Gandini fora da base: Da lua de mel à (definitiva?) separação

Fabrício Gandini em sessão / crédito: Ales

Após ser o pivô da primeira derrota palaciana sofrida no plenário da Assembleia Legislativa, o deputado Fabrício Gandini (Cidadania) anunciou que não faz mais parte da base aliada do governo. “Vou ter um movimento mais independente, tomei essa decisão depois de um período grande de reflexão, estou fora da base e é irreversível”, disse Gandini à coluna.

O próprio movimento que fez na sessão de quarta-feira (15), quando conseguiu impor sua emenda a um projeto do governo e contra a orientação do Palácio Anchieta, já seria fruto dessa decisão. “Discuti o projeto já na condição de independência”, afirmou o deputado.

Ele nega que a exoneração do seu aliado Anael Parente de uma gerência da Secretaria de Estado de Esporte (Sesport) tenha sido o motivo para declarar sua independência do governo, conforme já tinha antecipado para a coluna. Afirma que, apontando para isso, o governo quer desqualificar o debate.

O desprestígio, amargado já há algum tempo, tanto pelo Cidadania quanto pelo próprio deputado, e a eleição municipal (ano que vem tem disputa para Prefeitura de Vitória) seriam responsáveis pela decisão de Gandini. Nesse sentido, a exoneração do aliado teria sido apenas a última gota que fez transbordar o copo cheio de insatisfações que Gandini acumula com relação ao governo.

Mas, nem sempre foi assim. Cidadania e PSB já foram aliados de primeira hora, refletindo essa parceria no governo do Estado e da capital.

No início, lua de mel

A aliança do Cidadania, de Gandini, com o PSB, do governador Renato Casagrande, é antiga. E teve seu melhor momento quando o próprio Gandini foi indicado para ser vice-governador na chapa de Casagrande em 2014. Na época, o Cidadania era o PPS e Gandini presidia a Câmara de Vitória. A capital era comandada pelo prefeito Luciano Rezende, do mesmo partido de Gandini.

Casagrande perdeu, mas a aliança entre os dois partidos e suas lideranças permaneceu, inclusive custou um preço alto para a Prefeitura de Vitória, que amargou anos difíceis por ser aliada de Casagrande e oposição ao governador eleito à época, Paulo Hartung.

Em 2016, Luciano Rezende (Cidadania) tentou a reeleição e o PSB indicou o seu vice, Sergio Sá, para a chapa. A dupla saiu vencedora, reforçando ainda mais a parceria.

Dois anos depois, quando Casagrande se candidatou novamente ao governo, pôde contar com o partido em sua coligação e chegou até a cogitar ter o Cidadania novamente em sua chapa como vice, com Lenise Loureiro. Depois de eleito, Casagrande prestigiou o partido com cargos no primeiro e segundo escalões do governo.

Crise dos 7 anos

Mas, se em 2013 e 2014 a relação entre PSB e Cidadania era de lua de mel, em 2020 começou a esfriar. O Cidadania esperava que o governo apoiasse Gandini à Prefeitura de Vitória, mas o PSB lançou candidato próprio – Sérgio Sá –, que havia rompido com Luciano Rezende. Gandini nem chegou a ir para o segundo turno, o que aumentou o desgaste com o ninho socialista.

O Cidadania continuou na base de Casagrande, o apoiou à reeleição no ano passado – com direito à presença do ex-prefeito Luciano pedindo voto no palanque –, mas o partido perdeu seu lugar de prestígio na cúpula palaciana para outras legendas.

Além de não ocupar cargos relevantes na gestão, o Cidadania pouco estaria participando, como aliado, dos debates e das decisões de governo.

É certo que o partido é federado com o PSDB, que tem o vice-governador e secretário de Desenvolvimento, Ricardo Ferraço. Mas, o Cidadania mesmo não conta com assento no 1º escalão. A Secretaria de Turismo, que na gestão passada pertencia ao partido, foi para o PDT. E o chefe da Casa Civil, Davi Diniz, que era do Cidadania, se desfiliou em 2019.

Eleição da Mesa = divórcio?

Além de perder espaço no governo, o Cidadania também perdeu espaço na Assembleia. E perdeu justamente para o PT, a quem faz oposição.

Antes dessa Mesa Diretora ser formada, Gandini era cotado para ser o primeiro secretário da chapa encabeçada pelo presidente Marcelo Santos (Podemos). Mas, acabou perdendo o posto para o deputado João Coser (PT), numa costura feita pelas mãos do governo.

Para que Gandini não fosse totalmente retirado da Mesa, ainda foi tentado que ele ocupasse a terceira secretaria, mas aí foi ele que não quis. “Fui convidado para compor a Mesa, mas não estava muito a fim de ficar nessa composição não, com o Coser. Não é nada contra o Marcelo”, disse Gandini à coluna, no dia da eleição da Mesa Diretora.

Embora a presença de Coser o incomodasse, nos bastidores foi o rebaixamento da primeira para a terceira secretaria que o chateou mais. Gandini, porém, conteve o descontentamento, para não influenciar no seu pleito pela presidência da Comissão de Meio Ambiente, que ele acabou conquistando.

A exoneração de um dos seus aliados na quarta-feira – por parte do governo, mas por meio do secretário José Carlos Nunes (PT) – somou na relação que já estava desgastada e ruim há muito tempo.

“Não foi de ontem pra hoje. Já estou há algum tempo repensando meu posicionamento. Ao fim da eleição teve um certo afastamento no diálogo tanto com o partido quanto com o parlamentar, por parte do governo e do próprio Casagrande. Dialoguei algumas coisas com o Diniz (chefe da Casa Civil), mas também houve um distanciamento. Percebi que essa desconstrução da relação está ocorrendo já há algum tempo e chegou o tempo de tomar essa decisão, que será importante para a construção do meu mandato e para a construção do partido no Espírito Santo”, disse Gandini.

Vai ter reconciliação?

A coluna apurou que o governo vai esperar a poeira baixar, o Carnaval passar, para conversar com Gandini. A Casa Civil deve aguardar para ver como se darão as próximas sessões para então abordar o deputado, que é ainda considerado da base aliada.

Há um desejo do Palácio de aparar as arestas, de ouvir o deputado. De tentar amenizar um pouco de suas insatisfações.

Porém, a postura de Gandini também mira a eleição de 2024, que já está posta até mesmo pelas articulações vistas no próprio plenário da Assembleia.

Os bastidores da disputa pela Prefeitura de Vitória, que envolve Gandini e outros atores, será tema de uma próxima coluna.

 

LEIA TAMBÉM:

Com ajuda de aliados, governo sofre primeira derrota na Assembleia