Em sua bio nas redes sociais, o senador Marcos do Val (Podemos) ostenta com orgulho que é “membro de honra e ex-instrutor da SWAT”, a elite da polícia americana. SWAT é a sigla para Special Weapons and Tactics, que em português significa “Armas e Táticas Especiais”.
Se faz necessário trazer essa definição aqui, logo no início, porque tudo que o mercado político fez nas últimas 24 horas foi se questionar qual seria a arma secreta ou a tática por trás que explique a sucessão de polêmicas e confusão que o senador capixaba se envolveu ao longo do dia de ontem (02). Foram várias versões para uma história cheia de lacunas, recuos e contradições que culminou com o senador tendo que depor na Polícia Federal.
Tudo começou com uma live que ele iniciou na madrugada de ontem para rebater o MBL. Pelos stories do senador no Instagram, foi possível acompanhar o quão irritado ele ficou por estar sendo chamado de traidor, por bolsonaristas, que implicaram com o abraço que ele deu no presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, cumprimentando-o após sua vitória contra Rogério Marinho (PL). Essa reação nas redes sociais teria sido motivada supostamente por postagens do MBL.
Ele iniciou a live e começou a chamar o MBL para participar, no que apareceram o coordenador do movimento, Renan Santos, e o ex-deputado Arthur do Val, o Mamãe Falei. Em dado momento, sem que nenhum dos dois tivesse perguntado, o senador afirma ter sido alvo de tentativa de coação por parte de Bolsonaro para dar um golpe de Estado.
“Eu ficava puto quando me chamavam de bolsonarista: ‘ah, o senador bolsonarista e tal’. Vocês esperem que eu vou soltar uma bomba para vocês. Sexta-feira vai sair na Veja a tentativa de Bolsonaro de me coagir para que eu pudesse dar um golpe de Estado junto com ele. É lógico que eu denunciei”.
Num primeiro momento, a fala passou despercebida, pelos políticos youtubers e pelos internautas que acompanhavam. Logo após a live, depois da 1h30 de ontem, Do Val postou em suas redes sociais que iria deixar a política.
Em tom dramático – “Por mais que doa, o adeus é a melhor solução para acalmar o meu coração”, escreveu Do Val –, e com uma justificativa pouco convincente, o senador disse que iria pedir seu afastamento do cargo e seguiria para os Estados Unidos. Nem uma palavra sobre o que acabara de falar na live com o MBL.
Foi só na manhã de ontem, depois que todos já estavam em busca de saber quem era o suplente – no caso, a suplente – que tomaria posse, que o trecho da live viralizou, o que fez com que também a revista Veja antecipasse sua matéria de capa “Proposta Indecente”, com todo o plano golpista para o qual o senador capixaba foi convidado a fazer parte e que, segundo a revista, recusou.
Daí por diante começou uma série de entrevistas, recuos e de versões diferentes dadas por Do Val sobre o caso. O dia de ontem fechou com muitas perguntas sem respostas e algumas a coluna vai destacar aqui:
Por que agora?
Algo que Do Val não explicou foi a razão de ter divulgado – seja para a revista, seja durante a live – só agora a trama que ocorreu na primeira quinzena de dezembro do ano passado.
Coincidentemente, a divulgação da reunião no Alvorada – em algumas entrevistas Do Val disse que a reunião foi na Granja do Torto – ocorreu no mesmo dia em que o ex-deputado federal Daniel Silveira foi preso, sob ordem do STF. A prisão não tem ligação com o caso, mas chama a atenção por ser Daniel Silveira o pivô de toda a história.
Ainda que a operação frustrada de golpe não fosse divulgada agora, uma vez Silveira estando preso, quais as chances de tal reunião permanecer oculta? Quanto tempo até as mensagens trocadas entre Silveira e Marcos do Val vazarem? Parece claro que, mais cedo ou mais tarde, o episódio viria à tona.
Dito isso, muito se especulou ontem se Do Val, imaginando que Daniel Silveira poderia ser preso logo que perdesse o foro privilegiado do mandato – como o foi –, não quis se antecipar para contar a sua versão da história, antes que a versão de Daniel Silveira, seja ela qual for, vazasse e ditasse a narrativa.
Por que a renúncia? Por que o recuo?
Outro ponto que carece de explicações foi o fato de Do Val anunciar nas redes sociais que iria abandonar o mandato e, cerca de 12 horas depois, recuar. Na postagem, ele alegou a falta de convivência com a família, principalmente com a filha, e os ataques que vêm sofrendo nas redes sociais.
Do Val é criticado por bolsonaristas e petistas que alegam ver nele um comportamento dúbio, de alguém que não assume um lado para militar. Ele recusa o título de bolsonarista, mas encampa as principais pautas do bolsonarismo e busca reconhecimento nesse eleitorado.
O senador tem uma atuação intensa nas redes sociais, com postagens no estilo “lacração”, alguns posicionamentos influenciados pelo que bomba na internet e muitas reclamações e lamentações quando é atacado ou criticado. Ele costuma também rebater e até bater boca em alguns posts.
Do Val não seria o primeiro parlamentar a abandonar o mandato por conta de ataques e ameaças, embora uma eleição ao Senado como foi a de 2018 no Estado – em que Marcos do Val aparecia nas pesquisas em quarto lugar e conseguiu superar os então senadores Magno Malta e Ricardo Ferraço –, seja difícil de se conquistar.
Mas, chama a atenção a rapidez com que ele recuou em sua decisão e os motivos alegados. Em entrevistas, ele disse que o telefonema da filha, o apelo dos colegas e da equipe e o compromisso com o trabalho o fizeram repensar. O que não resolve, porém, o motivo alegado por ele para se afastar – distanciamento da família e os ataques. A questão familiar continua e pode ser que os ataques até aumentem. Então, por que ele recuou? Uma hipótese é que os reais motivos possam ser outros.
Bolsonaro falou ou não falou?
Outro ponto que falta esclarecer é sobre a participação do ex-presidente Bolsonaro no plano. Na live, Do Val disse, com todas as letras, que Bolsonaro tentou coagi-lo para dar um golpe de Estado.
Depois, ao longo do dia, Do Val disse que o plano foi de Daniel Silveira e que o presidente Bolsonaro estaria apenas ouvindo, balançando a cabeça, tendo falado só no final, na despedida, que aguardaria uma resposta do senador.
A mudança da versão teria ocorrido, segundo o jornal Estadão, após Do Val conversar com o senador Flávio Bolsonaro, filho do ex-presidente. A nova versão amenizaria a participação de Bolsonaro no episódio.
No final do dia, porém, a revista Veja divulgou um áudio em que o senador diz que partiu de Bolsonaro a ordem para gravar Moraes, citando inclusive o GSI – o que Do Val também negou em entrevistas depois. A função do GSI seria fornecer os equipamentos para que a gravação apócrifa fosse feita.
Saber detalhes do encontro cabe à investigação policial, mas pouco muda no desdobramento do caso. O fato de Bolsonaro estar presente, falante ou calado, numa reunião onde é arquitetado um plano para gravar um ministro, anular as eleições e impedir a posse de Lula, é grave e pode trazer ainda mais implicações contra o ex-presidente.
Como assim ir para o PL?
Outro ponto que gerou perplexidade no mercado político foi o fato de Do Val revelar que na quarta, durante a eleição do Senado, teria comunicado à presidente do seu partido, Renata Abreu, que estaria de mudança do Podemos para o PL.
Ora, a eleição do Senado ocorreu poucas horas antes de Do Val, na live, ter feito a denúncia contra Bolsonaro, que é exatamente a maior figura política do PL.
A revelação das mensagens trocadas entre Do Val e Daniel Silveira também caíram como uma bomba no partido justamente no dia marcado para o depoimento do presidente do PL nacional, Valdemar Costa Neto, à Polícia Federal.
Como Do Val iria para o mesmo partido que ele colocou na mira das investigações com a denúncia? Como, depois do escândalo, seria correligionário de Bolsonaro? É uma movimentação no mínimo estranha diante do cenário posto. Soma-se a isso o fato de Do Val viver repetindo que não é bolsonarista e nem de extrema-direita.
Em tempo: conforme a coluna noticiou ontem, o presidente do Podemos capixaba, Gilson Daniel, negou que Do Val tivesse comunicado ao partido sua desfiliação. E o senador Magno Malta, que preside o PL no Estado, disse, por meio de sua assessoria, que desconhece qualquer convite de filiação feito pelo PL a Do Val.
São muitas pontas soltas no caso que ainda levanta outras questões: a tal proximidade, citada por Do Val com relação ao ministro Alexandre, com declarações de que o ministro teria até lhe orientado a participar do encontro com Bolsonaro, teria como intenção levantar suspeita sobre a lisura do magistrado na condução do caso? A divulgação das mensagens teria potencial para dar gás à abertura da CPI de 8 de janeiro, da qual Do Val é um entusiasta? Qual a razão do senador não ter feito uma denúncia formal sobre o que ouviu na reunião com Bolsonaro e Daniel Silveira? Ele prevaricou?
Muita coisa ainda está nebulosa nesse caso. Há muito o que se descobrir. O que é inegável é que houve na reunião, tenha acontecido no Alvorada ou no Torto, uma intenção clara de ruptura à ordem democrática. E isso precisa ser apurado e punido.