A cena lamentável do agora ex-técnico do Desportiva Rafael Soriano agredindo, com uma cabeçada, a assistente de arbitragem Marcielly Neto, no intervalo da partida entre Nova Venécia e Desportiva pelo Capixabão, no domingo (10), rodou o país e ganhou repercussão internacional.
Diversas autoridades, de dentro e fora do mundo do futebol, repudiaram a agressão. Políticos capixabas foram a público cobrar punição. O técnico foi expulso do jogo, demitido do time e suspenso por 30 dias pelo Tribunal de Justiça Desportiva de Futebol do Espírito Santo.
A reação foi rápida e diversos segmentos da sociedade cobram uma punição mais severa para que cenas como essa não se repitam. Mas a agressão no campo de futebol, diante das câmeras, não se trata de um caso isolado. Pelo contrário, é mais um entre tantos outros casos, muitas vezes sem testemunhas, que apontam para um mal que assombra o Espírito Santo há décadas: a violência contra a mulher e os consequentes casos de feminicídios.
O Espírito Santo já ocupou o triste ranking de ser o estado mais perigoso para mulheres, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea). Em 2009 foram registrados, em solo capixaba, 11 homicídios para cada 100 mil mulheres. Índice muito acima da média nacional que, na época, era de 5,22 homicídios para cada 100 mil.
De lá pra cá, as taxas vinham caindo e chegaram a 4,4 homicídios a cada 100 mil mulheres, em 2019, segundo dados do Observatório de Segurança Pública do Governo do Estado. Mas, desde então, a taxa é crescente. Em 2020 foram registrados 4,9 homicídios/100 mil mulheres e, no ano passado, foram mortas 5,1 mulheres para cada 100 mil.
O ano de 2021 apresentou um aumento de 46,2% nos casos de feminicídio – que é quando a mulher é morta por questão de gênero, normalmente pelo companheiro ou pelo ex, depois de uma convivência marcada por violência física, psicológica, sexual e/ou patrimonial. Foram 38 casos durante o ano contra 26 registrados em 2020.
De janeiro a março deste ano foram registrados 28 assassinatos de mulheres no Estado. O número é 33,3% maior do que o registrado no mesmo período do ano passado, quando 21 mulheres foram mortas. Vila Velha é o município mais violento, somando 32% dessas mortes (9 crimes). Dos 28 homicídios, 6 (21%) foram registrados como feminicídio.
Políticas públicas são aplicadas pelo Estado. Além do trabalho ostensivo das forças de segurança, projetos como o “Homem que é homem”, da Polícia Civil, e o recém-lançado “Mulher Segura” – que consiste no monitoramento, por tornozeleira, do agressor, associado à medida protetiva concedida pela Justiça – são tentativas de se combater a violência doméstica.
Tentativas essas que muitas vezes são em vão quando cenas covardes como a do jogo no estádio Zenor Pedrosa acontecem. Ou quando mulheres, parlamentares, são desrespeitadas e mandadas calar a boca. Ou ainda quando mulheres, profissionais, são atacadas em sua honra.
Notas de repúdio não têm impedido o ciclo da violência contra a mulher capixaba. São necessárias ações, preventivas e punitivas, para que se interrompa essa marcha que tem o potencial de levar o Espírito Santo a ocupar novamente o triste e vergonhoso lugar que ostentou no passado.
O Estado que é nota A no equilíbrio fiscal e nas contas públicas, que foi considerado o mais transparente nos dados sobre a pandemia, que tem a capital como uma das 10 melhores cidades em qualidade de vida, que tem um Fundo Soberano para garantir o futuro das próximas gerações, que conta com belezas naturais e uma cultura capazes de encantar os turistas mais exigentes não pode aceitar conviver com tantos casos de desrespeito e violência à figura feminina.
E aqui cabe uma ressalva: o desafio de se combater a violência contra a mulher não é de um único ator, não é só das forças de segurança. Cabe também às famílias, às escolas, às igrejas, aos esportistas, aos políticos, às celebridades e a toda sociedade desconstruir os pilares do machismo que sustentam a desigualdade de gênero e a violência. E essa ação precisa começar já!