Polícia

"Vivi um relacionamento abusivo", desabafa ex-namorada de suspeito de matar universitária a facadas

A jovem, que namorou com Matheus Stein Pinheiro em 2018, relatou o comportamento agressivo do ex. O rapaz é suspeito de matar Ana Carolina Rocha Kurth

Marcelo Pereira

Redação Folha Vitória
Foto: Reprodução

Uma das ex-namoradas de Matheus Stein Pinheiro,  suspeito de ter matado a jovem Ana Carolina Rocha Kurth, de 24 anos, a facadas, na tarde da última segunda-feira (15), no apartamento em que o casal vivia, no Centro de Vitória, conversou com exclusividade com a reportagem do Folha Vitória sobre o convívio com o rapaz. 

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Sob condição de anonimato, ela detalhou momentos em que o breve relacionamento de quatro meses, finalizado em fevereiro de 2018, ficou marcado por episódios de fúria e atitudes agressivas por parte dele. 

"A questão do ciúme foi crescendo, foi piorando e chegou a um ponto em que ele ficou possessivo e tinha um comportamento violento comigo. Nessas ocasiões, ele gritava comigo, me xingava, me intimidava, se comportava como se eu fosse posse dele, que devia obedecê-lo. E depois vinha pedir perdão, que iria mudar, que seria diferente", relembra.

Eles foram apresentados por amigos em comum. Inicialmente, ele parecia um rapaz tranquilo. "Estudava Direito, nós ficamos numa primeira vez num rock com os amigos, num barzinho. Depois, ele foi me mandando mensagens, pedia para me ver. Tinha um bom papo, era atencioso e envolvente. Quando vi, estávamos namorando firme, daquele tipo de namoro onde as famílias de ambos se conheceram e cada um frequentava a casa do outro", descreve.

Tudo ia bem até que numa noite, quando a jovem se preparava para sair com ele, o rapaz pediu que ela não usasse um certo macacão. 

"Eu não entendi nada, afinal, era uma roupa que eu usava quando ele me conhecia. Não entendi o por quê dele estar tão incomodado com a minha escolha por aquela peça. Estávamos sozinhos na minha casa. Minha mãe ainda não havia chegado do trabalho. Do nada, ele gritou comigo de uma forma assustadora, dizendo que não iria admitir eu sair na rua vestindo aquele macacão. Ele berrava e andava de um lado para outro", relata.

Ela disse que o namorado já tinha feito cenas de ciúmes, mas nunca havia chegado naquele extremo. Pediu que ele se acalmasse e acatou o que ele queria. Trocou de roupa. "Ele já era ciumento, mas nunca tinha agido com aquela agressividade. Eu nunca imaginava que um namorado ia fazer isso por causa de uma peça de roupa. Esse foi o primeiro episódio que eu me lembro que ele foi uma pessoa agressiva", reforça. 

A partir daí, o comportamento do estudante de Direito começou a piorar. Passou a exigir atenção exclusiva por parte da garota e não queria que ela encontrasse suas amigas. 

"Começou a implicar com as meninas. Elas tinham me alertado que ele era um cara estourado, mas não havia relatos que indicassem que ele tivesse agredido alguém. Disseram para mim que uma ex-namorada no ensino médio já tinha tido problemas com ele", recorda.

Cachorro teve que ser protegido dentro do guarda-roupa e porta da cozinha arrombada

Com o ciúme crescente, as discussões começaram a ficar frequentes. E isto sempre quando a jovem estava sozinha em casa. 

Numa ocasião, o cachorro da jovem, de pequeno porte, mordeu o rapaz na testa. "Ele reagiu e bateu no meu cachorro. O animal ganiu imediatamente. Ele estava furioso. Peguei meu cachorro e o coloquei no meu guarda-roupa e fechei o quarto. Fiquei na frente da porta do meu quarto porque ele queria matar o meu cachorro. Eu dizia para ele se acalmar e ir embora. Me lembro que ele botava a mão no meu rosto. Se eu não tivesse insistido em não sair dali, certamente, ele teria feito algo com ele", acredita.

O rapaz ficou mais agressivo quando ela disse que queria acabar com o namoro. Mesmo furioso, ela conseguiu convencê-lo a sair, dizendo que iriam conversar fora do condomínio, descendo para a portaria do edifício para que se acalmassem. "Meu intuito era que ele saísse de casa, pela minha proteção e proteção ao meu cachorro", reforça. 

"Pedi para ele descer na frente, para que eu arrumasse a casa, porque ele havia feito uma zona lá dentro. Não queria que minha mãe chegasse e visse aquela bagunça", explicou.

A moça diz que trancou a porta da cozinha, por segurança, mas que iria descer para falar com ele. 

Quando ele ouviu que ela havia trancado, voltou e arrombou de vez, segundo ela. "Chegou arrombando de cara! Nem sequer bateu!", relembra.

Com o retorno de Stein, ao apartamento, a garota segurou a porta do quarto para impedir que ele entrasse lá. Esperava acontecer o pior com o cachorro. 

"Fiquei segurando a porta do quarto, caída no chão de desespero porque minha pressão caiu. Quase desmaiei de medo", recorda. "A única força que eu tinha, eu direcionei para a porta, para não deixar ele abrir e deixar meu cachorro seguro", explica.

Ela conta que ele demorou para se acalmar. "Ele só foi se acalmando porque eu estava em choque, sem falar um palavra. Ele gritava muito até se acalmar. E eu, parada lá, estática, sem conseguir me mexer", descreve.

Foto: Reprodução TV Vitória
Apartamento no prédio do Centro de Vitória onde o casal vivia e onde Ana Carolina Rocha Kurth foi encontrada morta a facadas na última segunda-feira (15)
"Fiquei apavorada. Minha mãe vai saber o verdadeiro motivo daquela porta da cozinha estar daquele jeito naquela ocasião quando ler esse relato. Infelizmente, eu escondia essas cenas violentas da família. Na época, eu já estava naquele círculo de achar que ele iria melhorar depois desses estouros de raiva. Menti sobre a porta. Disse a ela que a porta estava assim por minha causa, que tinha forçado demais a fechadura", confessa.

A então namorada disse que Matheus, após as discussões, voltava dizendo que iria mudar o comportamento, que iria se redimir. "Eu estava nesse círculo de ser agredida e depois cair na lábia dele, dizendo que aquela era a última vez, que ele me amava, queria ficar comigo, que iria se regenerar. Não me via como vítima de uma relacionamento abusivo", explica. 

Ela disse que, naquela ocasião, achou que era hora de repensar a relação. Porém, mais uma vez, foi a promessa de Matheus de que iria se acalmar, ser outro homem, que venceu e convenceu. 

Boletim de ocorrência por briga no Carnaval

O fim do namoro aconteceu no Carnaval de Vitória, em 17 de fevereiro de 2018, e foi marcado por um momento de fúria, onde houve xingamentos e agressão física. A jovem fez um boletim de ocorrência.

"Estávamos na rua, curtindo o Carnaval. Eu encontrei meu irmão e ele já começou a implicar porque, uma semana antes, tinha me visto dar um 'selinho' em meu irmão, um hábito de família, a gente se cumprimenta assim. Quando avistei meu irmão, ele começou a gritar comigo e a me xingar, lembrando do 'selinho'. As pessoas ao redor perceberam e perguntaram se tudo estava bem. Eu pedi que ele se afastasse porque a situação estava ficando insustentável", relata.

Após o momento de discussão, ela disse para o namorado que iria procurar uma lanchonete para comer algo e não queria a companhia dele. O rapaz a perseguiu pelas ruas,  segurando seu short e a ofendendo com diversos xingamentos. 

"O Carnaval tinha acabado para mim. Ele não parava de me xingar, de me humilhar. Eu pedi que ele chamasse um Uber porque ele tinha internet no celular. Ele jogou o celular no chão e quebrou o aparelho, e isso deixou ele mais furioso e descontrolado", relembra, assustada.  

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Ao ver o aparelho quebrado, o rapaz ficou ainda mais nervoso e começou a culpar a namorada pelo que tinha ocorrido. Ele começou a empurrar a garota, fazendo com que ela caísse no chão. "Eu perdi o equilíbrio, ele colocou muita força naquele empurrão. Eu caí na rua e um carro, por muito pouco, não acabou me atropelando", recorda. 

Ao se levantar, depois de ter batido a cabeça, ela tentou fugir do local, mas o rapaz a seguiu e a empurrou novamente, fazendo com que ela caísse de novo. No momento em que caiu, ela viu uma viatura da Polícia Militar e buscou ajuda.

“Havia várias viaturas no local. Pedi ajuda, inclusive para uma policial mulher. Porém, eles se recusaram a me ajudar dizendo que a causa poderia ser bebida. E o Matheus estava muito agressivo. Um casal apareceu, foram anjos, me protegeram dele. Ele tentou dizer que era tudo um mal-entendido, que a gente iria se acertar. Mas aquele casal não saiu de perto de mim, eles me ajudaram a pegar um táxi. Quanto aos PMs, o máximo que fizeram foi colocar o Matheus sentado perto da parede”, relatou.

Relembra que naquele mesmo dia, o pai, a mãe e a irmã dele foram com o rapaz encontrá-la em sua casa. 

"Ele me xingava, xingava minha família. E a irmã teve a coragem de dizer que eu estava exagerando com aquela história. Foi o momento em que minha família entrou no circuito, viram a fúria dele e eles me convenceram a terminar o namoro", afirma. 

No dia seguinte, ela registrou um boletim de ocorrência contra o namorado.

Perseguição por áudios e também na vizinhança

Ela diz que desde aquele dia não teve mais contato com o universitário. Mas ele insistia em procurá-la. 

"Me mandava áudios me xingando, dizendo como eu tive coragem de fazer aquilo com ele, que iria me matar. E, às vezes, ficava na esquina ou passando pela rua querendo forçar um encontro comigo. Comecei a ter crise de pânico por causa disso. O porteiro do meu condomínio, uma vez, me alertou dizendo que ele estava passando de skate na rua. Sair de casa, um simples passeio no bairro virou um pesadelo. Cheguei a perder prova na faculdade por causa disso, porque eu o tinha visto de longe", relembra.

Morte de Ana Carolina fez jovem reviver medo

Ao saber da notícia da morte de Ana Carolina Rocha Kurth, na última segunda-feira (15), a jovem imediatamente relembrou os momentos de medo e angústia passados com o ex-namorado. Ela conta que chorou muito.

"Pelos relatos dos vizinhos do prédio, acredito que ele fez com ela o que fazia comigo: xingava, ameaçava, agredia. E estavam há quatro meses, mesmo tempo de duração do nosso namoro. Eles moravam juntos e eu me lembro que ele queria muito que eu saísse de casa para viver com ele, queria ter um filho comigo. Enfim, eu fico muito triste pela família da Ana e também por ela, que deve ter se envolvido nas tramas dele de convencimento e ter ficado tão vulnerável. É uma tragédia. Mais uma mulher que é morta por um relacionamento abusivo", lamenta.
Foto: Reprodução / Facebook
Ana Carolina foi assassinada em Vitória

Ela ficou apreensiva quando, num primeiro momento, o suspeito foi liberado pela polícia. 

"Voltei a ter crises de pânico em imaginar que esse monstro estaria solto mesmo depois de ter matado uma garota inocente. Estou me recuperando aos poucos, assim que soube que ele está preso. Mas aproveito essa entrevista para deixar registrado que, se algo vier a acontecer comigo, j´á sabem a quem e onde procurar", disse. 

Vítima não percebe que está num relacionamento abusivo

A jovem diz que as pessoas não devem julgar a vítima. Ela diz que fica triste ao ler comentários nas redes sociais dizendo que a moça deveria ter reagido há muito tempo, já que os vizinhos haviam chamado a polícia nas diversas vezes que o rapaz protagonizou cenas de fúria.

"Quem está num relacionamento abusivo está tão contaminado pelo comportamento enganador do parceiro que não consegue se enxergar como vítima. Comigo aconteceu assim. Somente com a insistência da minha família, da minha mãe que entrou na história e disse que aquilo seria um basta, que eu dei um ponto final naquele namoro tóxico. Se aconteceu isso comigo, que tinha a minha mãe dentro de casa, o que dirá com Ana, cuja família estava em outra cidade?", questiona. 

Desejo de justiça

A ex-namorada de Matheus diz que o importante agora é que haja justiça. 

"Em nome da Ana, em nome da família dela, em nome de tantas pessoas que passam por relacionamento abusivo. Ele tem que ser reconhecido pelo que ele é de verdade: um homem violento, um monstro. Essa história de esquizofrenia não me convence. Nunca, durante o nosso namoro, ele me falou que sofria de algum distúrbio mental ou que fazia tratamento ou que frequentava sessão no psicólogo ou psiquiatra. Para mim é estratégia da defesa para que ele não seja preso e julgado", aponta.

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Ela diz que é necessário que as pessoas não desistam de alguém que está sob um relacionamento tóxico. 

"Mesmo que você fale com a pessoa de que algo não vai bem no namoro, que o companheiro é violento, quem está envolvido vai acatar num primeiro momento, mas depois aceita o agressor de volta, que tem muita lábia. Quem quer ajudar não deve desistir. Precisa insistir, precisa continuar falando. Assim, o importante é que essas redes de proteção e de alerta não parem", disse. 

Ana Carolina Rocha Kurth foi morta a facadas dentro do apartamento onde vivia com Matheus, na tarde de segunda-feira (15), no Centro de Vitória. Ele foi preso na noite de quinta-feira (18) por suspeita de ter cometido o crime e passou por audiência de custódia, que o manteve detido. O caso foi colocado em segredo de Justiça.

A equipe de reportagem do Folha Vitória tentou contato com a advogada de defesa de Matheus, através de ligações e mensagens de texto, mas não obteve retorno. O espaço segue aberto para manifestação.