O Ministério Público Estadual (MPES) e o Governo do Estado terão um reforço para monitorar, prevenir, investigar e coordenar ações de combate a atos que atentem contra o Estado Democrático de Direito. Ontem (11) foi instaurado o Gabinete Permanente de Crise no MPES e, hoje (12), o governador Renato Casagrande (PSB) assina o decreto para a criação também de um Gabinete de Gestão de Crise, que contará com a representação de outros Poderes e instituições.
Pelo menos outros quatro estados adotaram a mesma medida, que é a primeira resposta de peso aos ataques de domingo e após a reunião de emergência entre o presidente Lula e todos os governadores, na última segunda-feira. Os gabinetes vão concentrar as informações e investigações e agilizar as respostas para as muitas questões que ainda estão no ar.
É preciso entender qual foi o caminho, a dinâmica, o processo, os interesses que resultaram nas cenas de selvageria que o País lamentavelmente assistiu no último domingo. Para que a Justiça seja feita e também para evitar que tais episódios se repitam.
Quem são os capixabas que participaram?
A Polícia Federal terminou de colher os depoimentos e 1.159 pessoas suspeitas de envolvimento nos atos golpistas foram autuadas e encaminhadas para presídios. No domingo, outras 209 prisões já tinham sido realizadas.
Com milhares de pessoas para serem ouvidas, a Secretaria de Administração Penitenciária (Seape) do Distrito Federal divulgou apenas os nomes e a data de nascimento dos presos, sem identificar de que estado ou região seriam.
Do Estado, pelo menos seis ônibus, com cerca de 250 pessoas, partiram rumo a Brasília, entre quinta-feira (05) e sábado (07), segundo um dos organizadores da caravana. Entre os passageiros, pelo menos dois teriam sido presos ainda no domingo – um deles é o missionário Felício Manoel Araújo, o Felício Quitito, que chegou a gravar um vídeo de dentro do Senado Federal.
Não há uma identificação oficial dos capixabas que participaram dos atos golpistas, nem de como se deu essa participação. Também não se sabe ainda em quais crimes foram autuados e nem há uma definição se os detentos capixabas ficarão em Brasília ou se serão transferidos para o Estado. A dinâmica de como tudo foi planejado e ocorreu deve ser alvo dos gabinetes montados.
Quanto custou e quem financiou?
Quatro, dos seis ônibus que saíram do Estado na caravana para Brasília, foram patrocinados por um grupo de nove empresários, segundo um dos organizadores. Os ônibus foram fretados, saíram recolhendo passageiros pelo interior do Estado e cada um teria custado R$ 18 mil.
Em entrevista à coluna, o organizador da caravana afirmou que pelo menos uma vez por semana estava saindo um ônibus do Estado com destino à capital federal. E que alguns dos empresários que estavam custeando as despesas estariam fora do país, nos Estados Unidos.
Fora a viagem, em todos os acampamentos montados em frente a quartéis, havia estrutura de banheiros químicos, barracas, água e comida à vontade. Numa coletiva de imprensa, a procuradora-geral de Justiça do Estado, Luciana Andrade, disse que chegou ao conhecimento do MPES que pessoas estavam pedindo demissão de seus empregos para estar nos acampamentos, no que faz surgir o questionamento: Quem banca? E a troco de quê?
Não se combate um movimento golpista apenas detendo quem está na ponta. Até porque esses são peças fáceis de serem substituídas na engrenagem. É preciso identificar quem financia e mantém o projeto de pé, para que a fonte que está jorrando recurso para um golpe contra a democracia seque de uma vez por todas.
Quem deu a voz de comando?
Se mais de 100 ônibus de todas as regiões do Brasil chegaram à capital federal de uma só vez, isso aponta para uma coordenação nacional do movimento. A coluna apurou, com participantes de movimentos e grupos de direita no Estado, que o planejamento do ato teria partido de um movimento nacional que tem como liderança um deputado estadual de São Paulo e uma mulher.
Esse movimento teria ganhado força e sido reconhecido em 2020, quando foi montado um outro acampamento em Brasília liderado pela bolsonarista Sara Winter e o grupo dos 300. À época, houve um ataque de fogos de artifícios e rojões contra o prédio do STF e Sara acabou presa. Mas o grupo continuou se movimentando nos bastidores.
Quatro lideranças capixabas fariam parte desse grupo de abrangência nacional e teriam recebido a convocação para os atos do final de semana. O plano inicial era de ocupar os prédios do Congresso, do STF e do Planalto por vários dias, criando um caos social para forçar o Exército a tomar o comando do país.
A articulação desse grupo seria feita através do aplicativo de conversas Telegram, que foi alvo de decisão (ADPF 519) do ministro do STF Alexandre de Moraes. O ministro determinou, ontem, que o Telegram bloqueasse canais, perfis e contas de envolvidos com manifestações antidemocráticas, sob pena de multa diária de R$ 100 mil. Moraes determinou ainda que o Telegram forneça dados cadastrais ao STF.
Por que os ataques não foram detectados com antecedência?
Está sendo investigado se houve omissão ou conivência por parte das autoridades em Brasília durante as invasões e depredações dos prédios públicos. Mas a falha da segurança, intencional ou não, não ocorreu somente durante os atos.
O que explica a inteligência do governo federal e dos governos estaduais não terem conseguido detectar com antecedência os ataques? E se foi detectado, por que nada foi feito? E se foi feito, por que não se conseguiu evitar a quebradeira de domingo?
Não se trata de um caça às bruxas para se achar culpados, mas para identificar onde ocorreu a falha para que não se repita. O estado não pode ser pego de assalto por grupos que se articulam à luz do dia e debaixo do nariz das autoridades.
Ouvidoria do MPES já recebeu mais de 100 denúncias
Por outro lado, as autoridades de segurança pública não estão sozinhas no combate aos grupos que atentam contra a democracia. A indignação com o que aconteceu no domingo está fazendo com que a população se envolva e denuncie.
Em 48 horas, a Ouvidoria do MPES recebeu mais de 100 denúncias sobre capixabas que teriam participado dos atos golpistas. As denúncias citam não só quem participou – com nomes, fotos, endereços e postagens em redes sociais –, mas também quem teria financiado a viagem até a capital federal.
As denúncias serão encaminhadas para Brasília, mas também serão alvo de apuração do Grupo de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MPES. Será a primeira missão do Gabinete Permanente de Crise, instalado ontem pelo órgão.
Já o Gabinete de Crise do Governo do Estado, a ser anunciado na tarde desta quinta-feira, deve contar com representantes do MPES, do Tribunal de Justiça, das corporações policiais e de representantes da sociedade civil organizada.
Os ataques de domingo não geraram apenas indignação na população – pesquisa Datafolha divulgada ontem, mostrou que 93% da população condenam os atos –, mas também uma união entre os poderes e governantes. União esta talvez jamais vista na história recente do país.