Política

ARTIGO | O delicado equilíbrio da democracia e a atuação do STF

É crucial enfatizar a importância de um Judiciário equilibrado, consciente de seus limites e responsabilidades, e comprometido com os princípios democráticos.

Foto: Agência Brasil

*Artigo escrito por Lígia Kunzendorff Mafra, professora, advogada, mestranda (FDV), vice-presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas do Espírito Santo (Abracrim-ES)

Em um mundo ideal, a justiça seria um conceito claro e incontestável, aplicado de maneira imparcial, sem margem para interpretações divergentes. 

Na realidade em que vivemos, porém, a justiça se apresenta de muitas formas, exigindo um equilíbrio cuidadoso. 

No centro dessa questão está o Poder Judiciário, encarregado de interpretar e aplicar a lei, com a potencialidade de exercer um papel que pode tanto ser garantidor das regras do jogo, quanto seu subversor, exercendo um papel crucial na manutenção ou no enfraquecimento da ordem democrática.

Sendo o Supremo Tribunal Federal o órgão máximo quanto à interpretação e aplicação das normas constitucionais, tendo o poder de “dar a última palavra” sobre qualquer caso sob seu escrutínio, tem o dever, pela sua essência, de resguardar a democracia sob a qual se funda a origem do seu poder. 

Contudo, justamente por ser o órgão capaz de tomar decisões definitivas, deve se autoconter de forma racional a fim de que o objetivo de sua existência não seja desvirtuado. 

O desvirtuamento se dá quando há um transbordamento das atribuições estabelecidas na lei e utilização de elementos outros que não as fontes que são próprias do direito, principalmente quando há uma inclinação muito mais à opinião pública ou à aspectos morais, em nome de uma dita justiça.

Nessa busca pela justiça, o Judiciário pode adotar uma postura ativa, intervindo em matérias predominantemente legislativas. 

O ativismo judicial pode, inclusive, ser percebido como contrário à vontade expressa do povo quando desborda dos limites legais, uma vez que a atuação do Tribunal de forma indevida desconsidera que as leis existentes passaram pelo devido processo legislativo, aprovada pelos representantes eleitos com poderes para tal. Isso levanta, numa consequência lógica, questionamentos sobre a legitimidade dessas decisões, gerando efeitos negativos preocupantes em relação às reações que podem vir das casas legislativas (backlash), inclusive na intenção de retroceder direitos (vide a reação do Congresso com as últimas decisões sobre, por exemplo, o marco temporal na questão indígena, do aborto e da descriminalização das drogas).

Foto: Divulgação/LR Comunicação

Lígia Kunzendorff Mafra é advogada

A busca por um equilíbrio entre a atuação judicial e os princípios democráticos é essencial para a preservação da ordem democrática. A intervenção judicial deve ser autocontida e baseada na interpretação da lei de acordo com a Constituição, não desrespeitando à norma que lhe dá seu sentido de existir, dando continuamente legitimidade à sua atuação.

Diante dessas considerações, é crucial enfatizar a importância de um Judiciário equilibrado, consciente de seus limites e responsabilidades, e comprometido com os princípios democráticos. 

A chave para uma Corte legítima e eficaz passa, necessariamente, pelo respeito à bases nas quais estão cimentadas a razão de existir de todas as instituições da República, inclusive o Poder Judiciário. 

A sociedade, como peça central da democracia, deve estar informada e engajada nesse debate, assegurando que o Judiciário continue a desempenhar seu papel essencial, enquanto respeita e fortalece todos os pilares da democracia.