Números do Congresso confirmam o que um olhar já revela: embora sejam maioria entre a população, as mulheres têm cerca de 15% de representação política nas duas Casas legislativas, ocupando 12 das 81 cadeiras do Senado e 77 das 513 na Câmara.
Para sete em cada dez brasileiros, no entanto, isso não deveria ser assim. O Brasil é o país que mais defende a participação feminina na política, segundo levantamento global feito pelo Instituto Ipsos.
Para chegar a esta conclusão, os pesquisadores fizeram a mesma pergunta em 28 países: O mundo seria um lugar melhor, mais pacífico e bem-sucedido se mais mulheres estivessem no poder? A média global dos que responderam que sim é de 54%.
Depois do Brasil, primeiro lugar no ranking com taxa de 70%, Peru e Colômbia empatam na segunda colocação.
Ambos os países, porém, têm maior participação feminina na política que o Brasil. No Peru as mulheres são 40% do Parlamento, e na Colômbia, 19,7%.
Homens e mulheres responderam de forma parecida ao levantamento. Em todos os países, as entrevistadas apresentaram maiores taxas de concordância à questão que os homens.
A diferença foi de 12 pontos porcentuais na média global, e 10 no Brasil.
Na pesquisa, online, foram ouvidos 19 mil entrevistados entre 16 e 74 anos, em todos os continentes.
Os dados foram colhidos entre 23 de julho e 6 de agosto deste ano. A margem de erro para o Brasil é de 3,5 pontos porcentuais, para mais e para menos.
Embora o ímpeto seja culpar o eleitor, a disparidade começa antes do dia da eleição.
Dados da plataforma 72 horas, que analisa a distribuição de recursos financeiros para campanhas, mostram que candidaturas de mulheres receberam 30% dos valores repassados pelos partidos em 2020.
O valor foi apenas o suficiente para cumprir a lei que naquela eleição definia o repasse mínimo de 30% do fundo especial de financiamento de campanha para mulheres.
Segundo a especialista em financiamento de campanhas Fefa Costa, co-idealizadora da plataforma 72 horas, no ano passado observou-se um número muito baixo de representatividade feminina em todos os partidos.
Muitas legendas nem chegaram a respeitar a cota, como é o caso do Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), que destinou 17% dos recursos a candidaturas femininas. “O ideal seria que houvesse paridade. Precisamos falar de 50 a 50”, afirmou.
“30% já é muito pouco perto da nossa real condição, e, mesmo assim, boa parte dos partidos não cumpre.”
Bônus
Proposta aprovada pelo Congresso em setembro deve contribuir para transformar esse cenário.
A norma, promulgada no último dia 28, prevê um “bônus” financeiro para os partidos que mais conseguirem votos em candidatos negros e mulheres, o que já provocou uma “corrida” dos partidos para aumentar o número de candidaturas desses grupos.
“Claro que todo avanço para a igualdade de gênero e racial é visto com bons olhos, mas é preciso entender o que acontece na prática”, avaliou Fefa.
O mérito da proposta, segundo ela, é incentivar os partidos a impulsionarem candidaturas destes segmentos, conferindo mais visibilidade a lideranças que querem fazer parte do processo político, mas que carecem de apoio das legendas para ganhar relevância.
“O ponto mais importante é se haverá transparência para que a sociedade e os próprios candidatos tenham meios para fiscalizar os recursos, saber se (a regra) é aplicada da maneira correta”.
A pesquisa do Instituto Ipsos chancela o interesse da população nesse tema, disse Helio Gastaldi, porta-voz da empresa no País.
Ele afirmou que o “ambiente beligerante” da política brasileira não passa despercebido pela população, que valoriza a lógica parlamentar de busca pelo consenso.
“O levantamento permite inferir que a maioria das pessoas não concorda com a hostilidade reservada às mulheres nos espaços de poder”, diz.
“Vemos mulheres sendo tratadas de maneira agressiva. Pessoas que, em vez de debater a pauta que se apresenta, tentam desqualificar o interlocutor, no caso a mulher, e enfraquecer seus argumentos”, acrescentou Gastaldi.
Exemplo disso aconteceu durante sessão da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid no mês passado, quando a senadora Simone Tebet (MDB-MS) foi chamada de “totalmente descontrolada” pelo depoente Wagner Rosário, ministro da Controladoria-Geral da União (CGU).
Quando acontecem longe das câmeras, casos como o da senadora Simone podem ser denunciados aos canais do Ministério Público Eleitoral de cada Estado.
No âmbito da Câmara, as queixas também podem ser apresentadas à Procuradoria da Mulher da Câmara dos Deputados. O órgão não recebe apenas denúncias de violência política, mas de não cumprimento das leis perante casos de violência doméstica e familiar.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.