Polícia

Recompensa: policiais podem oferecer dinheiro para ajudar em prisões? O que dizem especialistas

Associação de Cabos e Soldados do Espírito Santo já anunciou que está disposta a pagar R$ 10 mil para quem ajudar com informações sobre os autores do assassinato do sargento Marco Antônio Romania, morto a tiros no dia 16 de fevereiro, em Vitória

Rodrigo Araújo , Marcelo Pereira

Redação Folha Vitória
Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Dois dias após o assassinato do sargento da Polícia Militar Marco Antônio Romania, de 53 anos, morto a tiros no dia 16 de fevereiro em Joana D'arc, Vitória, a Associação dos Cabos e Soldados da Polícia Militar e Bombeiros Militares do Espírito Santo anunciou uma recompensa, no valor de R$ 10 mil, para quem fornecer informações que ajudem a localizar os autores do crime.

Desde então, três pessoas foram detidas pela polícia, por suspeita de envolvimento no assassinato. A prisão mais recente aconteceu na manhã desta quarta-feira (02). Bruno Rocha Donato, de 18 anos, foi preso dentro de uma casa no bairro Tabuazeiro, também na Capital.

Leia também: Com novas pistas, polícia avança nas investigações sobre assassinato de sargento da PM em Vitória

Foto: Divulgação
Associação de Cabos e Soldados ofereceu R$ 10 mil para quem ajudar a identificar os assassinos do sargento Romania

No entanto, segundo o presidente da Associação de Cabos e Soldados, cabo Jackson Eugênio Silote, o pagamento da recompensa ainda não foi efetuado. 

Segundo ele, desde que a recompensa foi anunciada, a polícia tem recebido diversas denúncias, indicando possíveis envolvidos no crime, mas que todas elas estão sendo checadas, para que os verdadeiros culpados sejam presos.

"A denúncia chega de forma 'bruta' e, por isso, precisa passar por uma filtragem, até para eliminar as denúncias falsas. O que podemos dizer é que a associação tem acompanhado as denúncias e trabalhado em conjunto com as autoridades competentes", destacou Eugênio.

As informações que possam levar aos assassinos do sargento Romania devem ser passadas por meio dos telefones 181 (disque-denúncia) e 190 (Ciodes). Não é preciso se identificar e o anonimato do denunciante é garantido. 

O presidente da Associação de Cabos e Soldados frisou que a forma como a entidade vai chegar até a pessoa que ajudou na prisão dos culpados, para efetuar o pagamento da recompensa, é sigiloso.

Ele explicou ainda que o dinheiro será pago do próprio caixa da Associação de Cabos e Soldados do Espírito Santo.

Em uma postagem feita no Instagram da associação, no dia em que anunciou o oferecimento da recompensa, o cabo Eugênio afirmou que o assassinato do sargento Romania é uma afronta aos policiais militares do Espírito Santo e mandou um recado aos autores do homicídio.

"Vocês mexeram em um vespeiro quando mataram o nosso sargento Romania. Nós somos uma família e vamos buscar vocês onde quer que estejam. Vocês vão aprender que aqui no Estado do Espírito Santo não se toca em um policial militar", afirmou.

Deputado do ES já ofereceu R$ 10 mil a quem matasse autor de feminicídio em Cariacica

Em setembro de 2019, o deputado estadual Capitão Assumção (Patriota) chamou a atenção ao usar o microfone do plenário da Assembleia Legislativa para oferecer uma recompensa, também de R$ 10 mil, referente a um crime de feminicídio ocorrido na época em Cariacica.

Foto: Ellen Campanharo/Ales

Entretanto, a oferta feita pelo deputado foi para quem matasse o assassino da jovem Maiara de Oliveira, que havia sido morta no dia anterior, aos 26 anos, na frente da própria filha, que na época tinha 4 anos.

Em sua fala, Capitão Assumção destacou que não bastava mostrar a localização do assassino morto, mas teria que trazer o cadáver até ele para receber a recompensa, que seria dada de seu próprio bolso.

O que diz a lei sobre o oferecimento de recompensas?

Mas afinal de contas, oferecer recompensa para ajudar na investigação de um crime é permitido pela lei? De acordo com o advogado Sérgio Carlos de Souza, comentarista do quadro Direito ao Direito, da rádio Jovem Pan News Vitória, não existe, na lei brasileira, nada que fale sobre recompensa para esse tipo de situação. 

Foto: Divulgação
Sérgio Carlos de Souza destacou que a lei brasileira não proíbe o oferecimento de recompensas para ajudar a elucidar um crime

"Na verdade, o que o Código Civil Brasileiro estabelece sobre recompensa é para quem achar algo que se perdeu. Não fala, de forma particular, de achar ou dar pistas de um paradeiro de fugitivo ou criminoso. Como a lei não estabelece restrições, eu acredito que não haja proibição", avaliou.

"Quem pode oferecer recompensa? Qualquer um que tiver interesse, como um familiar ou uma seja pessoa física ou jurídica", completou o especialista.

O advogado ressaltou, no entanto, que a polícia sempre deve ser a responsável pelas investigações e que o papel de quem ofereceu a recompensa, como foi o caso da Associação de Cabos e Soldados em relação ao assassinato do sargento Romania, fica restrito ao auxílio na apuração dos fatos.

"É claro que as pistas devem ser enviadas para a polícia. Neste caso específico, a associação não vai investigar, pois ela não tem poder para isso. O que ela vai fazer é passar as pistas para o delegado que está à frente da investigação. A associação está prometendo dar uma recompensa a quem der informações que serão avaliadas pela polícia. Sendo assim, eu não vejo nenhum tipo de ilegalidade, pois não se interferirá no trabalho da polícia", frisou Sérgio Carlos de Souza.

Foto: Reprodução / Youtube
Taylon Gigante lembra que leis de recompensa foram sancionadas tanto em nível federal quanto estadual

O advogado e professor de Direito, Taylon Gigante, também vai na mesma linha. Para ele, existe legalidade para esta atitude da Associação de Cabos e Soldados. O especialista lembra que leis de recompensa foram sancionadas tanto a nível federal quanto estadual, com previsão de pagamento em espécie.

Ele cita a Lei 7.749/18, sancionada pelo então governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, em janeiro de 2018, que instituiu o Programa Estadual de Recompensa, pela captura de pessoas com mandado de prisão expedido. O programa visa incentivar que a população colabore com as ações das forças de segurança. 

"No artigo segundo, a lei especificava que qualquer pessoa física ou jurídica no Estado poderia oferecer recompensa financeira para a realização de prisão com mandado expedido pelo Poder Judiciário", comenta Taylon Gigante. 

Aspectos éticos e práticos do oferecimento de recompensas

Se juridicamente falando o oferecimento de recompensas é permitido no Brasil, no campo da ética alguns questionamentos podem ser feitos. É o que afirma o professor de Ética do Departamento de Direito da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e ex-secretário Estadual de Direitos Humanos, Júlio Pompeu.

Foto: TV Vitória
Júlio Pompeu levantou questionamentos a respeito do oferecimento de recompensas

Para ele, o ato de denunciar autores de crimes deveria ser natural da sociedade, independente do oferecimento de qualquer tipo de vantagem. 

"Em uma sociedade ideal, oferecer dinheiro para entregar criminosos não faria o menor sentido. Se a pessoa sabe que o outro é culpado, não tem porquê ela não denunciá-lo. Um dos problemas que vejo em oferecer recompensa é que a pessoa pode condicionar o repasse de uma informação preciosa ao pagamento de uma quantia", destacou o professor.

"Na verdade, ela deveria ser incentivada a cooperar com as investigações pelo que diz a lei e não só pelo seu bolso. Imagina se a pessoa só aceitar entregar um criminoso se houver recompensa em troca? Que tipo de mensagem você passa para a sociedade?", completou.

Pompeu também questiona a efetividade desse tipo de ação na elucidação de um crime. Segundo ele, o oferecimento de recompensa pode fazer com que pessoas denunciem sem ter certeza da culpa de quem é denunciado e, dessa forma, deixar a investigação policial ainda mais complexa.

"Na ânsia de receber o dinheiro, a pessoa pode passar uma pista falsa à polícia, o que pode atrapalhar o trabalho de investigação, já que a polícia vai ter que checar todas as informações que recebe. Uma coisa é você incentivar alguém que você sabe que tem uma informação importante a compartilhar essa informação. Outra é você fazer uma oferta genérica, onde pode aparecer informações de todos os lados".

Outro ponto levantado por Pompeu é o fato de a recompensa não ser oferecida pelo Estado, que é o agente que tem poder sobre a investigação, mas por uma associação de policiais.

"É a mesma coisa, por exemplo, de um empresário oferecer recompensa para quem ajudar a achar o ladrão que roubou sua loja. Então você começa a entrar numa área perigosa, que é a privatização da área de segurança. A medida de oferecer recompensa é excepcional, mas imagina se vira regra. Só quem tiver grana vai poder ter seu crime solucionado", destacou Júlio Pompeu, que, no entanto, reconhece o esforço da Associação de Cabos e Soldados em chegar até os assassinos do policial.

"É natural que a associação fique exaltada com o que aconteceu. Isso deveria mexer com a sociedade inteira. Esse crime foi uma afronta ao Estado, à lei e à ordem de direito. Mas não sei até que ponto é válido combater essa afronta com outra medida de afronta. Tem o seu lado bom, que pode ajudar a elucidar o crime mais rapidamente, mas também corre o risco de 'poluir' a investigação com informações falsas", ponderou.

Foto: Reprodução / Instagram
Para Herkenhoff, oferecer recompensas tem pouco efeito prático no Brasil

Já o também professor universitário e especialista em Segurança Pública, Henrique Herkenhoff, que já foi secretário estadual nessa área, destacou que não vê problemas no oferecimento de recompensas para se chegar até um criminoso. Ele, no entanto, questiona a efetividade da ação no alcance do seu objetivo. 

"Não creio que isso vá mudar as coisas em larga escala. Em outros países, como os Estados Unidos, a prática de oferecer recompensas é frequente. Além disso, os valores são muito mais significativos. Isso mobiliza muitas pessoas a se tornarem verdadeiros caçadores de recompensa. Por haver sistematicamente o pagamento de valores expressivos, a pessoa passar a viver em função de ajudar a polícia a chegar até os criminosos. No Brasil, essa prática ainda é muito tímida e o efeito prático tem sido muito modesto", frisou.

"Mas é o que está ao alcance da associação neste momento. É muito importante para a corporação que essas pessoas sejam presas. Assim como trabalhadores de outras categorias se mobilizam para defender seus membros, a associação faz o mesmo. É a contribuição que ela pode dar nesse caso", acrescentou.

LEIA TAMBÉM:

>> Envolvido na morte de PM teria participado de sequestro de juiz em Cariacica há menos de 15 dias
>> "Único caminho é se entregar", diz comandante-geral da PM sobre atiradores
>> "É uma covardia", diz secretário de Segurança do ES sobre morte de sargento em Vitória
>> VÍDEO | "O que vamos fazer amanhã?", diz mãe de sargento da PM assassinado em Vitória

Pontos moeda