Assassinatos e até incêndio a ônibus foram ordenados da prisão com ajuda de advogados
Segundo o MPES, os advogados eram responsáveis por intermediar a troca de mensagens entre detentos e integrantes de uma organização criminosa que estão foragidos
Seis advogados foram presos nesta segunda-feira (19), durante a "Operação Armistício", deflagrada pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES). Segundo investigações conduzidas pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), eles eram responsáveis por intermediar a troca de mensagens entre detentos e integrantes de uma organização criminosa que estão foragidos.
De acordo com o MPES, a partir dessa comunicação feita por meio dos advogados, líderes do Primeiro Comando de Vitória (PCV), quadrilha que atua na região metropolitana, especialmente na região do Bairro da Penha, em Vitória, mantinham, de dentro do presídio, o controle do tráfico de drogas e ordenavam a execução de crimes violentos, como homicídios e incêndio a ônibus.
Um dos crimes ordenados pelos traficantes presos, com a ajuda dos advogados, foi o assassinato de Fernando Monteiro Telles, conhecido como "Fernandinho", morto no dia 28 de março de 2019. Ele foi decapitado pelos criminosos e teve o corpo incendiado dentro de um carro.
Segundo a polícia apurou na época, o crime aconteceu quando um homem identificado como Ícaro Santana Soares, vulgo "Icrinho", preso desde 2017 na Penitenciária de Segurança Máxima I, em Viana, encomendou a morte dele, por meio de um dos advogados investigados.
O defensor, por sua vez, teria transmitido a ordem do assassinato para traficantes da Serra e do Bairro da Penha. Ainda segundo a polícia, Fernandinho foi morto nas imediações da Rodovia Audifax Barcelos, na Serra.
Após o homicídio, os criminosos ainda saíram para beber e assistir a um jogo de futebol, segundo mensagens trocadas entre Fernando Moraes Pereira Pimenta, o "Marujo", que está foragido, e Carlos Alberto Furtado da Silva, o "Nego Beto", que está preso. Marujo é apontado como a liderança externa do PCV.
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Ainda de acordo com as investigações do Gaeco, um dos chefes da organização criminosa, João de Andrade, conhecido como "Joãozinho da 12" e "Paizão", recebeu a visita de um advogado, no dia do assassinato de Fernandinho. A visita durou pouco mais de três horas.
Além disso, no dia seguinte, Paizão e outras duas lideranças da quadrilha — Nego Beto e Giovani Otacílio de Souza, o "Bob Esponja" — receberam a visita do mesmo advogado, "ficando evidente a comunicação criminosa estabelecida", segundo o MPES.
Outro assassinato que teria sido encomendado de dentro do presídio foi o de Renan dos Santos Rufino, conhecido como "Da 15". Ele foi morto com 21 tiros, no dia 9 de maio de 2019, em Linhares, no norte do estado.
De acordo com o MPES, após esse assassinato, houve "prestação de contas" a dois chefes do PCV que já estavam presos — Carlos Alberto e Giovani.
Ônibus incendiado
De dentro do presídio, segundo as investigações, os criminosos também ordenaram um ataque a ônibus, ocorrido no dia 20 de fevereiro de 2019. O coletivo do sistema Transcol foi incendiado por dois homens na ES-010, próximo a Nova Almeida, na Serra.
A polícia informou, na época, que os suspeitos fugiram do local deixando um bilhete com ameaças.
"Essa é mais uma pequena demonstração da nossa revolta com o sistema prisional. Estamos cansados de ser tratado como animais. Caso esse esculacho, essa opressão, não acabar nos presídios capixabas, as coisas podem piorar. Se estiver desacreditando, é só pagar pra ver", dizia o recado.
Segundo as investigações do Ministério Público, a ordem para o ataque ao ônibus foi dada por meio de um bilhete, escrito, de dentro do presídio, por uma das lideranças do PCV, que assina a carta como "o diretor".
"Mandei uma ideia no Vanin é mais uma missão, quero q vs resumem essa semana ainda! Botar fogo em 2 ônibus lá na Serra, em um bairro tranquilo e deixa o bilhete, assinado PCV! Isso é para tontear o Estado e falar q está mto esculacho na máx 1! O diretor”, diz um trecho do bilhete.
Ainda segundo o MPES, uma foto encontrada em um serviço de armazenamento de arquivos em nuvem, pertencente a Geovani de Andrade Bento, o "Vaninho", outro líder do PCV que está preso, mostra galões de gasolina que teriam sido usados no incêndio criminoso.
'Catuques' e videochamada de dentro da prisão
O Ministério Público verificou que os advogados repassavam bilhetes, chamados de "catuques", entre os presos e os criminosos foragidos. Geralmente eles eram escritos, de próprio punho, pelos presos ou narrados pelos detentos e escritos pelos advogados.
No entanto, o MPES verificou, durante as investigações, que as cartas também eram enviadas por WhatsApp aos advogados, responsáveis por repassar as ordens e gerenciamentos do crime que partiam do sistema prisional.
Ainda de acordo com o Ministério Público, em um dos atendimentos na unidade prisional, um dos integrantes da organização criminosa conseguiu realizar contato por videochamada com Fernando "Marujo".
Um print de tela feito durante a videochamada foi encontrado no celular de uma advogada que atendeu o detento no dia, e que também é suspeita de integrar a organização criminosa.
Excesso de atendimentos
Outro fato que chamou a atenção dos investigadores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público Estadual, foi a quantidade excessiva de visitas que os advogados faziam aos detentos e o tempo de duração delas.
De acordo com o MPES, Joãozinho da 12 recebeu 567 atendimentos de 76 advogados diferentes. Algumas visitas tiveram duração de 8 horas, no período noturno e até mesmo de madrugada. Apenas em abril deste ano, ele foi atendido 37 vezes por 15 profissionais diferentes.
Nego Beto, por sua vez, recebeu um total de 700 visitas, de 86 defensores diferentes — uma média de uma visita a cada 26 horas.
Bob Esponja teria recebido o atendimento de 34 advogados, em um total de 153 visitas, com durações que chegaram a 8 horas.
Vaninho, que está preso desde 19 de fevereiro do ano passado, recebeu um total de 210 visitas de dez advogados diferentes. Algumas delas, segundo o MPES, tiveram duração de mais de 10 horas, estendendo-se entre o período noturno e a madrugada.
Já Geleia, preso no dia 4 de junho do ano passado, recebeu o atendimento de 36 advogados, em um total de 210 visitas. Somente no último mês de abril, ele teria recebido 28 visitas, algumas delas com duração de 5 horas.
De acordo com o Ministério Público Estadual, a quantidade excessiva de atendimentos recebidos pelos detentos e o tempo de duração das visitas reforça a ideia de que os advogados faziam a intermediação das mensagens trocadas entre os criminosos.
Transferência para presídios federais
Na manhã desta segunda-feira, durante a Operação Armistício, cinco presos da Unidade de Segurança Máxima Estadual, integrantes do PCV, foram transferidos para presídios federais, com aplicação de Regime Disciplinar Diferenciado (RDD). O pedido foi feito pelo próprio MPES.
O Regime Disciplinar Diferenciado é uma forma especial de cumprimento da pena no regime fechado, que consiste na permanência do presidiário em cela individual, com limitações ao direito de visita e do direito de saída da cela.
O Ministério Público Estadual ressaltou que a transferência foi necessária para "prevenir eventos que venham a colocar em risco a segurança pública, a integridade física e a vida da população em geral".
A operação de transferência teve apoio do Grupo Especial de Trabalho em Execução Penal do MPES (Getep), do Comando-Geral da Polícia Militar do Espírito Santo, das secretarias estaduais de Justiça (Sejus) e de Segurança Pública (Sesp), do Departamento Penitenciário Nacional do Governo Federal (Depen) e da Polícia Federal, que providenciou a aeronave que levou os presos.
Advogados presos
Já os advogados presos durante a operação foram encaminhados para o presídio, para instalação de tornozeleira eletrônica. Eles cumprirão prisão domiciliar e serão ouvidos pelo Gaeco, em data a ser definida.
Os mandados foram cumpridos por agentes do Gaeco, acompanhados de representantes da Comissão de Prerrogativas da Ordem dos Advogados do Brasil no Espírito Santo (OAB-ES).
Ao todo, a Justiça expediu nove mandados de prisão contra advogados, mas nem todos foram cumpridos. Até o fechamento desta reportagem, seis advogados haviam sido presos, e outros três não haviam sido localizados. Um deles teria fugido pela janela após conversar com a equipe do Gaeco e com os representantes da OAB.
A equipe de reportagem da TV Vitória/Record TV acompanhou a chegada de duas advogadas detidas no final da manhã. Uma delas estava com o rosto coberto. A outra permaneceu num carro descaracterizado do Gaeco.
Advogados alvos de mandados de prisão:
- Joyce da Silva Boroto
- Márcia Borlini Marim Sanches
- Alzemir Rosa Miranda Ramos
- Thelma Barcellos Bernardes
- Paloma Maroto Gasiglia
- Juliano da Silva Maia
- Tobias Claudino Nascimento
- Amilton Índio do Brasil Borges
- Gabriel dos Santos Koski
Outro lado
A reportagem do Folha Vitória ainda não conseguiu localizar a defesa dos advogados que foram alvos da operação Armistício.