O presidente da Assembleia Legislativa, Marcelo Santos (Podemos), está andando com escolta. Policiais militares da reserva, que atuam na Ales por meio de um convênio de cessão entre o Legislativo e a PM, estão fazendo a segurança pessoal do deputado em eventos fora da Ales e até mesmo no gabinete.
Eles ficam na sala do lado de fora da presidência e quando Marcelo participa de uma agenda externa, a comitiva chega aos lugares, às vezes em até dois veículos oficiais – sendo que um seria ocupado somente pelos seguranças.
A medida é recente e chamou a atenção, provocando alguns questionamentos nos corredores da Ales: estaria o presidente do Legislativo correndo algum risco? Teria sido ameaçado? O que teria acontecido para que, de uma hora para outra, ele passasse a andar com seguranças? Nos bastidores, alguns parlamentares também estranharam a medida.
A Assembleia, porém, negou que tenha ocorrido qualquer ameaça. Disse que a medida foi adotada por protocolo, por ser, Marcelo, chefe de um Poder. “Não há nenhuma exigência do presidente. A escolta ocorre por orientação da Diretoria de Segurança Legislativa, conforme protocolo adotado para os chefes de Poderes”, disse a assessoria de comunicação da Ales, em nota à coluna De Olho no Poder.
A assessoria confirmou que os policiais que estão atuando na segurança pessoal do presidente fazem parte do convênio que cedeu militares para atuar na Ales. “A Assembleia Legislativa, assim como outros poderes, possui em sua estrutura a Assessoria Militar composta por oficiais da PM à disposição. O convênio com a PM existe desde 2016. (…) Portanto, não há qualquer novidade quanto a este assunto”.
De fato, a Ales tem, desde 2016, um convênio com a PM para a cessão de militares da reserva para “atuar na execução de serviços de guarda e vigilância armada, nas dependências da Ales e seu entorno, auxiliar administrativo militar e guarda na torre de TV no Morro da Fonte Grande”.
O convênio foi assinado, à época, pelo então presidente Theodorico Ferraço, e previa a cessão de 20 militares da reserva – 18 praças e dois oficiais – a um custo, para os cofres da Ales, de R$ 712.833,52. O convênio tinha validade de dois anos prorrogáveis por mais dois.
Em 2021, com um novo presidente (Erick Musso), a Assembleia renovou o convênio de cessão (nº 004/2021), aumentando o número de policiais e o valor. Passou a ser 25 policiais (23 praças e 2 oficiais) a um custo de R$ 2.298.818,24. Esse ano, já com a Ales sob o comando de Marcelo Santos, o convênio foi prorrogado por mais dois anos, no valor de R$ 3.140.886,20.
Portanto, o convênio em si não é novo. Novidade é, porém, a medida de disponibilizar os policiais do convênio para a escolta do presidente da Ales, uma vez que os ex-presidentes Theodorico e Erick nunca contaram com segurança pessoal.
Tem previsão legal?
Segundo a assessoria da Assembleia, tanto o convênio de cessão quanto a Resolução 3.420/2013 – que trata da estrutura organizacional da Ales – teriam previsão para a adoção da segurança pessoal do presidente. “A Resolução da Ales número 3.420/2013 também prescreve que a Diretoria de Segurança Legislativa deve disponibilizar segurança ao presidente em todo o território nacional”, diz a nota.
De acordo com a Resolução 3.420/2013, a diretoria tem como âmbito de ação: “A gerência dos serviços de segurança do Poder Legislativo; a gerência e a orientação do emprego do efetivo policial militar disponibilizado pela Assessoria Militar da PM à Ales; a segurança do presidente do Poder Legislativo em todo o território nacional; a segurança dos deputados e de todos os servidores que estiverem a serviço, dentro do território do Espírito Santo, quando determinado pelo presidente”, entre outras coisas.
Já o convênio de cessão 004/2021 (que é o que está em vigor) traz como objeto a cessão dos 25 militares da reserva remunerada, “conforme plano de trabalho (anexo I) especialmente elaborado”.
O plano de trabalho diz que cabe aos praças: “a execução de serviços de guarda e de vigilância armada nas dependências da Ales e de seu entorno, guarda na torre de TV e auxiliar administrativo militar”. Já aos oficiais, a atuação é de: “supervisão da execução do serviço dos praças, acompanhamento e execução das demandas emanadas da Diretoria de Segurança Legislativa”.
Não há, portanto, pelo menos no objeto do convênio, menção explícita à escolta ou segurança pessoal do presidente da Assembleia. A atuação dos militares, segundo o plano de trabalho, está atrelada a serviços de vigilância, guarda patrimonial e auxiliar administrativo militar. O convênio diz ainda, na cláusula 10ª, que as partes poderão alterar o convênio mediante assinatura de termo aditivo, mas que é vedada a alteração do objeto.
A assessoria da Ales diz, porém, que a previsão estaria inserida na descrição das metas a serem alcançadas com o trabalho dos militares – ponto do documento que vem logo após o objeto do convênio.
“O que se pretende com a utilização dos militares da Reserva Remunerada realizando a execução dos serviços acima elencados é minimizar as possibilidades de ocorrências de furtos e outros delitos de menor potencial dentro das dependências da Ales, balizar uma administração alinhada com o praticado no Quartel do Comando Geral da PMES, além de melhorar a segurança dos parlamentares interna e/ou externamente, dos servidores, do público que frequenta a sede do Poder Legislativo e do próprio patrimônio público existente”, diz trecho do documento.
Segundo a Assembleia, a meta de “melhorar a segurança dos parlamentares interna e/ou externamente” justificaria a adoção da segurança pessoal para o presidente.
Há controvérsias
Parlamentares e juristas ouvidos pela coluna, sob reserva, divergem, em parte, do que chamam de “interpretação elástica” que a presidência do Legislativo estaria dando tanto à resolução quanto ao convênio. E os burburinhos já rondam os corredores da Ales.
Há uma avaliação de que os militares não estariam submetidos à Resolução 3.420/2013 por não serem servidores da Assembleia, por isso não teriam a obrigação de garantir “a segurança do presidente do Poder Legislativo em todo o território nacional”. Que isso deveria ser exercido por servidores da Ales contratados para esse fim e que a função dos PMs se resumiria à vigilância e guarda patrimonial.
Outra avaliação é que se o convênio cita que uma das metas é “melhorar a segurança dos parlamentares interna e/ou externamente, dos servidores, do público que frequenta a sede do Poder Legislativo”, então, o benefício não deveria ser exclusivo do presidente, mas estendido a todos os demais 29 parlamentares e também aos servidores.
Qual a política de escolta do Estado?
De acordo com a Secretaria de Estado da Segurança (Sesp), os pedidos de escolta policial para autoridades públicas, independente de qual Poder pertençam, passam pelo crivo da Sesp antes de serem atendidos.
“Após a solicitação da autoridade, a Subsecretaria de Estado de Inteligência realiza uma análise de risco, em cima das informações repassadas pelo solicitante, no sentido de embasar a decisão e necessidade da escolta e impedir qualquer tipo de pedido irregular”, diz trecho de nota da Sesp encaminhada à coluna.
Em 2017 foi publicada a Lei 10.794/2017 que dispõe sobre o serviço de proteção pessoal aos agentes públicos sob ameaça e risco de morte. O artigo 2º diz que “o serviço de proteção pessoal será executado por policiais civis ou policiais militares, designados pelo secretário de Estado da Segurança Pública e Defesa Social especialmente para essa finalidade”.
A Sesp não informou se houve algum pedido de escolta partindo da Assembleia ou de algum deputado estadual. E sobre a questão dos militares da reserva atuarem na segurança pessoal do presidente informou que “a partir do momento que os militares são cedidos para uma instituição, quem decide sobre a atuação é a própria instituição”.