Nas ruas de Vitória, as cenas eram de caos. Bandidos metralharam um e atearam fogo em outros cinco ônibus do Transcol e num carro da reportagem, agredindo o cinegrafista e deixando o passageiro de um dos ônibus ferido com queimaduras. O motorista de um carro particular também foi ferido com estilhaços de uma bala perdida que atingiu seu veículo. No final da noite, na Serra, um sexto ônibus foi incendiado.
Durante o dia, linhas de coletivos foram tiradas de circulação, vias interditadas, aulas foram suspensas, trabalhadores sem ter como voltar para casa, sufoco, tiroteios e pânico com mensagens anônimas em grupos de WhatsApp ameaçando mais ataques – além de um perfil no Twitter se passando por porta-voz de uma facção criminosa.
Segundo a polícia, os ataques ocorreram como retaliação da facção criminosa Primeiro Comando de Vitória (PCV) à morte de Jonathan Cardoso, 26, apontado como membro da facção e segurança de Fernando Ferreira Pimenta, o Marujo – chefe do tráfico no Complexo da Penha e considerado um dos traficantes mais perigosos e procurados do Espírito Santo. Jonathan foi baleado num confronto com a Polícia Militar na noite de segunda-feira (10) e Marujo permanece foragido.
Mas não foram só os ônibus que pegaram fogo. A terça-feira de caos, a 19 dias da eleição de segundo turno, serviu de combustível para incendiar de vez a disputa eleitoral numa guerra de narrativas entre os candidatos ao governo e seus aliados. E, novamente, a questão do crime organizado foi para o centro do debate.
O primeiro embate foi na Assembleia Legislativa. Ainda no início da sessão, o candidato ao governo Carlos Manato (PL) esteve presente na Ales, se reuniu com o presidente Erick Musso (Republicanos) para adiar a votação do orçamento, cumprimentou deputados no plenário e assistiu parte da sessão.
Na parte das comunicações – período em que os parlamentares podem usar a tribuna para discursar –, deputados da oposição levaram as cenas dos primeiros ônibus atacados e culparam o governador Renato Casagrande, que tenta a reeleição, pela insegurança na capital.
O deputado Capitão Assumção chegou a anunciar que havia sido decretado toque de recolher em algumas regiões de Vitória e perguntou onde estaria o “Estado Presente” – programa de segurança pública do governo do Estado. Outros disseram que o Estado estava abandonado, enquanto Casagrande fazia campanha. Durante a tarde, o governador se reuniu com vereadores e o material do encontro foi distribuído pela assessoria por volta das 17h.
Mais tarde, nas redes sociais, vereadores de Vitória, que também fazem oposição ao governador, gravaram vídeos na frente de ônibus pegando fogo, pedindo Exército e Força Nacional nas ruas. O vereador Armando Fontoura, que vai presidir a Câmara de Vitória no ano que vem, fez um ofício ao Ministério da Justiça pedindo intervenção federal – embora esse pedido seja de competência do governador. Gilvan da Federal também fez vídeos.
O prefeito de Vitória, Lorenzo Pazolini (Republicanos), foi para a rua, com colete à prova de balas, e fez lives para atualizar sobre a prisão de suspeitos. À noite, Manato emitiu uma nota, afirmando ter entrado em contato, por meio do senador eleito Magno Malta (PL), com o ministro da Justiça, Anderson Torres, que teria se colocado à disposição do Estado.
“Estou acompanhando essa situação inadmissível do incêndio aos ônibus, acreditamos no trabalho da força de segurança local, mas desde já coloco o governo federal, a segurança pública e o Ministério da Justiça à disposição do governo do estado”, disse o ministro num áudio enviado a Manato e Magno Malta – este gravou um vídeo pressionando o governador sobre a situação.
Aliados de Casagrande reagiram. Também nas redes sociais, postagens levantaram a suspeita de uma ação orquestrada e do uso político dos ataques para promoção eleitoral. A deputada Iriny Lopes (PT) chamou as ações de suspeitas. “Quais os bastidores dessa tragédia de hoje?”.
Outros fizeram questionamentos na mesma linha, ironizando a “coincidência” dos ataques em meio à eleição de segundo turno.
Na noite de ontem, Casagrande deu uma coletiva e gravou um vídeo para as redes sociais. Na coletiva, ele disse que a polícia estava atuando e já tinha prendido 10 pessoas. Que a motivação dos ataques seria a morte de um criminoso e garantiu policiamento nas ruas.
Casagrande foi questionado se iria pedir reforço do governo federal. A coletiva foi antes do áudio do ministro da Justiça chegar ao Estado e Casagrande disse que, no momento, não vê necessidade de pedir a vinda da Força Nacional ao Estado, já que as forças de segurança locais estariam atuando e dando resultados.
Já para as redes sociais, o tom da fala de Casagrande foi direcionada aos adversários. “Infelizmente a gente tem que assistir lideranças políticas de forma leviana tentando usar esse fato para interesse eleitoral. Pessoas que deviam estar ajudando no enfrentamento ao crime, tentam tirar só proveito. Enquanto eu for governador não vamos deixar que milícias e nem grupos organizados comandem nossos territórios como acontece no Rio de Janeiro”, disse o governador.
A guerra do tráfico no Estado, principalmente na capital, não é recente. São comuns tiroteios em comunidades da capital pela disputa de territórios. Uma reportagem exclusiva da TV Record, ontem, mostrou que traficantes capixabas vão para o Rio de Janeiro aprender novas táticas e também abastecer o Estado com drogas e armas. Também mostrou que pelo menos quatro traficantes capixabas teriam fugido do Estado, buscando abrigo no Rio.
Do ponto de vista político, não há como negar que os episódios desta terça-feira geram desgaste. Mas, ainda é cedo para avaliar se irão impactar na corrida eleitoral e de quem. Vai depender do “day after” e do desfecho que será dado à crise.