Polícia

Teleflagrante: entenda novo mecanismo remoto usado pela polícia no ES

Como o nome sugere, por meio da ferramenta é possível que o delegado realize atendimento remoto por videochamada

Isabella Arruda

Redação Folha Vitória
Foto: Reprodução
Central de Teleflagrante fica na Chefatura da Polícia Civil, em Vitória

Talvez boa parte da população ainda não saiba, mas a polícia do Espírito Santo dispõe de uma nova ferramenta que promete garantir maior efetividade no cumprimento de flagrantes. O nome do mecanismo é teleflagrante e, como o nome sugere, por meio dele é possível que o delegado realize atendimento remoto por videochamada.

De acordo com a Secretaria de Segurança Pública (Sesp), o teleflagrante é um sistema de recepção e processamento de ocorrências nos plantões das delegacias da Polícia Civil do Espírito Santo que permite receber e processar, simultaneamente, as ocorrências de diversos municípios.

Atualmente, a Central de Teleflagrante atende 16 Delegacias Regionais, sendo Aracruz, Guarapari, Linhares, São Mateus, Nova Venécia, Vitória, Barra de São Francisco, Venda Nova do Imigrante, Cariacica, Vila Velha, Alegre, Barra de São Francisco, Colatina, Serra, Itapemirim e Cachoeiro de Itapemirim.

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Utilizando a tecnologia, uma única equipe com delegados, escrivães e investigadores podem realizar audiências com pessoas presas em flagrante, trazendo mais agilidade e eficiência nos serviços da Polícia Civil.

O que diz o delegado responsável

Em entrevista à reportagem do Folha Vitória, o coordenador da Central de Teleflagrante, delegado Félix Meira de Carvalho Júnior, esclareceu que antes da nova ferramenta, os flagrantes eram levados para os delegados de plantão nas regionais. O problema disso é que algumas delas ficavam bastante ociosas, enquanto outras recebiam uma alta demanda.

“Para manter todas as delegacias dentro da escala, teríamos que ter, sem o teleflagrante, um delegado por dia. Multiplicando por cinco, que são as escalas, teríamos que ter aproximadamente 90 delegados para manter o processo funcionando. Com isso, existiam algumas regionais em que o pessoal ficava ocioso, sem receber procedimento; enquanto outras ficavam com muitos flagrantes. Por questão de distância, não conseguíamos deslocar o efetivo para os pontos sobrecarregados”, disse.

Ao constatar essa diferença entre as regionais, Carvalho Júnior afirmou que foi criada uma central na capital, com delegados e escrivães. O efetivo é então deslocado online para onde existe uma demanda real, reduzindo o quantitativo necessário de pessoal e obtendo ganho na atividade de investigação em si.

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Um questionamento também esclarecido pela autoridade policial foi se o teleflagrante diminuiria a quantidade de concursos para delegados e escrivães. 

“Isso não deverá acontecer, já que a gente consegue direcionar o efetivo para uma delegacia de investigação em vez de deixar delegado no plantão. Os concursos continuam, mas alocamos o efetivo para melhorar a atividade investigativa. Com a central, conseguimos abrangência de todas as delegacias regionais”, finalizou.

Acesso para defesa de forma online ou presencial

A lavratura do Auto de Prisão em Flagrante (APF), por videoconferência, é feita da seguinte forma: policiais civis, nos plantões de Delegacias Regionais, ao receberem uma ocorrência, acionam a Central Teleflagrante, que lavrará o procedimento online, realizando entrevistas e oitivas. Após a finalização do procedimento remoto, a gravação será encaminhada à delegacia de polícia de origem, por meio da Delegacia Online (Deon).

Advogados ou defensores públicos poderão acompanhar o procedimento de forma online ou presencial. Caso optem pelo formato online, será disponibilizado um acesso seguro e privativo para diálogo com os clientes.

Segundo a Sesp, o sistema permite que o delegado de plantão, localizado na Central Teleflagrante, atenda a mais de um caso simultaneamente, sem que haja prejuízo ao bom andamento dos procedimentos. Ou seja, enquanto um procedimento está em preparação ou interrompido, um outro poderá ser adiantado, entrevistando-se advogados e defensores, ou procedendo-se a oitivas.

Advogados comentam o teleflagrante

Segundo o advogado criminal, professor de Direito Penal e presidente da Comissão da advocacia criminal da OAB-ES, Anderson Burke, explicar o teleflagrante é simples.

“Na ocasião de uma prisão em flagrante realizada em qualquer local do estado, que é geograficamente pequeno, o preso terá sua prisão autuada e documentada através de videoconferência por uma central única que fica na Grande Vitória, com delegados de polícia de plantão. Esse sistema foi implementado no segundo semestre de 2021”, disse.

Como vantagens, o especialista aponta a economia de recursos públicos e agilidade no trâmite administrativo da prisão em flagrante, com a desnecessidade do deslocamento excessivo de viaturas.

Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal

Apesar dos benefícios, a ferramenta também é alvo de críticas, já que a ausência física do delegado pode trazer uma perda de sensibilidade e contato mais próximo com os fatos.

“Temos o enfraquecimento de se ter à disposição a presença física do primeiro garantidor legal que é o delegado de polícia, servidor público bacharel em Direito, que pode ter a sensibilidade quando 'cara a cara' com o preso, vítimas ou testemunhas, de ter elementos corporais que lhe auxiliem na busca da verdade, adotar medidas legais de pacificação, colheita de provas de ofício para materialidade/autoria de um crime ou até mesmo a constatação de arbitrariedades ou violação de direitos humanos por agentes públicos”, disse.

Com essa ponderação entre a economia de recursos públicos e a presença física do delegado, Burke se posiciona no sentido de que é preferível o flagrante presencial no lugar do projeto de Telefragrante.

“É uma economia que deve ser realizada em outras searas. Com a economia de recursos pessoais, a tendência hipotética é a de que a Polícia Civil terá um maior poderio de realizar investigações, o que é uma necessidade, pois muitas delegacias distritais e especializadas estão sucateadas ao redor do Brasil e sem pessoal”, acrescentou.

Para ele, o ideal seria a contratação de mais servidores por concurso público e o investimento em tecnologia nas técnicas de investigação e no policiamento ostensivo, com a manutenção do atendimento presencial pelo delegado de polícia na prisão em flagrante, também com o auxílio da tecnologia para a comunicação a audiência de custódia para se ter mais rapidez no procedimento.

“O que não podemos deixar acontecer é que essa facilidade da tecnologia cause uma 'robotização' dos servidores públicos em um procedimento que é uma garantia fundamental sensível ao ser humano, seja preso ou vítima, o que faz a diferença na vida das pessoas envolvidas e na sociedade, que tem interesse na correta aplicação do Direito Penal”, disse Burke.
Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal

Do mesmo modo, de acordo com o criminalista Cássio Rebouças, uma das principais funções do delegado é de primeiro garantidor da legalidade, já que é ele que faz a primeira verificação de se o flagrante foi feito corretamente, além de se a Polícia Militar prendeu corretamente, bem como se as pessoas têm indícios e elementos mínimos de serem presas em flagrante.

“O delegado também tem a função de garantidor da legalidade até para verificar a integridade física do preso submetido à avaliação dele. E é ali no contato que ele vai ver se houve tortura ou agressão. Então o Teleflagrante é muito questionável”, pontuou.

Segundo o especialista, a justificativa do uso do mecanismo é retirar dos delegados do interior e das delegacias regionais a atribuição de lavrar auto de prisão em flagrante, que é algo que de fato demora bastante tempo, o que poderia prejudicar as investigações e outras funções que o delegado de polícia tem.