A sessão da Assembleia na manhã desta quarta-feira (15) foi palco do primeiro embate entre a base aliada e a oposição e, com a ajuda de alguns aliados, o governo sofreu sua primeira derrota no plenário do Legislativo.
O embate ocorreu durante a votação do projeto 75/2023, de autoria do governo do Estado, que institui uma bolsa-estudante para alunos matriculados na 4ª série do Ensino Médio das escolas da rede pública.
Trata-se de uma medida para evitar a evasão escolar, justamente no final do ensino médio quando muitos estudantes deixam a escola para ingressar no mercado de trabalho. O valor da bolsa, segundo o projeto, seria de R$ 400.
Porém, durante a votação do projeto nas comissões, o deputado Fabrício Gandini (Cidadania) apresentou uma emenda dobrando o valor da bolsa, que passaria a ser de R$ 800.
A votação estava sendo conduzida pelo presidente da Comissão de Justiça, Mazinho dos Anjos (PSDB), que chegou a dizer que usaria do prazo regimental para analisar a emenda. Ele acabou recuando, a pedido de outros deputados, uma vez que a próxima sessão será só no dia 27, por conta do feriado de Carnaval.
Defendendo que a emenda seria inconstitucional, por criar despesas para o governo e por não ter apresentado o impacto financeiro, Mazinho rejeitou a emenda. Mas, Gandini apelou para a votação em plenário.
Por ser quarta-feira, alguns deputados estavam fora do plenário, acompanhando a sessão por meio virtual, como o líder do governo Dary Pagung (PSB) que pediu para que a emenda fosse rejeitada. Coube a Tyago Hoffmann (PSB), porém, fazer a articulação no plenário, com os deputados, para que o projeto fosse votado sem a emenda. Ele chegou a se comprometer em levar uma indicação ao governo pedindo o aumento do valor da bolsa.
Mas, irredutível, Gandini não retirou a emenda e ganhou o apoio da oposição e também de alguns aliados que passaram a defender a proposta do deputado do Cidadania.
Subiu o tom
Tyago, então, fez uma fala mais incisiva e enfatizou que se a emenda fosse aprovada, o projeto poderia ser vetado e os estudantes ficariam sem a bolsa. “Essa Casa será responsabilizada”, alertou Tyago. Ele também reagiu à postura de Gandini: “Não estou entendendo o ímpeto de Vossa Excelência”.
A fala foi entendida como ameaça por Gandini que rebateu subindo o tom: “Se vetar, nós derrubamos o veto. Vai interromper a discussão com ameaças, com medo e terrorismo?”. Os dois chegaram a bater boca, enquanto a base batia cabeça sobre a votação.
Por se tratar de um projeto com forte apelo popular – um auxílio financeiro para estudantes – votar não à emenda poderia ser entendido – e traduzido por alguns agentes políticos nas redes sociais – como um voto contrário ao povo (leia-se também eleitor). Por outro lado, votar a favor da emenda poderia ser entendido como se posicionar contrário ao governo, autor da matéria.
Para piorar ainda mais a situação da base na sinuca de bico em que se encontrava, Gandini pediu votação nominal – que é o tipo de votação em que o deputado é chamado pelo nome e expõe o voto no microfone.
Já a oposição ria à toa e, na última sessão antes do Carnaval, enxergou a possibilidade de colocar o bloco na rua. Votou em peso a favor da emenda do deputado da base aliada.
A emenda de Gandini venceu por um voto de diferença. Foram 13 votos favoráveis e 12 contrários. Além dos deputados do bloco liderado por Hudson Leal (Republicanos), votaram a favor da emenda o autor (Gandini) e os deputados da base: Adilson Espíndula (PDT), Xambinho (PSC), Zé Esmeraldo (PDT), Theodorico Ferraço (PP) e Vandinho Leite (PSDB).
Ao justificar seu voto, Vandinho deu a deixa do que estaria por trás da movimentação de Gandini: uma desigualdade no atendimento a deputados da base.
“Alguns deputados são muito atendidos e outros deputados são pouco atendidos. O deputado Gandini deu uma grande contribuição nesse início de legislatura. O governo precisa refletir se não quiser jogar sua base na oposição, se não for essa a intenção”, disse Vandinho num recado direto ao Palácio Anchieta.
Vandinho também aproveitou para alfinetar Tyago: “Se tem alguém que ameniza isso é o líder do governo, Dary, que é bombeiro, é educado e tenta ver o melhor caminho para todo mundo”. A fala foi entendida como uma indireta à movimentação feita por Tyago no plenário, chamada de “política de ameaça e terrorismo” por Gandini.
Exoneração de indicados motivou?
A postura de Gandini, considerado um dos aliados de primeira hora do governo – que na legislatura passada presidiu a mais importante comissão da Ales (Comissão de Justiça) –, gerou estranhamento no plenário.
Nos corredores, parlamentares se perguntavam o que teria motivado o deputado a ser o pivô de um embate que começou primeiro entre aliados e que depois abarcou a oposição. Não demorou muito para os olhos se voltarem à publicação do Diário Oficial do Estado desta quarta-feira (15).
A Secretaria de Estado do Esporte (Sesport), sob o comando do petista José Carlos Nunes, exonerou diversos cargos de gerência da pasta. Um deles trata-se de um indicado de Gandini – Anael Rodrigues Parente – que ocupava o posto de gerente de Esportes, de Formação e Rendimento.
Gandini confirmou que Anael foi exonerado e que seria aliado dele. Mas negou que a motivação de ter proposto uma “emenda-bomba” ao projeto do governo tenha sido essa.
“Sobre isso (a exoneração) eu já tinha sido informado desde que a secretaria foi para o PT. Eu me senti desrespeitado quando falaram que eu não poderia apresentar uma emenda. É minha atribuição, sou membro da Comissão de Educação, tentaram me atropelar e eu reagi”, disse Gandini. Segundo o deputado, o servidor exonerado será nomeado em seu gabinete na Ales.
Outros cargos foram exonerados na Sesport e, segundo interlocutores do governo ouvidos pela coluna, seriam ligados aos deputados Xambinho e Zé Esmeraldo. Os dois deputados foram procurados pela coluna, para se manifestarem a respeito da votação e da suposta exoneração de indicados no governo, mas ainda não retornaram ao contato.
Após a emenda ser aprovada, a votação do projeto, agora com a emenda, foi adiada para depois do Carnaval. O governo ganha um fôlego para tentar reverter a situação ou aceitar a primeira derrota com o gosto amargo de ter partido de um aliado.