A Câmara de Vitória faz nesta sexta-feira (16), às 10 horas, uma sessão extraordinária para votar o projeto da Prefeitura que aumenta o salário dos agentes comunitários de saúde e dos agentes de combate às endemias. O salário, que varia de acordo com a região – conforme dados do Portal de Transparência da Prefeitura – passa a ser de R$ 2.424.
O projeto atende à Emenda Constitucional nº 120, aprovada no Congresso Federal em maio deste ano, que estabeleceu o piso para os agentes. Mas o projeto para regulamentar o salário só foi protocolado pela Prefeitura de Vitória no final da tarde de ontem, após o prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos) e o futuro presidente da Câmara de Vitória, Armando Fontoura (Podemos), chegarem a um acordo sobre o Orçamento do Legislativo para o ano que vem.
Isso porque o prefeito condicionou encaminhar o projeto à Câmara se os vereadores recuassem no valor da proposta orçamentária que havia sido protocolada na prefeitura. Na proposta, o Orçamento previsto para o exercício do Legislativo em 2023 era de R$ 76 milhões – R$ 44 milhões a mais do que o Orçamento deste ano, de R$ 32 milhões. Um aumento de 137,5%.
Uma reunião com os agentes já tinha sido convocada pelo prefeito (para as 11h de ontem) para passar detalhes sobre o reajuste salarial. Mas em vez de anunciar o projeto do piso, Pazolini falou sobre a proposta de Orçamento da Câmara.
“O orçamento da Câmara deste ano é R$ 32 milhões e está passando para R$ 76 milhões. Está aqui o documento comprovando, esse documento foi protocolizado às 19h02”, disse Pazolini, apontando para um slide no telão no auditório da Prefeitura lotado de agentes.
“A nossa equipe tomou conhecimento hoje desse possível aumento de 125% (137,5%). Qual é o nosso apelo? E os vereadores que estão aqui presentes eu peço essa ajuda: sensibilizar a Câmara de Vitória para que reveja isso. Sendo revisto, eu me comprometo a encaminhar o projeto o mais rápido possível, porque nós estamos perdendo R$ 40 milhões, que era exatamente os valores que nós utilizaríamos. É o dinheiro que precisamos para fazer o pagamento a vocês. Queria dar essa notícia final, mas surgiu esse percalço”, disse o prefeito à plateia, conforme vídeo que circula em grupos e redes sociais.
O prefeito disse que o governo federal não envia o valor suficiente para pagar o piso de todos os agentes e que por isso teria que utilizar recursos próprios, que somariam um valor de R$ 31,8 milhões até dezembro de 2024.
O vereador André Brandino, vice-presidente da Câmara, estava na primeira fileira e chegou a dizer que o Orçamento proposto não tinha sido votado. “Mas chegou à prefeitura”, respondeu Pazolini. Atrás de Brandino era possível ouvir o descontentamento dos agentes. “Vergonha”, “imoral” foram as palavras mais repetidas pela plateia sobre a proposta da Câmara. O clima ficou tenso para os vereadores presentes, a ponto de Pazolini pedir calma aos agentes.
Com a expectativa frustrada do envio do projeto, os agentes iniciaram uma manifestação em frente aos prédios da Prefeitura e da Câmara – ficam lado a lado. Já Brandino, que disse ter sido pego de surpresa, foi pressionado e teve de se explicar.
“De certa forma o clima ficou pesado. Mas como é a equipe de transição da Câmara (parte do atual presidente e parte do futuro presidente) responsável pela proposta de Orçamento, ficou bem entendido que eu e alguns vereadores não tivemos influência sobre esse Orçamento apresentado. Ficou bem claro que fui pego de surpresa, mesmo assim alguns agentes me pressionaram para buscar resolução”, disse Brandino.
Com os agentes pressionando os vereadores e tendo em vista que muitos são candidatos nesse ano – inclusive o atual presidente da Câmara, Davi Esmael (PSD) –, foi marcada uma reunião de urgência entre o prefeito, alguns secretários da gestão, Davi Esmael e Armandinho – o responsável pela proposta de aumento do Orçamento da Câmara. Os vereadores decidiram recuar e protocolaram uma nova proposta de Orçamento, dessa vez no valor de R$ 40,1 milhões, acordada com o prefeito. No final da tarde o projeto do piso foi protocolado na Câmara.
Como tudo começou
Armandinho foi eleito presidente da Câmara para o próximo biênio (2023-2024) prometendo investimentos e melhorias no Legislativo. Além de reformas na estrutura e nos serviços, como de internet, ele pretende implantar a TV Câmara, uma Procuradoria da Mulher, um Procon e abrir a Casa para atendimento ao público numa proposta parecida a que já existe na Assembleia Legislativa.
Nos bastidores, ele não era o nome preferido do prefeito para presidir o Legislativo, mas como conseguiu se articular e se viabilizar, conquistou os votos necessários para a eleição. Desde sempre ele se mostra contrário às devoluções de recursos da Câmara à Prefeitura. Afirma que o prédio do Legislativo é antigo, precisa de reparos e que os recursos tradicionalmente devolvidos ao Executivo no final de cada ano poderiam ser gastos em melhorias para o trabalho da vereança. Pois bem.
No último dia 30 de agosto, durante sessão ordinária da Câmara, Davi pediu à sua diretora financeira, Cristhina da Silva, que apresentasse o esboço da proposta orçamentária para o ano que vem. Cristhina apresentou uma proposta no valor de R$ 35.495.200.
Ela explicou que a Câmara, de acordo com a Constituição, pode receber até 5% da receita do município, que o Orçamento de 2022 representou 2,13% das receitas do município e que a proposta de 2023 representaria 2,57%. O valor separado para investimentos seria de R$ 600 mil ou 2% do duodécimo destinado à Casa.
Armandinho, que acompanhava a apresentação da Mesa Diretora, se mostrou insatisfeito com os números: “Não dá, bicho”, reclamou. E fez uma fala defendendo um orçamento maior ao Legislativo para garantir, segundo ele, “investimentos estruturais para a Casa, plano de cargos e salários para os servidores e publicidade dos atos da Câmara”.
Ele chegou a fazer uma fala de enfrentamento: “Essa Casa não é subserviente, esse presidente aqui não teve ajuda do Executivo para se eleger, eu fui eleito por vocês, senhoras e senhores. Meu compromisso não é com forças políticas, iremos imprimir um novo ritmo. Nós teremos sim condições de trabalhar dignamente”, disse Armandinho, remontando à sua eleição na presidência da Câmara.
Durante a sessão, outros vereadores como Karla Coser (PT), Maurício Leite (Cidadania), Baiano do Salão (PTB) e Dalto Neves (PTB) reclamaram da estrutura da Casa, do serviço de internet e até da água que escorre do ar-condicionado e molha computadores e funcionários nos gabinetes. “Até barata já caiu na minha cabeça”, disse Dalto.
Camila disse defender as melhorias, mas pontuou que não poderiam ser abusivas do ponto de vista orçamentário. Ao discursar novamente, Armandinho garantiu que iria reajustar a receita da Casa. “Tem que aumentar o Orçamento. Nós teremos a TV Câmara. Nós iremos investir. Tem gente que joga contra, quem joga contra o lugar não é aqui”.
Na ocasião, a coluna De Olho no Poder entrou em contato com interlocutores do prefeito que disseram não ter a menor condição da Prefeitura mais que dobrar o Orçamento da Câmara. Mas, nos corredores, Armandinho vinha dizendo que não iria abrir mão, que estava na lei, e que iria brigar por mais recursos. Armandinho ainda nem assumiu a presidência, mas já estava armado o palco para o que previa ser a primeira crise com o Executivo.
Pazolini, porém, não foi para o embate direto com Armandinho. Preferiu jogar para a plateia dos agentes comunitários que, enfurecidos, fizeram a cobrança. Alguns vereadores, sob reserva, falaram à coluna que o prefeito agiu com “chantagem”, que a lei permite que valores maiores sejam repassados à Câmara e que esse recurso não interfere no pagamento dos agentes.
Mas, em período eleitoral, ninguém quis enfrentar os agentes e nem a opinião pública – já que aumento de gasto para parlamentares costuma ser muito malvisto pela população. A jogada de Pazolini deu certo e nesse imbróglio ele levou a melhor. Resta saber se Armandinho vai engolir calado ou se vai dar o troco quando assumir o comando da Câmara. A conferir.