Vereador faz afirmações falsas sobre vacina e compara passaporte sanitário ao nazismo

Vereador de Vila Velha, Romulo Lacerda, em discurso na Câmara de Vitória Crédito: Reprodução/Youtube

O vereador de Vila Velha Romulo Lacerda (PSL), em visita à Câmara de Vitória nesta segunda-feira (22), discursou contra a obrigatoriedade da vacina usando informações falsas sobre a eficácia do imunizante e seus efeitos no organismo, sobre a mortalidade infantil por Covid e ainda comparou o passaporte sanitário ao holocausto vivido por judeus durante a 2ª Guerra Mundial.

Romulo foi à Câmara da capital a convite do vereador de Vitória Gilvan da Federal (Patriota). Ele acompanhou a reunião e as votações da Comissão de Justiça e parte da sessão ordinária, que ocorreram na manhã de ontem. Acompanhando os dois, uma claque na galeria que os aplaudia a cada intervenção.

Na sessão, foi concedido ao vereador visitante um tempo de 15 minutos de fala (divididos em dois momentos) no espaço da Tribuna Livre da Casa e ele começou o discurso dizendo que sentia “inveja” da Câmara de Vitória por proporcionar o debate do “passaporte sanitário”, que ele depois chamou de “apartheid sanitário”. E disse ser totalmente contra impor uma vacina que está em “fase experimental” – o que é desmentido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

No último dia 30 de setembro, a Anvisa divulgou um comunicado esclarecendo que as vacinas em uso no Brasil não são experimentais e que todas tiveram a eficácia e a segurança avaliadas e aprovadas pela agência reguladora. “Todas as vacinas em uso no Brasil tiveram condução de estudo de fase três de pesquisa clínica e já encerraram esta etapa”, afirma o comunicado publicado pela Agência Brasil (agência pública de notícias).

Depois, para comparar sobre o tempo de duração da criação de vacinas de outras doenças, o vereador Romulo citou a dengue e disse que “só no Brasil a dengue mata mais de 200 mil pessoas por ano”, o que também não é verdade.

De acordo com o Boletim Epidemiológico da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, entre as semanas epidemiológicas 1 e 45 (de 03 de janeiro a 13 de novembro deste ano) ocorreram 494.992 casos prováveis de dengue com 212 mortes. Sendo São Paulo o estado que apresentou maior número de óbitos: 55. Os dados estão disponíveis no site do Ministério da Saúde.

Negação dos óbitos

E não parou por aí. O vereador de Vila Velha disse ainda na sessão da Câmara de Vitória, que é transmitida ao vivo pelas redes sociais do Legislativo, que “não morreu nenhuma criança, no mundo inteiro, de Covid”, para rejeitar a vacinação em crianças. A afirmação do vereador também não encontra base nos números oficiais.

Só no Espírito Santo, pelos dados do painel Coronavírus, foram 17 mortes de Covid entre crianças de 0 a 4 anos; quatro mortes de crianças de 5 a 9 anos e 28 mortes de crianças e adolescentes de 10 a 19 anos, segundo os dados atualizados até as 17 horas de ontem. No último mês de setembro, a Anvisa aprovou a vacinação de adolescentes.

Vacina de combate ao Covid não altera o DNA

Ele disse também que não se vacinou porque já teve Covid e por isso estaria com mais anticorpos do que os vacinados, o que é refutado por especialistas que já registraram casos de reinfecção, conforme reportagem do Folha Vitória sobre o tema. E falou que a vacinação não é a causa da redução das internações e óbitos por Covid, o que contrasta com os números oficiais, uma vez que o Brasil já chegou a ter quatro mil mortes por Covid num único dia e ontem (22) registrou 120. O próprio Ministério da Saúde faz relação entre o aumento da cobertura da vacinação com a redução dos óbitos.

O mais grave, porém, ainda estava por vir. Romulo disse que as vacinas mudam o DNA, o que tem sido a teoria da conspiração mais repetida por grupos antivacina e já foi desmentida por vários especialistas; disse também que o estado – do qual ele faz parte por ser um agente político – não quer o bem da população e comparou o “passaporte sanitário” com o holocausto e a política nazista: “Assim como foi feito no nazismo, eles desenhavam a estrela de Davi nos judeus e eles eram tratados como sub-raça. O passaporte sanitário, eles estão colocando no povo brasileiro a estrela de Davi, você vai ser visto como uma sub-raça”.

Três vereadores que tentaram argumentar contra as falas de Romulo foram vaiados por parte da galeria. O vereador Anderson Goggi (PTB) chegou a dizer que quem não quer se vacinar deveria assinar um termo de consentimento de também não utilizar a rede do SUS caso fique doente por Covid. Karla Coser (PT) disse que a mesma liberdade defendida por quem não quer se vacinar deveria ser estendida às empresas que têm o direito de exigir funcionários vacinados e Camila Valadão (Psol) disse que a fala de Romulo era antivacina e antiestado. A sessão na íntegra está disponível nas redes sociais da Câmara de Vitória.

Repúdio da Congregação Israelita

A Congregação Israelita Capixaba (Cicapi), que é ligada à Confederação Israelita do Brasil (Conib), reagiu após ouvir o discurso do vereador Romulo Lacerda. Em nota, a congregação repudiou a comparação entre o passaporte sanitário e o holocausto, feita pelo parlamentar, a qual chamou de “absurda e perigosa”.

“A comparação do passaporte sanitário com o horror que foi o Holocausto é absurda, perigosa e só demonstra a falta de conhecimento e a banalização do que foi o genocídio de 6 milhões de judeus. A história já nos mostrou o que acontece quando discursos como esse se tornam corriqueiros”, diz a nota assinada pelo diretor da Cicapi, Douglas Miranda.

Lei capixaba pune com multa

Não é a primeira vez – e nem deverá ser a última – que o microfone e o espaço dos Legislativos Brasil afora, mantidos com recursos públicos, são usados para discursos negacionistas e para a disseminação de desinformação. Desde que a “liberdade de expressão” passou a ser a desculpa geral para a defesa de todo e qualquer tipo de absurdo, ataques à honra de pessoas e discursos de ódio, as cenas se repetem.

No Estado, porém, está em vigor desde junho do ano passado lei do deputado Hércules Silveira que estabelece multa para quem dissemina mentiras sobre epidemias e pandemias. A lei foi regulamentada em setembro de 2020 e as denúncias podem ser feitas à Ouvidoria do governo (ouvidoria.es.gov.br) ou à Secretaria de Controle e Transparência (secont.es.gov.br).

Projeto retira obrigatoriedade de carteira de vacinação na matrícula

Reunião da CCJ da Câmara de Vitória
Crédito: Ascom/Câmara de Vitória

Na Comissão de Justiça, que ocorreu antes da sessão ordinária, foi aprovado o projeto 174/2021, do vereador Gilvan da Federal (Patriota), proibindo que seja exigida a vacinação ou a sua comprovação para o acesso a locais públicos e privados, sob a pena de multar as empresas que exigirem a comprovação da vacinação ou o passaporte sanitário.

O artigo 2º do projeto fala sobre a imunização de crianças. “O disposto nesta lei abarca inclusive o direito dos pais e responsáveis de matricularem seus filhos regularmente em instituições de ensino, esporte e lazer públicas ou privadas sem que lhes seja exigida a comprovação da imunização do menor ou pessoa sob sua guarda/tutela.”

No Estado, a obrigação dos pais ou responsáveis de apresentarem a carteirinha de vacinação na hora da matrícula escolar das crianças e adolescentes obedece à lei estadual 10.913/2018.

Os artigos 1º e 2º da lei dizem: “É obrigatória, em todo o território estadual, a apresentação do cartão de vacinação no ato da matrícula dos alunos de até dezoito anos de idade, em todas as escolas da rede pública ou privada, que ofereçam educação infantil, ensino fundamental e ensino médio. O Cartão de Vacinação deverá estar atualizado, contendo os atestados de todas as vacinas consideradas obrigatórias, em consonância com as disposições do Ministério da Saúde e da Secretaria de Estado da Saúde.”

Minuto de sabedoria

“Todos têm direito à própria opinião, mas não a seus próprios fatos”. Diz frase atribuída ao ex-secretário americano de Defesa e ex-diretor da CIA James Schlesinger.