Lista fechada para votação nas eleições, fim do voto secreto, extinção do cargo de vice e, principalmente, financiamento público de campanha. Tudo isso está sendo discutido – mais uma vez – na Reforma Política proposta pelos parlamentares brasileiros.
O tema é antigo, já foi discutido no Congresso diversas vezes desde 93, e vez ou outra vem a tona. Mas, qual interferência isso pode ter na vida do cidadão brasileiro e como será o futuro do Brasil e da classe política se as propostas forem aprovadas?
O Folha Vitória conversou com o cientista político Rodolfo Marcílio Teixeira para entender mais sobre o tema, ouvir a opinião de um especialista e compreender por quais razões algumas dessas mudanças podem causar tantos efeitos na política do país. Confira!
Folha Vitória: Quais as mudanças mais significativas propostas pela Reforma Política?
Rodolfo Teixeira: Em primeiro lugar, é importante a gente ter em mente que esse assunto está em pauta desde 1993. É um tema que não vem de agora, está sendo discutido a bastante tempo. Temos mais de dois mil projetos de Reforma Política no Senado e na Câmara. Existem grupos de interesse que procuram mudar a legislação partidária para favorecer determinados grupos, mas essa é uma reforma muito ampla e abrangente, que vai desde a forma como a gente vota até o modelo de Estado que a gente terá.
F.V: O que vem sendo discutido nessa reforma proposta recente e qual a sua opinião sobre o assunto?
R.T: Atualmente, a classe política, visando resolver problemas que são da própria classe política, tem um conjunto de propostas, onde em primeiro lugar querem propor um financiamento público de campanha que é pra resolver esse problema social de caixa 2. Nesse sentido, a conclusão que eu cheguei nos meus estudos é que financiamento público majoritário afasta o partido do eleitorado e aproxima o partido do Estado. O que determina se o partido vai receber mais dinheiro é o número de cadeiras que ele tem no governo. Existem alguns países onde o financiamento de campanha aumentou e se percebeu que os partidos passaram cada vez mais a se preocupar menos com os eleitores. A outra proposta que foi colocada é no sentido de ter uma lista fechada, não porque ela seja melhor, mas num modelo de financiamento público de campanha é melhor a lista fechada. O dinheiro ficaria no partido e o partido construiria a lista. A classe política tem pensado cada vez menos no eleitorado. O que se está preocupado é resolver um problema político da classe política, que quer em 2018 eleição com lista fechada e com financiamento público.
F.V: Mas todos esses políticos ligados a irregularidades, como os citados na Lava Jato, poderiam estar dentro dessa lista fechada dos partidos nas próximas eleições?
R.T: A gente ainda não tem legislação criminalizando especificamente o caixa 2. O que o Ministério Público (MP) está fazendo é julgando a pessoa por falsidade ideológica ou por estelionato. Esses políticos serão penalizados por outros crimes. Como ainda não tem uma legislação criminalizando o caixa 2, se essas pessoas conseguirem manter os direitos políticos até a eleição, eles poderão se eleger e, se forem eleitos, continuar tendo o benefício do foro privilegiado.
F.V: Qual entendimento acadêmico sobre a lista fechada?
R.T: A lista fechada existe em alguns países do mundo. Do ponto de vista acadêmico, o que se percebeu é que em países que mantêm a lista fechada a tendência é ter uma lista elitizada: quem tem mais dinheiro fica na parte de cima da lista.
F.V: O que pode ser feito para melhorar isso?
R.T: Existem algumas mudanças que são menores e que podem ser benéficas para o eleitor, como criar uma cláusula de barreira para definir um número de partidos, tirar de circulação os partidos de aluguel. Assim, apesar do eleitor ter menos opções, isso pode ser benéfico para eleger quem tenha mais qualidade. Hoje o eleitor não vê muita diferença entre o partido A e o partido B, por exemplo. Por isso, numa eleição com sete ou oito partidos você vê muito mais diferenças ideológicas e partidárias entre eles. Uma outra proposta que eu acho interessante é acabar com as coligações, porque isso faz com que alguns partidos que são parasitas, que só conseguem sobreviver pela coligação, acabem. E também aqueles que são ideológicos repensem sua função. Um país que está passando por crise, que está tentando voltar a crescer, é preciso que haja mais competição entre as legendas.
F.V: Como filtrar essa quantidade de políticos que tentam se eleger para o mesmo cargo?
R.T: Uma forma interessante seria a seguinte: um partido só pode lançar o mesmo número de candidatos para a quantidade de vagas correspondentes. Diminuindo o número de vagas você aumenta a concorrência e aumenta a qualidade. Também precisamos ver a questão do nada consta. Por exemplo, a pessoa tem que estar com a situação adequada perante a Justiça há mais de um ano, não basta só no momento da assinatura para se eleger.
F.V: Qual o ponto mais negativo em relação a essa reforma que estão tentando aprovar?
R.T: Sem dúvidas, o financiamento público de campanha. No Brasil, partido político são instituições de direito privado, eles definem como eles agem, definem pontos partidários. Se os partidos são instituições de direito privado, eles que arranjem um próprio jeito de se financiar. Como fazer isso? Se aproximando do eleitor, para que ele se filie e passe a contribuir. O Partido dos Trabalhadores (PT), há 15 ou 20 anos, conseguia muito dinheiro vendendo camiseta, broche, bandeira. O Brasil é um país que carece de dinheiro para investimentos e esse dinheiro não tem que ser gasto com partidos, tem que ser gasto com educação, obras. Não pode ser gasto com essas instituições que estão ranqueadas lá em baixo em nível de credibilidade. Essas instituições que aprendam a sobreviver
F.V: O fim do cargo de vice é uma das propostas da Reforma. Qual a sua opinião sobre essa proposta especificamente?
R.T: Eu acho que isso pode ser benéfico, sim. No caso do vice-presidente, por exemplo, é um cargo figurativo, o poder que o vice tem é a proximidade com o presidente. Vi alguns trabalhos acadêmicos, antes do impeachment da Dilma, dizendo que isso poderia acontecer. Porque um vice teria motivação para bloquear um impeachment? Nenhum. Michel Temer não tinha estímulo nenhum em deixar a Dilma no governo. Em um cenário que você deveria pensar em economizar dinheiro público talvez seja benéfico.
F.V: O fim do voto obrigatório, se for aprovado, deve diminuir bastante o número de votantes no Brasil. Qual deve ser o reflexo disso nas eleições?
R.T: A gente tem que ter um pouco de cuidado com isso. Em princípio, sou favorável a voto com direito e não como dever. Mas isso pode ser ruim nessa realidade. Numa situação hipotética, sem o voto obrigatório, os candidatos dos extremos seriam os com mais votação porque os eleitores das extremidades não deixariam de votar. Aí poderíamos ver eleitos candidatos a favor do aborto, da pena de morte, da legalização da maconha, da tortura, de todos esses casos. Acredito que as pessoas que votam em partidos mais do centro, tanto esquerda quanto direita, que não tem tanta ligação, deixariam de votar. Perderíamos quem está disposto a negociar, que normalmente defende com mais fervor ideias democráticos e a participação de quem tá disposto a dialogar é necessária.
F.V: Para finalizar, o que senhor pensa sobre o fim da reeleição? É interessante?
R.T: O problema hoje não é reeleição ou mandato maior e menor, é a nossa classe política e falta de educação política. Primeiro temos que pensar em educação política, conseguindo melhorar a educação política não vai fazer diferença reeleição ou não.