A Promotoria de Justiça da Improbidade da Serra instaurou um procedimento e mandou desarquivar outro para investigar supostas irregularidades na votação do projeto 167/2023 na Câmara da Serra na última quarta-feira (10).
Aprovado numa sessão-relâmpago e extraordinária, com quase nenhuma publicidade e transparência, o projeto reajustou o salário dos vereadores da Serra em 92% – saindo dos atuais R$ 9.208,33 para R$ 17.681,99 – e vai passar a valer na próxima legislatura (2025-2028).
Conforme noticiou a coluna De Olho no Poder, o projeto não constava na pauta da sessão ordinária de quarta-feira. Ele foi protocolado às 17h50, quase duas horas depois do início da sessão. Por volta das 18h45, a sessão ordinária foi encerrada e uma sessão extraordinária foi convocada, sem que a Mesa Diretora desse detalhes sobre o projeto que entraria em votação.
Toda a sessão não durou 7 minutos. A primeira secretária da Mesa Diretora, vereadora Elcimara Loureiro (PP), leu o projeto correndo: “Projeto de lei número 167/2023, da Comissão de Finanças, fixa o subsídio dos vereadores da Câmara Municipal da Serra para a 20ª legislatura, que se inicia em 1º de janeiro de 2025 e se encerra em 31 de dezembro de 2028”, disse a vereadora, em 11 segundos.
Em nenhum momento foram citadas as palavras “aumento”, “reajuste”, “acréscimo” e muito menos o valor final do subsídio dos parlamentares e o impacto financeiro. O painel foi aberto para que os vereadores votassem e foram necessários apenas dois minutos e um segundo para que a votação fosse encerrada aprovando o projeto com 12 votos favoráveis e 9 contrários.
Veja aqui como votou cada um dos vereadores
Nenhum dos parlamentares presentes discutiu o projeto ou justificou. Nem os que votaram contra. A sessão durou 6 minutos e 55 segundos e logo após o término da votação, foi encerrada.
Pelas imagens da gravação da sessão – que só foram disponibilizadas cinco horas após o término da votação, já na madrugada de quinta-feira (11) –, é possível notar os vereadores deixando o plenário rapidamente. Alguns, antes mesmo da sessão terminar oficialmente.
Tanto na quarta como ontem, a coluna tentou falar com o presidente da Câmara, Saulinho da Academia (Patriota), e com a assessoria de imprensa da Casa. Mas eles não retornaram aos contatos da coluna que foram feitos por mensagem, telefone e e-mail.
Veja como foi a sessão extraordinária:
O fórum e as Medidas do MPES
Horas antes da polêmica votação do aumento do salário, o MPES participou, por meio da Promotoria de Justiça da Improbidade da Serra, do lançamento do “Fórum Legislativo Municipal”, que se trata de um esforço de vários segmentos da sociedade civil em busca de legislativos mais transparentes, íntegros e éticos. Aliás, a Promotoria foi uma das idealizadoras do projeto.
A Câmara da Serra foi escolhida para participar do projeto piloto, que vai usar uma metodologia de avaliação inspirada no Índice de Transparência e Governança Pública. A ferramenta serviu de base para a avaliação dos Portais de Transparência das 78 prefeituras capixabas em 2022 e a expectativa é que saia o primeiro diagnóstico da Câmara da Serra em dezembro.
Nas redes sociais, o presidente da Câmara chegou a comemorar: “A Câmara Municipal da Serra será a primeira Casa de Leis capixaba a participar dessa iniciativa excepcional! Estou extremamente orgulhoso de sermos pioneiros nesse movimento que, em breve, será estendido para os demais municípios do Espírito Santo”, escreveu Saulinho numa postagem em seu perfil do Instagram com fotos de representantes do MPES, de outros Poderes, da ONG Transparência Capixaba e de outros grupos e movimentos que atuam no município.
Porém, após a votação e a repercussão negativa principalmente com relação à forma como a sessão se deu, o que ficou foi um mal-estar daqueles e a foto da comemoração envelheceu rápido.
Assim que o MPES tomou conhecimento, pela imprensa, “de supostas irregularidades no processo legislativo de votação realizado na sessão extraordinária da quarta-feira (10/05) na Câmara de Vereadores da Serra”, já tomou três providências, segundo nota encaminhada à coluna.
“O MPES, considerando que tramitou na Promotoria de Justiça o procedimento nº 2022.0015.2306-29, que versava sobre a ausência de transparência nas votações da Câmara de Vereadores da Serra, determinou o desarquivamento dos autos para nova análise e tomada de diligências cabíveis, em virtude dos fatos novos noticiados”, diz trecho da nota.
Em novembro do ano passado, a Promotoria enviou à Câmara a notificação recomendatória 06/2022 após também tomar conhecimento da falta de transparência em votações e sessões do Legislativo.
À época, a Promotoria resolveu “recomendar à Câmara Municipal de Serra/ES que mantenha regularmente a disponibilização, em tempo real e de forma clara e fidedigna (sem omissões), de todas as informações relacionadas às sessões públicas de votação no plenário da Câmara Municipal de Serra/ES, especificando de forma objetiva os votos pormenorizados dos vereadores presentes, inclusive, devendo constar na ata da sessão, imediatamente após sua formalização”.
Como a recomendação teria sido cumprida pela Câmara à época, o procedimento foi arquivado. Porém, agora será reaberto para novas diligências, juntamente com o novo procedimento que foi instaurado: “Também foi instaurado, de ofício, novo procedimento para investigar eventuais irregularidades de tramitação do processo legislativo de votação, sob o número 2023.0010.6539-61”, diz a nota, sobre a segunda medida adotada.
Ou seja, uma votação de dois minutos resultou na abertura e reabertura de duas investigações. A Promotoria também pediu explicações ao presidente da Câmara. “Por fim, o MPES informa ainda que foi enviado ofício à presidência da Câmara de Vereadores solicitando esclarecimentos em relação à aprovação do projeto de lei, em relação ao rito do processo legislativo”.
Nota-se que o questionamento não é nem sobre o aumento em si, mas com a forma como ocorreu a votação, que careceu de transparência, publicidade e participação popular. Tudo que a Câmara da Serra se comprometeu a entregar ao fazer parte do fórum recém-criado.
Em tempo: Em 2020, o Tribunal de Contas do Estado realizou uma auditoria para avaliar os Portais de Transparência das prefeituras e câmaras municipais. Foram verificados mais de 200 itens, sob a ótica do conteúdo e da qualidade das informações. Os temas avaliados incluem, entre outros: despesas, receitas, licitações, contratos, pessoal, gestão fiscal, patrimônio e produção legislativa. Das 78 câmaras, a da Serra ficou em 56º lugar com relação à transparência.
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