Polícia

Tribunal de Contas aponta falhas da Polícia Civil na solução de crimes no ES

Auditoria indica que os crimes contra o patrimônio representam 51% das ocorrências policiais no Espírito Santo. A Polícia Civil afirma que realiza ações

Foto: Thiago Soares/Folha Vitória

O Tribunal de Contas do Espírito Santo (TCE-ES) realizou uma auditoria operacional que teve como conclusão que os indicadores de esclarecimento de crimes contra o patrimônio não são monitorados pela Polícia Civil do Espírito Santo. Entre estes crimes estão roubos, furtos, extorsão, estelionato, receptação, entre outros.

A auditoria, segundo o tribunal, também verificou que para apenas aproximadamente 3,8% desses crimes, há a instauração de algum procedimento com potencial para indiciamento dos autores e, para somente 2,4%, há conclusão ou encaminhamento ao Ministério Público ou Poder Judiciário.

Uma das possíveis causas da baixa taxa de esclarecimento seria a reduzida capacidade das Delegacias Distritais da Região Metropolitana para investigar esse tipo de crime.

Diante desses e de outros problemas encontrados, o Tribunal emitiu um total de 21 recomendações à Secretaria de Estado de Economia e Planejamento (SEP) e à Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (Sesp), responsáveis pela coordenação executiva e operacional, respectivamente, do Programa Estado Presente, e que serão monitoradas pela Corte de Contas daqui em diante.

O processo de auditoria foi julgado na sessão plenária do dia 25 de maio, conforme o voto do relator, conselheiro Domingos Taufner. 

A autoridade acompanhou o entendimento da área técnica, representada, nesse caso, pelo Núcleo de Controle Externo de Avaliação e Monitoramento de Outras Políticas Públicas Sociais (NOPP).

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A auditoria

A fiscalização realizada pelo Tribunal de Contas se deu a partir de dados fornecidos pela PC sobre os registros de ocorrências e de procedimentos de investigação, planos e metas da instituição. Também foram realizadas entrevistas e questionários com os gestores, delegados e policiais, e visitas presenciais dos auditores às delegacias.

Os dados mostram que os crimes contra o patrimônio representam, no Estado do Espírito Santo, 51% das ocorrências policiais, e os crimes do tipo estelionato/fraude e de roubo a pessoa em via pública são os mais praticados em relação aos demais.

No trabalho, foram identificadas fragilidades quanto à eficácia e à capacidade de investigação dos crimes contra o patrimônio, e quanto aos recursos humanos e materiais das delegacias.

Monitoramento

O primeiro problema detectado na auditoria foi a falta de monitoramento dos indicadores de crimes contra o patrimônio pela Polícia Civil, em relação ao número de ocorrências registradas. 

Para esse tipo de crime, existem somente indicadores relativos ao número de procedimentos de investigação abertos. E ainda não foram implementados indicadores de eficácia, embora isso esteja previsto no Plano Estadual de Segurança Pública 2019-2022.

Segundo a auditoria, as causas que levaram à ocorrência desse problema são: a concentração de esforços na priorização da redução dos crimes violentos contra a vida; a visão dos gestores de que se trata de tarefa complexa, e de que um indicador para o Espírito Santo precisa ser compatível com outros Estados da Federação; e de problemas na utilização do sistema Delegacia Online (Deon) e na gestão de seus dados.

Sobre este item, a equipe de auditoria já foi informada pelo governo do Estado que estão sendo tomadas medidas para fomentar a prática de que todos os procedimentos instaurados sejam necessariamente instruídos dentro do sistema Deon, o que dará maior confiabilidade para a análise da taxa de resolutividade de inquéritos.

Capacidade de investigação

Outra questão verificada foi que a capacidade das Delegacias Distritais da região Metropolitana para investigar crimes contra o patrimônio é reduzida. 

Essas delegacias recebem, sozinhas, mais de 60% das ocorrências desses crimes no Espírito Santo, mas 95% das ocorrências a elas atribuídas ficam sem qualquer procedimento de investigação (mesmo preliminares).

Na tentativa de compensar essa reduzida capacidade das Delegacias Distritais da região Metropolitana, observou-se que os gestores realizam operações conjuntas, integrando diferentes especializações e até mesmo com outras forças de segurança, com o objetivo de realizar prisões qualificadas, tendo como alvo especialmente organizações criminosas e receptadores.

Acrescenta-se a isso que os policiais lotados nas delegacias distritais possuem tempo reduzido para dedicarem-se à tarefa de investigação, além de baixa ou nenhuma capacidade para investigar crimes cometidos no ambiente web, que estão em tendência de crescimento.

Segundo a auditoria, os policiais civis dedicam 41% de seu tempo de trabalho ao registro de ocorrências e atendimento ao público e 21% à atividade de investigação. 

Além disso, a carga de trabalho foi de 1.809 ocorrências por investigador de polícia dos distritos policiais da Região Metropolitana, e de 258 por investigador das delegacias de polícia municipais do interior.

As causas que levam a esse cenário, segundo o trabalho, são de o quadro operacional da PC-ES estar com apenas 63% das vagas preenchidas, e a ausência de servidores para realizar tarefas meramente administrativas, como atendimento ao público e prestação de informações ao cidadão.

Sobre a baixa capacidade de investigação, o governo informou estar desenvolvendo um projeto de terceirização de determinadas funções, o que pode liberar os policiais de realizar tarefas meramente administrativas e de prestação de informações ao público para liberar mais tempo para a investigação.

Recursos humanos e materiais

A auditoria verificou, ainda, deficiências na estrutura física das Delegacias Distritais da região Metropolitana e na salubridade do ambiente de trabalho.

Problemas como presença de infiltrações nas paredes, instalações elétricas expostas, trincas ou rachaduras nas paredes, portas quebradas, objetos apreendidos e documentos armazenados no chão ou em local improvisado, foram identificados. Veja:

Foto: TCE | Reprodução

Segundo o governo informou para a equipe de auditoria, a PC-ES já possui uma Divisão de Engenharia e Manutenção Predial – DEMP, na estrutura da PC-ES, que presta serviços de planejamento, manutenção e obras em prédios utilizados pela instituição. 

Um diagnóstico de reforma ou construção já havia sido realizado em 2019. Contudo, ele precisaria, agora, ser atualizado.

Saúde dos policiais e jornada

Outra questão é que a Polícia Civil não realiza acompanhamento sistemático da saúde psicológica dos policiais e delegados. 

E por fim, detectou-se que há uma fragilidade no controle do cumprimento da jornada de trabalho e de produtividade dos policiais e delegados, visto que não existe, na PC, normativo específico sobre como deve ser realizado esse controle da jornada, resultando em controles frágeis e informais, feitos de maneira manual e de forma despadronizada.

Recomendações

Diante do que foi identificado, o TCE-ES aprovou o envio de 21 recomendações à Polícia Civil, para promover a melhoria da política pública de investigação de crimes contra o patrimônio.

Entre elas, a recomendação de concluir a implementação de mecanismos para exigir que todos os procedimentos de investigação de crimes contra o patrimônio sejam instruídos, do início ao fim, dentro do sistema informatizado, de forma a garantir que os dados ali contidos sejam completos e corretos e que os relatórios extraídos a partir deles sejam confiáveis.

Também que seja realizado um monitoramento sistemático do indicador de esclarecimento desses crimes, de forma agregada e detalhada, por tipo de crime, por município, por regional e por delegacia.

Recomendou-se também dar continuidade ao preenchimento das vagas ainda abertas no quadro operacional da PC-ES, fortalecer a capacidade dos agentes e investigadores para investigar crimes praticados em ambiente web, entre outras medidas.

Diálogo

O diálogo com o governo do Estado sobre as melhorias necessárias já foi iniciado. 

Em fevereiro deste ano, os auditores da equipe do Núcleo de Controle Externo de Avaliação e Monitoramento de Outras Políticas Públicas Sociais (NOPP), Bruno Faé, Maira Guimarães e Luis Filipe Vellozo se reuniram com a alta cúpula do setor de segurança pública do Governo para mostrar o resultado preliminar dos trabalhos.

Participaram da reunião o secretário de Estado do Governo, Álvaro Duboc; o secretário de Segurança Pública e Defesa Social, coronel Alexandre Ramalho; o titular Superintendência de Polícia Especializada da Polícia Civil, delegado José Lopes, o diretor de Integração e Projetos Especiais do Instituto Jones dos Santos Neves, Pablo Lira, o major da Polícia Militar Leonir Evaristo, e o investigador da Polícia Civil, Augusto Carlos.

Foram estabelecidos os canais de comunicação entre a equipe de fiscalização e os integrantes do Governo, que serão fundamentais para o bom andamento dos trabalhos de fiscalização da Corte de Contas.

O que diz a Polícia Civil

Questionada, a Polícia Civil informou que não tem medido esforços para trabalhar na redução dos crimes patrimoniais no Espírito Santo, dentro das diretrizes do programa Estado Presente. 

Em nota, apontou que cabe destacar que os dados apontam, de 2018 a 2022, redução em todos os tipos de ocorrências contra o patrimônio, sendo o estelionato a única modalidade com aumento, principalmente em ambiente online. Veja a nota na íntegra:

“Diversas operações com foco em receptação qualificada também foram realizadas, como a Sinal, por exemplo, com objetivo de desestimular a compra de produtos de furto e roubo. 
É importante salientar que diversas unidades policiais passam por reestruturação e reforma no momento, sendo que a PCES demonstrou grande evolução nos últimos anos, no sentido de dar uma melhor qualidade de trabalho aos policiais, com delegacias novas e modernas.
Além disso, há investimentos diversos na área de combate a crimes no ambiente web, inclusive com a criação do Centro de Inteligência e Análise Telemática, o Ciat, que trabalha em meio cibernético para o combate ao tráfico de drogas, armas, homicídios, entre outros crimes, incluindo os patrimoniais.
A Polícia Civil mantém diálogo constante com todos os órgãos de controle e busca, dia a dia, melhora no serviço entregue à população capixaba”, esclareceu a nota.