"Exigimos investigação rigorosa", diz Pastoral Carcerária sobre assassinato em presídio de Viana
Padre Vitor Noronha defende mudanças no sistema penitenciário e cobra responsabilidade do Estado pela morte de um detento após ser espancado durante banho de sol; Polícia Civil já indiciou cinco presos
O assassinato de um detento na Penitenciária de Segurança Máxima I, em Viana, na manhã da última quinta-feira (07), vai mobilizar a Pastoral Carcerária da Arquidiocese de Vitória a exigir, junto a outras organizações sociais, que o Estado aprofunde as investigações sobre o caso.
Quem afirma é o diretor espiritual da entidade, padre Vitor Noronha. "Vamos exigir investigação rigorosa. É importante saber quem é o 'fulano' ou os 'fulanos', que mataram, seja outro detento ou um agente penitenciário em respeito à família", afirmou o sacerdote.
A Pastoral Carcerária faz parte da Igreja Católica e presta assistência religiosa às pessoas encarceradas por meio de visitas aos presídios. Também é conhecida por realizar denúncias relacionadas às condições do ambiente prisional e ao desrespeito aos direitos humanos.
"Isso vai parar as torturas no cárcere? Isso vai parar as mortes no cárcere? A resposta é não! É preciso ir à raiz do problema", reforçou. Ele diz que são necessárias mudanças no sistema prisional, para contribuir com a ressocialização das pessoas, evitando que crimes assim aconteçam.
De acordo com a Secretaria de Estado da Justiça (Sejus), o interno foi agredido durante o banho de sol e morreu no local. Não foram informados detalhes da agressão. A Sejus informou ainda que a vítima cumpria pena por homicídio, roubo e tráfico de drogas e que acionou as autoridades policiais para investigar o ocorrido e vai abrir uma sindicância para apurar o caso.
Digo mais, sendo um outro detento ou um agente, quem é o responsável último? O Estado, pois aquele detento estava custodiado, sua vida era de responsabilidade do Estado, sua morte também o é.
O padre explicou que irá se articular com a Comissão da Promoção da Dignidade Humana da Arquidiocese de Vitória, a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Comitê Estadual de Combate à Tortura, o Conselho Estadual de Direitos Humanos, a Frente Estadual pelo Desencarceramento e o Movimento Nacional de Direitos Humanos.
"Estamos nos articulando. Em breve faremos uma vistoria in loco no presídio onde ocorreu o assassinato. Também estamos tomando e tomaremos um conjunto de medidas, de ordem política e institucional. Em breve as divulgaremos", informou.
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Superlotação é causa de torturas e de mortes, diz padre
Na visão de padre Vitor, as circunstâncias da morte do detento indicam que há um aumento de tortura no sistema penitenciário. "Nem todo torturado no sistema carcerário morre, mas a maioria absoluta dos mortos foram torturados.
Então, devemos nos questionar se a cada 10, 20, 30, 40, 50 (só Deus sabe) torturas, ocorre uma morte? Se desde o início da pandemia de coronavírus já ocorreram cerca de 20 mortes de encarcerados no sistema carcerário capixaba, quantas torturas ocorreram? Mais que isso, não se trata só de condenar a pessoa, seja detento ou agente, que comete a tortura, o que é fundamental. Trata-se de reconhecer que o sistema institucionalmente produz torturadores", aponta.
Atualmente, o Espírito Santo tem 35 presídios e conta com 13.856 vagas. No entanto, segundo dados da Secretaria de Estado da Justiça (Sejus), em agosto deste ano, 22.630 pessoas estavam no sistema prisional capixaba. São 8.774 pessoas presas além da capacidade, o equivalente a uma ocupação de 163%.
O padre acredita que essa superlotação nos presídios é uma das causas de aumento de casos de tortura e morte nos ambientes prisionais.
"Ela acontece de várias formas. Por exemplo, quando deixa grande parte da população carcerária em regime provisório esperando julgamento, quando prende por motivo banal, quando não oferece trabalho, estudo e leitura como opção de ocupação e remição de pena, quando não oferece um número suficiente de agentes, quando oferece alimentação degradante, quando permite que as doenças sejam propagadas livremente, enfim, tudo isso cria um ambiente favorável à tortura", desenvolve.
O diretor espiritual da Pastoral Carcerária diz que a entidade recebe a notícia da morte do detento com indignação e com solidariedade à família da vítima.
"Isso porque não somos movidos somente por um impulso de justiça, como defensores de direitos humanos. Claro que somos isso também, pois cada vida humana é sagrada. Mas, para nós, cada encarcerado é um irmão. Cada torturado é um irmão nosso que padece e, mais que isso, é a atualização da Paixão de Cristo", reforça.
A Pastoral Carcerária irá retomar às visitas aos presídios no Espírito Santo a partir de novembro com a confirmação da aplicação da segunda dose nos encarcerados e nos agentes penitenciários.
Sejus nega tortura na morte do detento da Máxima I
Por nota, a Secretaria da Justiça informa que "não comunga com práticas de tortura de qualquer natureza e tem como princípio o respeito aos direitos humanos". Disse que mesmo diante da população carcerária atual, exerce total controle das 35 unidades prisionais do Estado, atuando de acordo com a Lei de Execuções Penais.
A secretaria negou que a morte do detento na última quinta-feira (07) esteja relacionada à prática de tortura. "A ocorrência foi imediatamente comunicada às autoridades policiais para devida apuração dos fatos. Na ocasião, a Polícia Civil indiciou cinco presos pelo homicídio", reforçou.
A Sejus também relatou o homicídio cometido dentro da penitenciária para todos os órgãos que compõem o sistema de justiça, como o Poder Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública Estadual e abriu uma sindicância para apurar as circunstâncias da morte.
A Sejus ressalta que denúncias de agressão cometidas nas unidades podem ser encaminhadas à Corregedoria, por meio do telefone 98837-0937.