Não se sabe se faltou costura política, se o sono bateu, se não houve atenção, se votou enganado ou se foi por discordar mesmo da proposta. Fato é que quatro, dos 10 deputados federais capixabas, votaram contra o destaque (emenda) apresentado pelo deputado federal Da Vitória (PP) durante a votação da PEC da Reforma Tributária, que tinha por objetivo manter os incentivos fiscais dos governos às empresas, sem redução, até 2032.
Pela PEC, a redução dos incentivos fiscais será gradual, a partir de 2029, até a extinção dos benefícios, em 2032. Embora a redução seja mínima (10% ao ano), Da Vitória entendeu que poderia prejudicar o Espírito Santo e apresentou o destaque que, segundo informou à coluna, teria sido alinhado com a bancada federal capixaba, a qual coordena. A coluna noticiou o destaque horas antes da votação da PEC.
Ainda assim, os deputados Helder Salomão (PT), Jack Rocha (PT), Paulo Foletto (PSB) e Victor Linhalis (Podemos) votaram contra o destaque. A votação no plenário ficou em 344 votos contra o destaque e 147 a favor, além de duas abstenções. Por 37 votos, Da Vitória não conseguiu emplacar seu destaque. Não que os quatro votos dos capixabas fossem mudar o resultado, mas a votação da bancada chamou a atenção.
Três dias
A sessão de votação da Reforma Tributária foi cansativa. Foram três dias – da noite de quarta-feira (05) até o final da tarde de sexta (07) – de discussões, articulações e votações madrugada adentro. Só para votar o 1º turno foram 11 horas de discussão e mais de 80 discursos.
Um texto denso, complexo e longo que, para piorar, ainda foi modificado algumas vezes e disponibilizado pouco tempo antes da votação – embora o debate sobre o novo sistema de tributação já fosse de conhecimento público há mais de seis meses.
Na quinta-feira (06), durante as discussões para a votação da PEC em 1º turno, Da Vitória conseguiu apoio do líder do seu partido, André Fufuca, para protocolar um destaque que pedia para votar em separado o parágrafo único do artigo 127 da PEC. O destaque foi protocolado pelo bloco que o PP e outros oito partidos – União Brasil, PSDB, Cidadania, PDT, PSB, Avante, Solidariedade e Patriota – fazem parte.
Esse artigo trata dos incentivos fiscais dados pelos governos para atrair empresas aos seus territórios. A Reforma Tributária acaba com esses incentivos – com o objetivo também de acabar com as renúncias e guerras fiscais –, mas os que já foram convalidados serão mantidos, até no máximo 2032. A partir de 2029, porém, o texto da PEC prevê que os incentivos sejam reduzidos gradativamente, até se encerrarem em 2032.
O artigo 127 diz:
“De 2029 a 2032, as alíquotas dos impostos previstos nos arts. 155, II, e 156, III, da Constituição Federal, serão fixadas nas seguintes proporções das alíquotas fixadas nas respectivas legislações:
I – 9/10 (nove décimos), em 2029;
II – 8/10 (oito décimos), em 2030;
III – 7/10 (sete décimos), em 2031;
e IV – 6/10 (seis décimos), em 2032.Parágrafo único. Os benefícios ou incentivos fiscais ou financeiros relativos aos impostos previstos nos arts. 155, II, e 156, III, da Constituição Federal, não alcançados pelo disposto no caput deste artigo ou no art. 3º, § 2º-A, da Lei Complementar nº 160, de 7 agosto de 2017, serão reduzidos na mesma proporção.”
O que o destaque de Da Vitória previa? Que os benefícios fiscais, que vão até 2032, não sofressem a redução gradativa a partir de 2029. Segundo ele, isso beneficiaria o Espírito Santo – que é um estado exportador e produtor – mas também outros estados com o mesmo perfil.
Os destaques foram colocados em votação logo após a aprovação do texto-base em 1º turno. O destaque proposto por Da Vitória foi o de número 13 e foi o penúltimo a ser votado, tendo iniciado sua discussão por volta da 0h10.
Muitos parlamentares já não estavam no plenário, mas como é possível votar por meio do sistema, a presença não era obrigatória, embora, fora do plenário, poucos acompanham as discussões.
Da Vitória subiu à tribuna para defender o destaque: “Nós aprovamos aqui, em 2021, a extensão dos incentivos fiscais até 2032. Nós precisamos manter aquilo que já é lei e já está pactuado. É o mínimo que devemos fazer, que é a atribuição desse imposto a partir de 2032. O Espírito Santo depende disso, é vital que nós possamos manter os nossos incentivos fiscais”, disse Da Vitória.
Depois, ao orientar o voto, Da Vitória liberou os partidos do bloco em que o PP faz parte para cada um votar segundo a consciência, mas fez um apelo: “Não dá pra mudar o jogo no meio do caminho, enfiando um punhal naquele que acreditou no estado. Esse destaque não muda a espinha dorsal da PEC. Precisamos manter a lei 186”.
A lei a que Da Vitória se referiu é a Lei Complementar 186, de 27 de outubro de 2021, que alterou a LC 160, de 2017, para prorrogar por até 15 anos os incentivos fiscais vinculados ao ICMS.
O deputado federal Gilson Daniel (Podemos) também fez coro a Da Vitória na defesa do destaque: “Quero me juntar ao Da Vitória na defesa do Espírito Santo. A regra do jogo essa Casa já votou, esse destaque é somente para manter a regra do jogo. O Espírito Santo precisa dos incentivos fiscais. Foram os capixabas que me trouxeram a essa Casa, por isso eu não voto contra o Espírito Santo. Apelo aos parlamentares a prorrogação até 2032, para que o Espírito Santo não seja penalizado”, pediu.
Fundo de Compensação
O relator da reforma, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), também subiu à tribuna e rebateu o discurso de Da Vitória. Ele disse que os benefícios fiscais estavam garantidos e que a PEC cria um Fundo de Compensação para amenizar as perdas – o que era um pleito do Espírito Santo também.
Na PEC, o texto que trata sobre o assunto está dessa forma:
II.3.3.1.1.14. Tratamento para os Benefícios Fiscais de ICMS Convalidados:
“Seguindo diretriz do Grupo de Trabalho da Reforma Tributária, cuidamos para que os benefícios fiscais do ICMS convalidados até 2032 pela Lei Complementar nº 160, de 7 de agosto de 2017, sejam respeitados. Para isso, utilizamos dois mecanismos.
O primeiro foi o de iniciar o prazo de transição do ICMS em 2029, de forma que só haverá alguma perda a ser compensada para os benefícios que ainda vigorarem entre 2029 e 2032.
O segundo foi criar um Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais ou Financeiros-fiscais, a ser distribuído de modo a compensar as perdas de 2029 a 2032 com incentivos e benefícios fiscais ou financeiro-fiscais de ICMS concedidos por prazo certo e sob condição até 31 de maio de 2023, nos critérios, limites e procedimentos definidos em lei complementar.
Os aportes de recursos neste fundo serão feitos exclusivamente pela União, que somarão mais de sessenta bilhões entre 2025 e 2032, se considerada a atualização monetária. A União deverá complementar esses valores caso se mostrem insuficientes para as compensações devidas, e eventual saldo financeiro existente em 31 de dezembro de 2032 será transferido ao FNDR.
Por fim, os recursos recebidos desse fundo estão também excetuados das bases de cálculo ou limites de despesas consideradas nas regras fiscais”.
A PEC deixa claro, porém, que o fundo de compensação vai ao encontro das perdas dos contratos assinados até 31 de maio deste ano. O destaque de Da Vitória abria a possibilidade de, além de não ter a redução dos incentivos até 2032, novos contratos assinados após 31 de maio poderiam também contar com a isenção integral.
Quem discursou contra o destaque de Da Vitória, alegou que a proposta iria contra o coração da reforma, que tem como um dos principais objetivos acabar com os benefícios fiscais e, consequentemente, com a guerra fiscal entre os estados. Também foi dito que essa política, a longo prazo, não trouxe benefícios para a população e que a renúncia fiscal prejudicaria os estados com uma arrecadação de receita menor, gerando lucro apenas para as empresas.
Já quem defende esse tipo de política pública, alega ser a única forma de atrair investimentos em locais mais afastados dos grandes centros de consumo e menos desenvolvidos. A chegada de uma empresa num desses locais, por exemplo, gera emprego para a população local e movimenta toda uma cadeia econômica. Os benefícios fiscais dados às empresas seriam uma forma de compensação aos custos com transporte e logística dos bens produzidos longe dos locais de consumo.
“Espírito Santo não irá perder”
Os petistas Helder Salomão e Jack Rocha seguiram a orientação do partido e votaram contra o destaque de Da Vitória. Os dois têm um entendimento diferente do defendido pelo coordenador da bancada.
“Nós aprovamos dois fundos, isso significa que o Espírito Santo e outros estados serão beneficiados. Estamos pensando no País como um todo, não tenho dúvidas que a reforma é boa para todo mundo. Os incentivos fiscais existentes vão durar até 2032. O texto votado assegura esses benefícios. O Espírito Santo não recebe nada hoje de compensação”, explicou Helder.
Jack fez coro: “A PEC quer acabar com a guerra fiscal. Essa emenda foi rejeitada pela grande maioria do plenário, porque se o objetivo é acabar com a guerra fiscal, (aprovando o destaque) a reforma poderia ficar prejudicada. A grande maioria entendeu, até deputados do partido do Fufuca, que (era preciso) manter o espírito da Reforma e ela garante os benefícios até 2032, para quem já está na regra dos convalidados”.
A coluna também questionou o motivo do voto contrário aos deputados Victor Linhalis e Foletto, e a seus respectivos assessores, mas eles não retornaram aos contatos da coluna.
Sem consenso
Sem analisar o mérito do destaque, chama a atenção – e é até preocupante – que a bancada, tão pequena, não tenha conseguido chegar a um consenso sobre um assunto de fundamental importância não só para o Estado como para o País.
Na votação da PEC da Reforma foi a mesma coisa: três capixabas votaram contra – Gilvan da Federal (PL), Messias Donato (Republicanos) e Evair de Melo (PP). Gilvan seguiu o ex-presidente Bolsonaro que, embora tivesse na agenda do seu governo a pauta reformista, decidiu, aos 45 minutos do segundo tempo, orientar seus seguidores a votarem contra.
Mas Messias e Evair foram contra a orientação de seus partidos. Messias não levou em conta a defesa do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, um dos principais nomes do Republicanos – cotadíssimo para a disputa presidencial em 2026 – que defendeu a reforma.
E Evair bateu de frente com as principais lideranças do seu partido – sim, porque foi notório o empenho do relator da PEC, que é do PP, e do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), para aprovar a reforma, aliás, nos bastidores, há quem chame a PEC de “A Reforma de Lira” – e também contrariou tudo que pregou no mandato passado e em sua campanha.
Evair, inclusive, chegou a ser homenageado pela Findes (Federação das Indústrias do ES), no ano passado, com a “Medalha Mérito Industrial”.
Em suas redes sociais, Evair se justificou: “Eu tenho juízo! Se é bom para o PT é ruim para o Brasil. Meu avô dizia isso e eu fui educado assim. A força açodada com que foi conduzido esse processo não faz jus à sensibilidade que o tema precisava. Aguardemos cenas dos próximos capítulos. Vai vendo Brasil”, escreveu.
Já a Findes, defensora ferrenha da Reforma Tributária, divulgou nota na última sexta-feira (07) considerando a aprovação da PEC “uma conquista para todo o País”.
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