulares do médico e identificou inconformidades sanitárias no consultório.

Consequências psicológicas

A dona de casa e paciente do cirurgião, Marlucia Lima Santos, contou que após as cirurgias, ela se tornou uma pessoa insegura e traumatizada.

“Saí uma pessoa que não consegue se olhar no espelho, que nunca mais pisou na praia, que tem problemas psicológicos. Vivo à base de ansiolítico, remédios para dormir. Nunca mais fui a mesma”, disse a dona de casa.

Outra paciente do médico, a autônoma Débora de Oliveira, também revelou as consequências psicológicas e físicas que as cicatrizes causaram.

“É uma vida inteira pela frente que eu não sei se eu vou recuperar a autoestima que eu tinha antes e foi o que ele destruiu. É o que eu trato hoje com psicólogo e psiquiatra, tomando remédio para dormir, para ansiedade. Porque é realmente muito doloroso”, afirmou.

Outra mulher que denunciou o cirurgião, Tayna Saraiva Lira, contou que o médico havia prometido a ela que, 10 dias depois da cirurgia, ela estaria bem e sem marcas. Porém, a paciente foi submetida à operação há quatro anos e as marcas seguem em seu corpo.

Tayna Saraiva Lira (à esquerda), ao lado da mãe, denunciou cirurgião. Foto: Cidade Alerta ES/Reprodução

Tayna cursava Medicina na época da cirurgia. Quatro anos se passaram e no corpo ficaram as marcas do procedimento. As cicatrizes externas não a deixam esquecer o que aconteceu. Hoje, ela mora na Itália.

Ao lado da mãe, Francilda, ela contou que largou a faculdade e faz tratamentos até hoje para as sequelas físicas e emocionais.

Cicatriz em paciente. Foto: Cidade Alerta ES/Reprodução

“É muito difícil colocar qualquer tipo de biquíni, porque tem que ser muito bem pensado e muito bem estudado, psicologicamente estar processando. Até porque as pessoas me perguntam, então é uma repetição dessa história sempre. Não tem como esquecer”, desabafou a paciente.

Cirurgias e tratamento após os procedimentos

As mulheres buscavam Renato Harckbart para procedimentos como: correções na mama, abdômen e lipoaspiração. Elas afirmam que a forma como o médico as tratava antes e na sala de cirurgia era perfeita, mas que a partir dos problemas após os procedimentos, seu comportamento mudava.

A paciente Eduarda Rodrigues contou que no consultório, o médico a atendeu normalmente e que, inclusive, ele teria apresentado sua esposa a ela.

“Ele fez uma oração para a gente fazer uma cirurgia perfeita e eu falei: ‘Nossa, que bom, ele ora’. E eu ainda falei com ele: ‘Nossa, que bom que você ora antes de operar a gente’. Porque a gente se sente segura com isso”, disse Eduarda.

Cicatriz após cirurgia. Foto: Cidade Alerta ES/Reprodução

Porém, após as cirurgias apresentarem problemas, as mulheres contam que o cirurgião mudava seu comportamento.

A fotógrafa Priscila de Oliveira Grilo foi uma das primeiras pessoas a procurar a Justiça. A paciente, que esteve nove vezes no centro cirúrgico em apenas seis meses, afirmou que, depois de ter uma necrose próxima ao umbigo, o médico a tratou completamente diferente.

Necrose na região do umbigo de paciente. Foto: Cidade Alerta ES/Reprodução

“Ele gritava comigo o tempo todo, não me recepcionou com um ‘boa noite’, nem nada. Me tratou super mal. Eu comecei a ter crise de ansiedade. Senti as dores, porque ele estava me costurando. E eu falava que estava doendo muito e ele falava que a culpa era minha, porque eu não parava de chorar”, completou a fotógrafa.

Além disso, Priscila também disse que tem áudios onde o médico afirmou que ela estaria mentindo e exagerando.

“Falso testemunho, porque falar que ela quase morreu, tudo é mentira. Uma necrosezinha, uma besteira, mulher louca”, disse o médico no áudio enviado a funcionários.

Priscila ficou afastada durante seis meses do trabalho. Ela estava acompanhada por máquinas para o combate de infecções e para a aceleração da cicatrização.

Internações

Uma das pacientes do médico é uma produtora rural, que ainda está internada. Ela procurou o médico no início do ano e, após a cirurgia, começou a se sentir mal. Ela teve uma necrose, o corte da cirurgia estava aberto e sentia dificuldade para respirar.

Na denúncia, ela contou que foi levada até a casa do médico, em Vila Velha, onde ela passaria por novos procedimentos. A residência do médico era um local de alto padrão, como mostram as fotos anexadas ao processo.

Paciente ficou na casa do médico em Vila Velha. Foto: Cidade Alerta ES/Reprodução

A produtora rural acredita que o tratamento que ele ofereceu a ela era uma forma de mascarar o erro médico.

“Fiquei na casa dele por 11 dias, fiz nove hiperbáricas, paguei pelas hiperbáricas. E tinha um dreno e quando tirou o dreno já começou a vazar”. Ela também contou que o médico agia com normalidade diante dos problemas, apesar dela sentir dores.

A filha da paciente chegou a pedir que a mãe fosse encaminhada para uma unidade de saúde. Hoje, a mulher está internada no mesmo hospital em que fez a cirurgia plástica, porém agora é assistida pela equipe clínica.

A produtora rural está há dois meses internada e sem previsão de alta.

“Para mim, eu ia sair dali realizando um sonho, ia sair dali magra, toda perfeita. Na minha cabeça, eu ia sair andando, maravilhosa, pronta para estar num vestidinho longo e me exibir por aí afora”, disse a produtora rural.

Processos judiciais

A advogada das pacientes, Luana Gasparini, explicou que o caso pode gerar processos diferentes por negligência, imprudência e imperícia.

Luana Gasparini, advogada das vítimas. Foto: Cidade Alerta ES/Reprodução

“A gente pode trabalhar com três situações no Direito Médico: negligência, imprudência e imperícia. De modo que ele agiu com imprudência, porque ativamente ele puxou demais a pele, faltando oxigenação e necrosando; negligência pela omissão dele, ele não levou para o hospital; e também a imperícia, a falta de conhecimento técnico porque não é só um caso isolado. São vários casos que ocasionaram mutilações”, disse Luana Gasparini.

O Ministério Público do Espírito Santo (MPES) apura todas as denúncias. Já o Conselho Regional de Medicina disse que o processo corre em segredo de justiça.

Em nota, a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica afirmou que não se pronuncia sobre apurações em andamento.

O advogado do cirurgião, Fábio Marçal, informou que o médico não foi indiciado ou condenado por nenhum crime.

Fábio Marçal, advogado do médico. Foto: Cidade Alerta ES/Reprodução

“Não houve especificamente nenhuma denúncia de erro médico que nós fomos intimados. Pelo contrário, no ano passado, o doutor Renato foi intimado pelo Ministério Público de um arquivamento, que duas pacientes entraram com uma denúncia no Ministério Público por suposto erro médico, uma lesão corporal dolosa e foi arquivada pelo Ministério Público”, completou Marçal.

Ele também disse que existiam algumas pendências na prefeitura: “São questões administrativas que estão sendo resolvidas”.

*Com informações da repórter Luciana Leicht, da TV Vitória/Record