O tiro que Armandinho deu no próprio pé

Armandinho Fontoura

Não se sabe se a ideia partiu do vereador Armando Fontoura, de sua defesa ou dos dois, em consenso. Fato é que a petição enviada para o ministro do STF Alexandre de Moraes na semana passada, pedindo autorização para Armandinho deixar o presídio, sob escolta, para tomar posse como presidente da Câmara de Vitória, no último domingo, acabou prejudicando o vereador.

Foi a partir desta petição que saíram as decisões judiciais de suspensão da posse como presidente e as mais graves: as duas decisões de suspensão do mandato de vereador por força de uma ação cível e de outra criminal. Além da manutenção da prisão preventiva.

Há um ditado popular que diz que numa situação crítica é preciso ter o entendimento de que “vão-se os anéis e ficam os dedos”. E esse discernimento teria faltado a Armandinho e à sua defesa, na visão de alguns juristas consultados pela coluna.

A leitura que muitos fazem sobre o caso é a de que foi dado muito mais peso para manter um cargo de poder, como a presidência do Legislativo (os “anéis”), do que o de preservar o mandato e buscar uma medida alternativa à prisão (os “dedos”) nas ações tomadas até agora pelo vereador e sua defesa. Soma-se a isso a postura de enfrentamento que Armandinho teria tomado após a prisão, segundo noticiou o Ministério Público do Estado (MPES) ao STF.

Sequência de ações questionáveis

Desde o último dia 27, quando a Câmara aprovou um precedente regimental para fazer uma nova eleição caso Armandinho não comparecesse à posse no domingo passado (1º) – o que seria considerado uma “renúncia presumida” –, a defesa se dividiu em duas frentes: buscar a revogação da prisão e manter o cargo de presidente de Armandinho.

A defesa entrou com recurso na Câmara questionando o precedente regimental e a tese de renúncia presumida. Mas o recurso nem chegou ao plenário, morreu ainda na Procuradoria que não admitiu a sua tramitação por não preencher requisitos técnicos.

No dia seguinte (28), a defesa então protocolou um mandado de segurança (nº 0009416-52.2022.8.08.0024) no plantão judiciário do Tribunal de Justiça do Estado para que o pai de Armandinho, por meio de uma procuração, assumisse a presidência da Câmara no lugar do vereador. Ou então que a Secretaria de Justiça, que é responsável pela custódia de Armandinho que está no Centro de Detenção de Viana, possibilitasse que o vereador deixasse o presídio, com escolta, para tomar posse como presidente da Câmara.

A defesa não teve êxito. O juiz plantonista Evandro José Ramos Ferreira entendeu que tomar posse por procuração seria uma matéria interna da Câmara “não devendo o Judiciário tomar para si tal deliberação” e que, uma vez que Armando estaria preso por ordem do STF, não caberia ao TJES decidir sobre sua liberação. “O requerimento para que participe da sessão para lá deve ser dirigido. Assim, não conheço do aludido pleito”, decidiu o juiz.

Os advogados, então, decidiram ir até o ministro Alexandre, pedir para que Armandinho saísse do presídio para tomar posse como presidente. E aí a situação, que já estava difícil, degringolou.

Na resposta do ministro (petição 10.590/ES), Alexandre começou a citar o relatório do MPES com as expressões usadas por Armandinho para se referir aos membros do STF: “bandidos togados”, “vagabundos que sequer foram eleitos”, “vergonha nacional”, “imperadores do Brasil”. Moraes afirmou que o discurso de Armandinho “ultrapassa o regular exercício da liberdade de expressão, em tom que se presta a incitar a subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática”.

Ministério Público do Estado propôs ações contra Armandinho

Disse ainda que “as inúmeras evidências colacionadas tanto na exordial quanto no que toca ao fato novo ora noticiado são mais do que suficientes à demonstração dos pressupostos autorizadores para a decretação da prisão preventiva de Armando Fontoura Borges Filho: existem indícios suficientes da materialidade delitiva e da autoria criminal (fumus comissi delicti) não só da ocorrência de crimes contra a honra, como também de milícia digital privada – tipos penais insertos no art. 138 (calúnia), art.139 (difamação), art.140 (injúria) e art. 288-A (milícia privada), todos do Código Penal Brasileiro, destacando que o último é punido com reclusão”.

O ministro termina afirmando que não haveria “qualquer plausibilidade no pedido”. “Não há qualquer razoabilidade que, no momento em que é investigado por condutas gravíssimas e com sua liberdade cerceada exatamente por ataques à própria democracia, Armando Fontoura Borges Filho assuma a chefia do Legislativo Municipal e passe a administrá-lo de dentro do presídio”.

Moraes indeferiu o pedido, suspendeu a posse e o exercício do mandato de presidente e ainda deu 48 horas para que o MPES informasse quais medidas criminais e cíveis havia tomado sobre o caso. Ou seja, ainda que conseguisse um habeas corpus antes do dia 1º e deixasse a prisão, com essa decisão, Armando não poderia mais ser o presidente da Câmara. E se não houvesse a intenção do MPES apresentar uma ação contra ele, agora o órgão teria 48h para fazê-lo. Como o fez.

No dia 1º de janeiro houve o ajuizamento, no plantão judiciário do TJES, de uma ação de improbidade administrativa com pedido de afastamento cautelar das funções, o que foi concedido, no mesmo dia pela juíza de plantão Giselle Onigkeit.

Também foi ajuizada uma denúncia criminal com pedido de medida cautelar de afastamento das funções públicas pela prática do delito de coação no curso de processo (artigo 344 do Código Penal). Os delitos teriam sido cometidos contra a juíza Gisele Souza de Oliveira e contra o promotor de Justiça Rafael Calhau Bastos e a ação foi deferida pelo juiz plantonista Felipe Bertrand Sardenberg Moulin.

Além disso, em resposta à determinação do ministro, o MPES se manifestou pela manutenção da prisão e do afastamento do cargo de Armandinho, afirmando que ele estaria desafiando a autoridade da decisão. Citou o vídeo que Armandinho fez, a caminho de se entregar à Polícia Federal, dizendo ser um preso político, citou as manifestações convocadas por Gilvan da Federal, postagens em redes sociais e defendeu que, mesmo estando preso, Armandinho estaria “fazendo uso do seu mandato para constranger autoridades”.

O MPES também pediu autorização para interrogá-lo e citou que a Câmara de Vitória não tinha tomado nenhuma providência sobre o caso, como a abertura de um processo por quebra de decoro, ou seja, joga pressão em cima dos outros vereadores para que votem sanções que podem chegar à cassação do mandato.

O órgão também pediu o compartilhamento do material recolhido pela Polícia Federal, que a Secretaria de Segurança Pública capture o único foragido (Max Pitangui) e que possa fazer o processamento pelos crimes contra a honra dos ministros aqui no Estado, conforme a coluna noticiou com exclusividade ontem.

Por fim, o novo presidente da Câmara de Vitória, Leandro Piquet, decidiu suspender o salário de Armandinho e aguarda um esclarecimento da Justiça para saber se exonera os servidores de gabinete dele. Piquet também não definiu se vai convocar o suplente.

Leandro Piquet foi eleito presidente / crédito: Câmara de Vitória

Outros caminhos

Advogados ouvidos pela coluna afirmaram que seria uma “aberração jurídica” e um ato totalmente contrário ao perfil do ministro Alexandre de Moraes se ele aceitasse o pedido feito pela defesa de Armandinho para tomar posse e exercer a presidência da Câmara de dentro do presídio.

Na visão deles, Armandinho teria que ter renunciado à presidência e pedido uma licença de seis meses para cuidar de sua defesa. Poderia também ter tentado um acordo com o Ministério Público. Isso afastaria a tensão de cima dele que, agora, corre o sério risco de perder o mandato.

Qualquer cidadão pode protocolar uma denúncia na Câmara por quebra de decoro contra qualquer um dos vereadores, mesmo durante o recesso porque há uma comissão representativa no Legislativo. Os advogados consultados pela coluna estão pessimistas com relação ao retorno de Armandinho para o mandato.

Defesa diz que agiu por estratégia

O advogado Carlos Zaganelli, que diz ser advogado particular de Armandinho há 10 anos e que já foi procurador-geral da Câmara de Vitória (em 2020), disse que a ideia da petição ao ministro foi dos advogados e do próprio vereador que estaria participando de todas as ações tomadas pela defesa.

“Ele não fica de fora de nenhuma decisão tomada pela defesa. Está ciente de tudo. Discutimos rotineiramente o que vai protocolar e o que não vai, ele assina tudo”, disse Zaganelli. Segundo o advogado, tudo que foi feito até agora parte de uma estratégia.

“Estou sentindo algumas críticas com relação à defesa, isso é comum. Mas a defesa trabalha em cima de uma estratégia. Existe um planejamento. Nem sempre uma derrota é algo ruim para um processo, às vezes precisa perder aqui para ganhar lá na frente alguma coisa. São etapas”.

Com relação ao “peso” dado para a questão da presidência da Câmara, disse que o pedido de liberdade provisória já foi feito. “A liberdade dele já foi peticionada ao ministro, minha ida a Brasília foi para despachar o pedido de liberdade provisória para ele, de tornozeleira, igual aos demais parlamentares. Outras petições já foram protocoladas”, disse Zaganelli.

Sobre o pedido ter acarretado em ações contra o vereador, enfatizou: “Não se faz uma petição de quase 50 páginas em um ou dois dias e ainda no pré-Réveillon. O MP já tinha uma estratégia montada, já tinha isso pronto, assim como também temos os nossos recursos prontos”, avaliou.

 

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