Polícia

PCV: facção treina crianças para atuarem como soldados do tráfico; moradores relatam dias de medo

Na reportagem especial da TV Vitória/RecordTV, o sofrimento de quem vive nas comunidades em que a violência saída do tráfico de drogas dita as regras

Foto: Reprodução TV Vitória

Em regiões dominadas pela organização criminosa Primeiro Comando de Vitória (PCV) impera o medo. Assim se sentem moradores de Bairro da Penha, Bonfim, São Benedito, Consolação, Gurigica e Itararé, alguns dos territórios da capital capixaba que sofrem com a criminalidade dessa potente e perigosa organização criminosa.

Em reportagem especial exclusiva, a equipe da TV Vitória/RecordTV conversou com quem enfrenta um cotidiano pautado pelo fogo cruzado do tráfico de drogas e ficam de mãos atadas diante da violência. Eles relatam que a organização, inclusive, está treinando crianças para se tornarem soldados do tráfico.

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Por medida de segurança, os entrevistados que vivem nessas comunidades não serão identificados. Nas histórias, lembranças de um passado difícil em que faltava infraestrutura básica, incluindo distribuição de água, energia elétrica e ruas asfaltadas, além de moradias precárias. No momento presente, relatos de violência constante.

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Por amor ao bairro, moradora diz que não sai da comunidade apesar dos altos índices de violência

"A gente mora em um bairro que, às vezes, ficamos até com medo de sair de casa. Estamos sendo incomodados pelo rumo que as coisas estão tomando. Muito armamento, estão chegando pessoas estranhas, pessoas de outros Estados circulando pela comunidade", relata uma mulher.

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Uma outra descreve assustada o que deve passar com as guerras do tráfico. "Eles estavam em guerra, né? Aí foi daí que veio tiro para lá, tiro para cá. Onde balas perdidas passaram na beirada da minha cama, cabeceira da minha cama. Passando por cima da minha cabeça e do meu esposo", conta.

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Os moradores reparam, preocupados, que as novas gerações estão cada vez mais cedo sendo coaptadas pelas organizações criminosas. Há relatos de que crianças das comunidades já estão manejando armas e munições. 

"É muita arma nas mãos de crianças de 10 anos. Os meninos tudo saindo dali 10, 11, 12 anos, tudo com armas grandes. Alguns mal conseguem segurar as armas", conta uma moradora, assustada.

Confira a reportagem especial completa: 

Combate ao tráfico passa por políticas públicas 

A reação do Estado diante do domínio do tráfico é o combate em várias camadas do crime. A operação "Armistício", deflagrada no ano passado por forças da segurança pública e do Ministério Público, chegou à base do esquema. As ordens que partiam de dentro dos presídios por meio de advogados criminosos foram interrompidas com a prisão de vários deles.

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O coronel Douglas Caus, comandante-Geral da Polícia Militar do Espírito Santo, diz que a estrutura das forças de segurança é plenamente utilizada em prol da população

A longo prazo, a disparada da batalha entre bandidos sem um comando unificado reflete claramente na vida da população de bem. Ao longo do mês de agosto, foram vários confrontos armados que, inclusive, foram para além das áreas das comunidades. Houve inclusive queima de ônibus.

A reação dos traficantes às ações policiais se traduz em mais violência, piorando ainda mais o dia-a-dia. 

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"A gente mora em um bairro que, às vezes, ficamos até com medo de sair de casa. Estamos sendo incomodados pelo rumo que as coisas estão tomando. Muito armamento, está chegando pessoas estranhas, pessoas de outros Estados",  conta uma entrevistada.

Usar os equipamentos públicos do bairro deixa de ser algo corriqueiro. "Meus filhos tiveram a oportunidade de brincar bastante na praça. Hoje em dia eu não tenho coragem de ficar lá na pracinha. Não tenho, pois tenho a impressão de que a qualquer momento pode acontecer alguma coisa, a gente não tem segurança lá", lamenta a mãe que vive no Bairro da Penha.

Acompanhante do cotidiano das comunidades e sendo pároco de comunidades católicas de Itararé, uma das áreas ocupadas pelo PCV, o padre Kelder Brandão descreve que os habitantes dos morros vivem entre dois extremos de uma guerra que parece não ter fim.

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`Padre Kelder Brandão analisa que as comunidades vivem entre a guerra do tráfico e a guerra de combate às organizações criminosas

"A população, de uma maneira geral, vive entre o fogo cruzado, de uma ação à revelia da lei e de uma ação provocada pelos próprios agentes da lei, o que torna a violência ainda mais grave", descreve.

O coronel Douglas Caus, comandante-Geral da Polícia Militar do Espírito Santo, diz que a estrutura das forças de segurança é plenamente utilizada em prol da população.

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"Pode ter disputa entre as facções, aí colocamos as patrulhas nos morros, usamos Força Tática, BME, Baque e ainda um trabalho forte de inteligência. Não só para poder detectar um gerente do tráfico mas também as lideranças destas facções que estão sendo procuradas diuturnamente pela Polícia Militar com a Polícia Civil", descreve.

 "O problema do tráfico e da violência precisa ser abordado para além desta questão policialesca. O tráfico hoje precisa ser debatido economicamente, pois ele movimenta montanhas de dinheiro no mundo inteiro", argumenta o padre Kelder.

Para o promotor de justiça Leonardo Augusto Cezar, trilhar a estrada do crime é uma escolha consciente.

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Promotor público Leonardo Augusto Cezar diz que a escolha pelo crime é uma decisão consciente

"As pessoas falam que faltam políticas sociais, que o Estado precisa intervir para dar condições de vida para essas pessoas? Os dados estatísticos da década de 80 para cá mostram que aumentou a quantidade de políticas públicas, a quantidade de nível nacional, aumentou a quantidade de pessoas que saíram da linha da pobreza. No entanto, se pegarmos o índice de violência da década de 80 para cá, eles aumentaram assustadoramente", critica.

Consciente ou não, quem vive sob o domínio do medo não é quem entra para o crime, mas, sim, quem vive cercado por ele. Criminosos que não poupam mesmo as crianças na luta por poder, domínio territorial e dinheiro. 

Com informações da repórter Nathália Munhão, da TV Vitória/RecordTV