Após um dia de muita tensão no Congresso, a Câmara dos Deputados rejeitou, em votação apertada, a proposta de redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, no caso de crimes hediondos e outros delitos considerados graves.
O resultado significa uma derrota para o presidente da casa, Eduardo Cunha, que colocou em votação a matéria, apesar da enorme polêmica em torno do assunto.
Eram necessários 308 votos para aprovar a proposta de emenda ás Constitucional (PEC), mas 303 deputados apoiaram a redução, 184 foram contra e 3 se abstiveram. Estiveram presentes na sessão 490 dos 513 deputados.
No entanto, apesar do resultado da madrugada desta quarta-feira, o tema da maioridade ainda será analisado novamente pela Câmara. A proposta votada foi um substitutivo à PEC originalmente em discussão, que previa a redução da maioridade para todos os crimes. Com sua rejeição, a PEC original será colocada em votação.
A princípio, por ser uma proposta mais radical, ela enfrenta mais resistência entre os deputados. Porém, Cunha afirmou, após o resultado de ontem, que poderão ser votadas também outras emendas de deputados que alterem o texto original.
“Não acabou. A votação ainda está muito longe de acabar”, afirmou, depois de encerrar a sessão.
Após sofrer derrota com a rejeição da proposta que previa a redução para crimes graves, Eduardo Cunha disse que outras alternativas serão votadas
“Foram 303 votos [a favor], um número muito representativo. O que mostra que o tema é polêmico, não atingiu o quórum constitucional. Se não atingiu, o número da Ceasa não foi suficiente para isso. Se na votação do texto original ou de alguma [emenda] aglutinativa atingir, ótimo, se não, é que a casa quer permanecer com a legislação existente”.
Risco
Entre os contrários à redução, as declarações de Cunha levantaram o temor de que possa acontecer algo semelhante ao que ocorreu no caso do financiamento privado de campanha, em maio. Após uma proposta que incluía a autorização das doações de empresas a candidatos políticos na Constituição Federal ter sido rejeitada numa noite, o presidente da casa colocou em votação e conseguiu aprovar outra proposta que autorizava as doações somente a partidos na noite seguinte.
Depois de pautar o tema da maioridade como prioridade, Cunha disse que retornará ao assunto na próxima semana ou apenas após o recesso parlamentar, em agosto, sob a justificativa de que é preciso votar o segundo turno da Reforma Política.
Para o deputado Alessandro Molon (PT-RJ), Cunha quer ganhar tempo para tentar aprovar outra proposta de redução da maioridade.
“Com certeza, esse risco existe [de que ocorra algo semelhante ao episódio do financiamento de campanha]. Acho preocupante deixar para depois o encerramento da votação desse tema. A casa tem que acabar de votar nesta quarta. Ele [Cunha] estava com tanta pressa para votar o tema”, criticou.
Manifestantes dos dois lados foram autorizados a acompanhar a votação nas galerias do plenário.O texto rejeitado na madrugada pelos deputados foi resultado de um acordo costurado por PMDB e PSDB, a contragosto do PT, para reduzir a maioridade em casos considerados mais graves, como homicídio, roubos cometidos em conjunto por duas pessoas ou mais e crimes hediondos (estupro, tráfico de drogas, extorsão mediante sequestro, entre outros). A proposta original, apoiada por Cunha, previa a redução da maioridade para todos os crimes.
Com a rejeição da proposta acordada entre tucanos e peemedebistas, agora deve ganhar fôlego a discussão em torno da reforma do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) para aumentar a punição de jovens criminosos e de adultos que agenciam menores para o crime.
A proposta originalmente apresentada pelo senador José Serra (PSDB-SP) ganhou apoio do governo petista como alternativa à redução da maioridade penal. A expectativa é que essas propostas de reforma do ECA sejam votadas nesta quarta-feira no Senado.
“Todos querem combater a violência. E como é que se combate a violência? Reformando o ECA”, argumentou o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE).
Protestos
Desde segunda-feira, jovens contrários à redução da maioridade penal se reuniram em frente ao Congresso para pressionar contra a proposta. Nesta terça-feira, manifestantes a favor da redução também compareceram ao Parlamento.
Houve momentos de confusão entre os dois grupos e a Polícia Militar usou spray de pimenta contra os estudantes que protestavam na porta do Anexo 2 da Câmara, com a justificativa de dispersá-los. Algumas pessoas sentiram falta de ar e deixaram o local carregadas.
O deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) conversou com manifestantes contrários à redução e pediu que evitassem confusão para não deslegitimar o movimento.
Entidades estudantis como UNE e UBES conseguiram uma liminar no STF para garantir sua entrada na Câmara. Apesar disso, Cunha manteve o acesso restrito ao local, alegando questões de ordem e segurança. Os partidos receberam senhas para distribuir entre manifestantes dos dois lados, permitindo que algumas dezenas de pessoas acompanhassem a votação nas galerias do plenário.
Após o resultado, estudantes presentes nas galerias do plenário comemoraram o resultado e chamaram Cunha de ditador. O presidente da Câmara ordenou então que eles fossem retirados do local – como a votação já havia acabado, eles deixaram o plenário sem apresentar resistência.
A votação se encerrou no início da madrugada desta quarta-feira. Até as 2h da manhã, um grupo tocava samba diante do Congresso para celebrar.