Se mais da metade da população votar nulo, a eleição é anulada? Eleitor que usar camisa do candidato será preso? Só o Brasil utiliza urna eletrônica? Urna já está programada para dar um determinado resultado?
Não tem jeito. A cada dois anos, no período eleitoral, as fake news (também conhecidas como boatos, desinformação ou mentiras) “aparecem” para confundir o eleitor. Algumas batem cartão em toda eleição e mesmo sendo sempre desmentidas, ganham muitos adeptos.
O programa “De Olho no Poder”, que foi ao ar nesta quinta-feira (04) na rádio Jovem Pan News Vitória (90.5 MHz), recebeu o juiz eleitoral Lauro Coimbra que aceitou o convite para esclarecer, se são verdadeiros ou falsos, os principais boatos que circulam em redes sociais e aplicativos de conversas.
Lauro é membro do TRE-ES e vai atuar na Corte durante as eleições. Segundo ele, será montada uma força-tarefa envolvendo o Tribunal, a Polícia Federal e as forças de Segurança do Estado para combaterem os crimes eleitorais e a propagação de fake news. “A tecnologia adotada está moderna para pesquisar quem cria e compartilha fake news. Vai ser feito um trabalho de inteligência”, disse ele, para evitar que a desinformação influencie no voto.
“Hoje, um dos principais temas da Justiça Eleitoral é o combate às fake news. A desinformação ataca de forma violenta a democracia, tira do eleitor o direito ao voto livre, sem influência, sem situações externas que podem alterar sua vontade. Fake news é um problema muito grave, mas o TSE, o TRE, os tribunais estão preparados para combater, estão com equipes técnicas para investigar esses crimes. O eleitor que divulgar fake news pode sofrer punições”, alertou.
Outro ponto que também preocupa o juiz eleitoral, além das fake news, é a segurança nas eleições com o clima hostil de polarização e episódios de escalada da violência. Segundo ele, haverá um reforço na segurança. “O TRE já fez várias reuniões com órgãos de segurança para traçar a estratégia, que não pode ser divulgada justamente para não atrapalhar esse programa que vai ser implementado nesse periodo eleitoral e no dia das eleições. Trabalho árduo de proteção do sistema eleitoral para viabilizar que o processo transcorra sem qualquer prejuízo”.
Embora tenha dito que haverá reforço na segurança, Lauro fez a ressalva que o Espírito Santo não tem histórico de violência eleitoral. “Como em toda eleição, vai ter reforço. Nosso Estado, em eleições anteriores, nunca teve intercorrência, apesar de haver polarização. Nunca tivemos situação de violência explícita, caso de morte ou de agressão generalizada por questão partidária, mas é claro, os órgãos de segurança sempre têm que ficar atentos para eventuais excessos. Mas o TRE está preparado e os eleitores podem votar despreocupados, de forma tranquila, que terão todo o aparato de segurança para que exerça o direito ao voto”.
O juiz também foi questionado sobre os ataques que o sistema eleitoral e ministros do TSE têm sofrido. “As instituições têm que ser respeitadas. Elas têm suas atribuições, devem exercê-las. Esses ataques devem ser analisados e repelidos, porque isso atinge a República, a democracia, o livre exercício do voto. São ataques infundados, têm que ser combatidos”. Ele disse, porém, que não vê nenhum risco à democracia. “As instituições são muito consolidadas e seguras. Acho que não existe nenhuma possibilidade de ruptura da democracia. Não vejo esse perigo”.
Abaixo, algumas das principais questões abordadas pelo juiz eleitoral. Ao final, a entrevista na íntegra com essas e outras questões.
1 – Se mais de 50% da população votar nulo, a eleição é anulada e uma nova é convocada com novos candidatos. Verdade ou mentira?
Em todas as eleições essa mentira volta. Os votos nulos e brancos não têm efeito jurídico nenhum nas eleições, mesmo que atingir mais de 50%, as eleições não serão anuladas. Isso é a interpretação errada de um dispositivo do Código Eleitoral que diz que se os votos forem cassados – eventualmente, no processo de abuso de poder econômico, como compra de voto –, se forem superior a 50%, uma nova eleição será convocada. Mas só nesse caso dos votos serem anulados judicialmente por um ato ilegal praticado pelo candidato.
2 – Se o eleitor votar só para presidente e anular os outros cargos, o voto para presidente também será anulado. Fato ou mito?
Não. Isso é mais um mito que precisa ser desmentido. Cada voto é contabilizado de forma individual. Então, votar ou não votar num candidato não interfere no voto subsequente. O que o eleitor precisa fazer é levar de forma clara o número dos candidatos corretamente, em ordem, para que não erre no momento do voto.
3 – O mesmo eleitor pode votar duas vezes, se for em cidades ou seções diferentes. Isso é possível?
Não. Não é possível. O sistema é bem fiscalizado e acompanhado e não tem essa possibilidade. Só pode votar uma vez e isso vai ficar contabilizado no sistema.
4 – As justificativas dos eleitores que não votam podem ser transformadas em votos válidos. Verdade ou mentira?
Isso não é verdade. Tem uma data que o eleitor pode se cadastrar para votar em trânsito. Por exemplo, o título é de Vitória, mas no dia da eleição, o eleitor estará em outra cidade. Então ele pode requerer ao TSE o voto em trânsito (o prazo para pedir o voto em trânsito termina no dia 18).
5 – Os partidos são obrigados a separarem ao menos 30% das candidaturas para as mulheres. Verdade ou mentira?
Verdade. A legislação exige que ao menos 30% das candidaturas dos cargos proporcionais sejam para mulheres. Isso é uma política pública importante para igualdade de gênero. As mulheres representam 53% do eleitorado brasileiro e ocupam 14% dos cargos eletivos. A participação feminina está muito aquém do merecido espaço que as mulheres devem ter em todas as áreas da vida, mas principalmente da política. O Judiciário tem julgado vários processos de cassação de mandatos de candidatos que foram eleitos mas usaram a cota de gênero de forma fraudulenta. Os partidos inseriram as mulheres como candidaturas “laranjas”, num preenchimento fictício dessa cota, lesando a participação feminina. Os partidos têm uma responsabilidade muito grande de fomentar as candidaturas para que as mulheres possam buscar melhores espaços na política.
6 – Os votos nas mulheres e nos negros contam em dobro. Sim ou não?
Sim e não. Todo voto é igual, universal para todas as pessoas. Mas essa questão tem sido comentada pelo seguinte: teve uma emenda constitucional recém-promulgada que diz que para assegurar a maior participação das mulheres e dos negros na política, deu a previsão que os votos dados para candidatos negros e mulheres sejam contabilizados em dobro no tocante ao Fundo Partidário e Fundo de Campanha (Eleitoral). Financeiramente falando dos recebimentos que o partido vai ter, sim, o voto da mulher e do negro será contado em dobro. Isso é mais um instrumento que o legislador colocou na Constituição para que essa igualdade de gênero e igualdade racial sejam implementadas. Mas é só na questão dos fundos de financiamento.
7 – O uso da Bandeira Nacional foi proibido na campanha e nas eleições. Procede?
Não. É um símbolo nacional, não há qualquer vedação do uso de um símbolo nacional na campanha. A bandeira pura e simples pode ser usada.
8 – O voto impresso é obrigatório e tem previsão em lei. Verdade ou mentira?
Isso é mentira, não tem previsão em lei. Existiu uma lei no ano de 2002 que previa que o voto seria impresso, mas foi revogada em 2003. Isso foi discutido no Congresso recentemente, mas o Congresso rejeitou essa proposta de lei.
9 – Quem não votar no primeiro turno está proibido de votar no segundo turno?
Não. Primeiro e segundo turnos são considerados duas eleições distintas. Se deixou de votar na primeira, nada impede de votar na segunda. Vai ter de fazer justificativa por não ter votado no primeiro turno, mas independente disso, nada impede de votar no segundo turno.
10 – Quem vestir camisa do candidato no dia da eleição pode ser preso?
Não. Ele pode ser preso se fizer qualquer ato para convencer outro eleitor a votar no candidato dele. Ele pode usar a camisa do candidato, mas não pode ficar na porta da seção eleitoral apontando para a camisa. Mesmo sem falar nada, isso é considerado pedido de voto e boca de urna. Mas fazer a manifestação individual e silenciosa é um direito do eleitor.
11 – Eleitor pode colocar o número ou o nome do candidato no caderno de assinatura que fica com o mesário, numa tentativa de querer depois somar os votos que o candidato recebeu?
Isso é totalmente vedado. O eleitor precisa entender que aquele caderno que ele assina é um documento público, então não pode fazer nenhuma inserção de dados. Aquele documento não lhe pertence. Inclusive, pelo Código Eleitoral, artigo 350, isso pode ser caracterizado como uma falsidade documental, ele pode ser penalizado com pena de reclusão de até cinco anos.
12 – A urna não é segura e o voto não é auditável. Fato ou fake?
É um fake muito grande. As urnas, desde 1996, quando tiveram sua (primeira) utilização nas eleições municipais, nunca apresentaram qualquer tipo de fraude. Tem mais de 30 barreiras digitais, os mecanismos são auditados constantemente por vários colaboradores e órgãos, que atestam e checam as informações. O sistema é seguro.
13 – Só o Brasil e mais dois países utilizam a urna eletrônica?
São 46 nações que utilizam esse sistema de votação. Não é só o Brasil.
14 – As urnas podem ser programadas antecipadamente para emitirem um resultado diferente ao dos votos?
Não, tem uma auditoria antes, tem a zerésima, tem uma votação paralela. Todos são instrumentos para checar, com várias ferramentas antifraudes que são acompanhadas pelo TSE e por diversas entidades. A população tem que entender que está dentro de um sistema eleitoral com tecnologia de ponta, um dos mais rápidos e eficientes do mundo. A população tem que ter orgulho do sistema eleitoral brasileiro. É um sistema transparente, eficiente e tem possibilidade de fazer auditoria.
15 – Candidato que disseminar fake news contra o processo eleitoral pode ter o mandato cassado?
Sim, tem essa possibilidade. Inclusive, já teve o caso de um deputado federal no Sul do País que teve o mandato cassado justamente por disseminar fake news no dia da eleição. E o eleitor também pode sofrer punições. Hoje, um dos principais temas da Justiça Eleitoral é o combate às fake news. A desinformação ataca de forma violenta a democracia, tira do eleitor o direito ao voto livre, sem influência, sem situações externas que podem alterar sua vontade. Fake news é um problema muito grave.
Mas o TSE, TRE, os tribunais estão preparados para combater, estão com equipes técnicas para investigar esses crimes. O eleitor que divulgar fake news pode sofrer punições, graves penalidades no aspecto criminal. É um alerta que fazemos: cheque as informações antes de passar, mesmo que você seja adepto a tal candidato ou ao partido político. Não pode querer alterar o voto, a vontade do outro com mentiras.