Já era noite da última sexta-feira (29) e o governador Renato Casagrande (PSB) estava a caminho da Escócia, para participar da COP26, quando o presidente da Assembleia, Erick Musso (Republicanos), mirou sua artilharia e disparou: “A omissão do governo do Estado no tema de baixar o preço do combustível deixa os capixabas ainda mais vulneráveis. Estamos instituindo um grupo de técnicos para propor alterações ao orçamento do governo e baixar o preço do combustível. Menos discurso, mais ação!”, escreveu ele no Twitter.
A postagem, que não dá detalhes sobre como o Estado poderia mudar a política de preços da Petrobras, não foi a única que teve como alvo o Palácio Anchieta. Nos últimos dois meses, das 30 postagens que fez na plataforma – muito utilizada pelos políticos –, 17 (56,6%) miravam o governo, seja no tema dos combustíveis ou da segurança pública.
Se analisar somente as postagens em redes sociais, é razoável concluir que o presidente do Legislativo declarou guerra ao governador. Porém, quando se observa as votações dos projetos do governo na Assembleia, sob a liderança de Erick, a conclusão que se chega é que o presidente age em perfeita harmonia e alinhamento com o Palácio Anchieta. Nenhuma matéria do governo foi rejeitada, postergada ou derrubada até hoje na Casa.
Na última terça-feira (26), após sete meses sem se falarem, o governador telefonou para Erick Musso. A conversa foi protocolar, com Casagrande pedindo ao presidente da Ales celeridade na votação do projeto que reestruturava e concedia reajuste salarial ao magistério. O pedido foi prontamente atendido. No dia seguinte e numa sessão extraordinária, a matéria foi votada, aprovada por unanimidade e encaminhada ao governador que a sancionou ainda na quarta-feira (27). E assim tem sido com tudo que chega à Ales do governo.
O “morde e assopra” de Erick não tem passado despercebido e nos corredores da Ales e do Palácio Anchieta já se especula sobre as motivações e projetos do presidente.
O que mudou?
Às vésperas da eleição da Mesa Diretora da Assembleia, em fevereiro passado, quando ainda não se havia batido o martelo sobre o nome do presidente Erick Musso à reeleição da presidência da Mesa, as conversas entre Erick e Casagrande eram constantes. O grupo do Republicanos buscava o apoio do governo para a reeleição de Erick e a aproximação envolveu até a Prefeitura de Vitória.
Nos bastidores, após uma reunião, PSB e Republicanos teriam chegado a um acordo: o governo apoiaria o presidente da Ales à reeleição, em troca do apoio do Republicanos à reeleição de Casagrande no ano que vem. O Republicanos faria parte do governo do Estado, com espaço na gestão até para indicar nomes, e o PSB faria parte na gestão do prefeito Lorenzo Pazolini, em Vitória. Governo e prefeitura se aproximariam, por meio de convênios e repasses.
A eleição da Mesa ocorreu e Erick foi reeleito com a bênção de Casagrande – com a bênção sim, mas não com os olhos fechados, já que os principais nomes de confiança do governador ficaram com as cadeiras de 1º e 2º secretários e com a presidência das principais comissões. Os dois caminhavam bem, apareciam juntos nos eventos e trocavam elogios publicamente.
Como exemplo da harmonia entre os dois chefes de poderes, numa postagem no Twitter datada de 9 de março, o presidente Erick Musso também reclamou do sexto aumento da gasolina, mas, na ocasião não culpou o governo do Estado e sugeriu outra solução.
Porém, não se sabe o que ocorreu, mas menos de um mês depois, o clima mudou e o tempo virou. No dia 5 de abril, numa mensagem enigmática sobre muros, gatos e cacos de vidro, Erick deu sua primeira alfinetada e, segundo bastidores, mirando o governo.
De lá pra cá, as postagens aumentaram e passaram de indiretas para diretas e direcionadas. Os discursos, na Ales, também subiram de tom.
Peças do tabuleiro
Coincidentemente ou não, a mudança de postura de Erick veio após algumas mudanças que o governador fez em sua equipe para acomodar aliados. O ex-prefeito Gilson Daniel, presidente do Podemos, assumiu a Secretaria de Governo e passou a ser um dos homens fortes da gestão. Tanto que, semana passada, virou alvo até dos deputados da base aliada que o acusam de ter interferido nos repasses do fundo da Educação aos municípios, o Funpaes.
Assim que foi reeleito à presidência da Ales, Erick passou a divulgar que não seria mais candidato à Assembleia e que poderia disputar de deputado federal para cima. Gilson Daniel também é pré-candidato a deputado federal, assim como outros nomes da cúpula do governo.
Segundo um deputado que tem bom trânsito com Erick e com o Palácio Anchieta, Erick teria percebido que, ao lado de Casagrande, não teria espaço e prestígio para as eleições do ano que vem, tendo em vista os muitos aliados do governador que já têm colocado o nome do mercado.
De acordo com esse parlamentar, Erick estaria conversando com o prefeito de Linhares, Guerino Zanon – cotado para ser pré-candidato ao governo –, que o teria garantido 25 mil votos no Norte, se ele disputar vaga à Câmara Federal. No dia 21 de julho, Erick chegou a postar uma foto com Guerino. O prefeito de Vitória, Pazolini, também teria dado a Erick a mesma garantia de votos na capital, o que seria muito mais vantajoso para Erick do que disputar voto a voto com os candidatos ao lado do governo. Todavia, fechando com Guerino, a postura de Erick passaria a ser, então, de oposição.
Friamente calculados
Há ainda a possibilidade de Erick Musso querer disputar o Palácio Anchieta. Embora candidaturas ao governo não sejam prioridades da Executiva nacional do Republicanos – a prioridade de investimentos seria para eleger deputados federais, senadores e governadores em 2022, nessa ordem – nada impede que Erick coloque seu nome para ser testado no mercado.
E, com essa intenção, as críticas ao governo do Estado se justificariam como uma estratégia de ganhar musculatura desgastando o governador, uma vez que se for mesmo candidato irá disputar contra ele, acreditam alguns deputados.
Isso também explicaria porque a artilharia não é voltada para os projetos do governo que correm na Ales, como já dito, sempre de forma célere. Uma vez candidato ao Palácio Anchieta, Erick sabe que seria cobrado caso tentasse “segurar”, para atingir o governo, projetos importantes para a população – é interessante notar também que antes de enviar projetos de impacto para a Assembleia, o governador faz questão de dar publicidade, em eventos ou lives, permitindo que todos saibam que ele fez e enviou e que, a partir de então, a responsabilidade seria da Ales.
Há ainda os parlamentares que apostam que Erick estaria “criando dificuldade para vender facilidade”, com a intenção de receber mais atenção por parte do governo e, talvez, até ser chamado para compor uma chapa como vice de Casagrande. Essa possibilidade, porém, não parece encontrar muitos entusiastas na cúpula palaciana, principalmente entre aqueles que já eram contra o apoio do governo à reeleição de Erick com base em outro episódio: a antecipação da eleição da Mesa Diretora em 2019 que pegou a todos, principalmente o governador, de surpresa, e pesa contra o presidente da Ales.
Bate e rebate
Na manhã deste domingo, o perfil no Instagram de uma assessora lotada na Secretaria de Estado do Governo (SEG) rebateu, com um meme, as críticas do presidente da Assembleia, Erick Musso.
Ela repostou uma montagem divulgada pela Frente Progressista em que Erick aparece com o uniforme do Posto Ipiranga segurando um cartaz com a inscrição: “Porque é melhor tirar recursos da educação, saúde e segurança pública do que mexer no lucro dos acionistas da Petrobras”.
Na legenda, a Frente chama o argumento do ICMS de desonesto e diz que Erick “luta por likes”. E diz que o pior é quando “o oportunismo se une ao vale tudo eleitoral”.
Petrobras na defensiva
O site da Petrobras traz na página inicial um artigo sobre como é composto o preço dos combustíveis e do gás de cozinha, com uma tabela de valores para cada estado. Na tabela, o litro da gasolina no Espírito Santo aparece com o valor de R$ 6,41 por litro. O litro mais caro está no Rio Grande do Norte (R$ 6,95) e o mais barato em São Paulo (R$ 6,02). Já o valor da botija de gás no Estado, conforme a tabela, aparece a R$ 98,60. O mais barato seria o botijão do Rio, a R$ 92,77, e o mais caro o de Santa Catarina, a R$ 110,73.
A Petrobras também fez uma seção de “Fatos e dados – verdades sobre os preços do gás de cozinha”, onde diz que o valor do gás de cozinha não passou a pesar mais no bolso do brasileiro e que a Petrobras não pode baixar seu preço. Também cita a “contribuição social” da empresa para o País.