O governo do Estado e a Polícia Federal assinam na manhã desta segunda-feira (06) – no gabinete do governador Renato Casagrande (PSB), no Palácio Anchieta – um acordo de cooperação técnica e um aditivo para que as polícias Militar, Civil e Penal façam parte da Força-Tarefa de Segurança Pública (FTSP).
A força-tarefa – que foi montada logo depois que o delegado federal Eugênio Ricas assumiu a Superintendência da PF-ES – já conta com a presença da PF, da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e das guardas municipais de toda a Região Metropolitana do Estado. E as forças de segurança estaduais já tinham sido convidadas para fazer parte, mas não aderiram.
A ausência do Estado na força-tarefa chegou a ser usada por adversários políticos contra o governo. Nos bastidores, o motivo do governo estar de fora seria por conta de divergências na visão sobre a segurança pública e também por questões políticas.
Nenhuma palavra foi dita à luz do dia, mas havia um certo ruído, um clima de estranhamento no ar entre o governo e a PF, que começou após Ricas assumir a superintendência. Talvez por Ricas ser, à época, mais próximo do ex-governador Paulo Hartung do que de Casagrande, ou por conta do ensaio que o delegado fez de tentar uma candidatura ao Palácio Anchieta.
Há quase um ano, no dia 10 de março de 2022, Ricas deu uma entrevista ao programa De Olho no Poder, veiculado na rádio Pan News Vitória, em que admitia a possibilidade de se desincompatibilizar da chefia da PF-ES para disputar o governo do Estado. Na ocasião, ele estava de férias e cogitou nem voltar para reassumir o posto.
Ricas tinha sido convidado pelo PSD, numa costura que envolvia Hartung, lideranças ligadas ao ex-governador e o presidente nacional da legenda, Gilberto Kassab. Porém, ao saber que teria de participar de uma espécie de prévias dentro do partido contra o ex-prefeito de Linhares Guerino Zanon, Ricas desistiu da aventura política e decidiu continuar à frente da Polícia Federal.
Coincidentemente, uma semana após a entrevista, foi deflagrada pela PF a operação Volátil 2, que mirou supostas fraudes na compra de álcool em gel pelo governo do Estado durante a pandemia e atingiu o então subsecretário da Agricultura, que foi afastado de suas funções. A PF chegou a pedir a prisão do servidor, mas a Justiça negou.
“Não há qualquer tipo de guerra de vaidade”
Na entrevista que deu ao programa da coluna, Ricas foi questionado sobre a força-tarefa. Ele explicou que a coordenação da Polícia Federal era apenas na área administrativa, que todos os entes trabalhavam lado a lado e que as decisões operacionais eram compartilhadas.
Ao ser questionado sobre o motivo das forças de segurança estaduais não participarem da força-tarefa, Ricas explicou que elas foram convidadas, mas que houve uma certa resistência.
“A PM, a PC, a Polícia Penal são parceiras imprescindíveis, têm informações importantíssimas das organizações criminosas, mas quando nós mandamos o termo de cooperação técnica e o plano de trabalho, o governo do Estado devolveu com uma série de questionamentos. Não é um projeto do Eugênio, não é um projeto da Polícia Federal do Espírito Santo, é um projeto nacional. Eu encaminhei esses questionamentos à direção geral da PF e ainda não tivemos retorno. Mas, independente disso, nós estamos de portas abertas. O capixaba quer ver as polícias trabalhando juntas para frear a onda de insegurança”, disse Ricas, à época.
Os questionamentos, segundo Ricas, seriam sobre um eventual protagonismo da instituição. “O governo entendeu que a Polícia Federal teria um papel de protagonista e que esse papel deveria caber a todas as forças. Nós já informamos que não há esse protagonismo, a coordenação que a Federal faz é administrativa, nós pagamos todos os custos, luz, água, vigilância do local, diária dos policiais que vêm de fora e atuam lá. Mas, no âmbito operacional e estratégico, essa coordenação é totalmente compartilhada. Então, não há qualquer tipo de guerra de vaidade por parte da força-tarefa, nem de nossa parte”.
Ele explicou que, para iniciar determinada investigação, por exemplo, todos os entes sentam na mesa e votam. Todos têm peso de voto igual. Ganha a maioria. Na entrevista, Ricas disse que chegou a se reunir com os secretários da Segurança e da Justiça para tratar do assunto, mas recebeu os questionamentos que foram encaminhados para Brasília.
Força-tarefa sob o comando do Estado Presente?
Três meses depois, em 23 de junho, o atual secretário da Segurança Pública, coronel Alexandre Ramalho, também deu uma entrevista ao programa De Olho no Poder e foi questionado sobre as falas do superintendente da Polícia Federal.
Na ocasião, Ramalho tinha deixado a pasta de Segurança e pleiteava, junto ao seu partido (Podemos) e ao governador, a vaga na chapa do governo para disputar o Senado – ele acabou disputando uma vaga de deputado federal, mas não conseguiu se eleger.
Questionado se havia algum ruído na relação da Sesp e do próprio governo com a Polícia Federal, Ramalho negou, chegando a chamar Ricas de “amigo”. Mas disse que foi solicitado à Polícia Federal para que a força-tarefa estivesse debaixo do comando do programa Estado Presente, que é tocado pelo governo do Estado.
“É uma parceria importantíssima. O que aconteceu é que realmente um programa de segurança ele é estadual, ele é coordenado dentro do programa Estado Presente, que analisa todos os dados, índices de criminalidade, e é analisado pela pessoa do governador. O que nós pedimos é que fosse estabelecido um protocolo dentro da força-tarefa e que a força-tarefa estivesse no guarda-chuva do Estado Presente”, disse Ramalho à época.
Ele contou que até sua desincompatibilização, não havia recebido resposta de Ricas sobre o assunto, apenas que a proposta teria sido encaminhada para Brasília. “Mas, independente da força-tarefa idealizada, quero destacar a integração com as forças, temos operações conjuntas com a PRF, com as guardas… Numa instância mais técnica da investigação, a Polícia Federal sempre foi parceira”, justificou Ramalho no programa.
No último sábado, Ricas escreveu e publicou no jornal A Gazeta um artigo contando a novidade com entusiasmo. Ele disse que a missão da força-tarefa vai além de produzir só “inteligência”. “O objetivo final, portanto, é identificar as organizações criminosas, prender seus integrantes e retirar todo seu patrimônio”.
Ele também fez um balanço sobre as atividades: “Desde a constituição da Força-Tarefa de Segurança Pública do Espírito Santo, em novembro de 2021, muito trabalho de qualidade já foi realizado. A partir de sua formação, a equipe dedicada à FTSP já prendeu 79 pessoas, apreendeu 57 armas, 20.824 munições, 435 quilos de cocaína e mais de um milhão de reais em espécie. A tendência, a partir de agora, é que os resultados sejam ainda mais expressivos, com a participação das forças de segurança estaduais”, disse Ricas.
Não se sabe (ainda) quem cedeu, se os questionamentos e pedidos do governo do Estado foram atendidos ou se o governo recuou em suas ressalvas. Fato é que, além das questões políticas, que parece terem sido superadas, quem ganha é a população capixaba com mais um reforço na segurança pública.