Numa eleição como jamais vista na história da Corte, o Tribunal de Contas do Estado elegeu na tarde desta terça-feira (31) seu próximo comando. Por um voto de diferença (4×3), o conselheiro Domingos Taufner derrotou o conselheiro Rodrigo Coelho e vai presidir o TCES no biênio 2024-2025.
A eleição ocorreu durante a sessão da Corte, marcada para iniciar às 14 horas, e não trouxe surpresas. Nos bastidores, esse cenário de vitória de Taufner já estava colocado há pelo menos dois meses. O que chamou a atenção foi o climão que pesava no ar durante toda a sessão.
Fontes do Tribunal de Contas ouvidas pela coluna De Olho no Poder afirmaram que Coelho foi para a disputa na tarde de ontem sabendo que não teria chance, que os quatro votos em Taufner já estavam bem consolidados.
Inclusive, os conselheiros Carlos Ranna e Sérgio Borges – que, provavelmente, deram o 2º e o 3º voto em Coelho – teriam tentado demovê-lo da ideia de disputar.
Nos bastidores, Ranna e Borges já tinham dado a palavra que apoiariam Coelho no processo eleitoral, mas dada a derrota iminente e para evitar a exposição da Corte – já que passaria a imagem, como passou, de um racha no colegiado –, eles teriam tentado até o último minuto – com maior intensidade nas últimas 24 horas – convencer Coelho a recuar e tentar uma composição.
Mas foi em vão.
Coelho insistiu na disputa, perdeu e saiu do processo eleitoral mais isolado do que já se encontrava nos últimos tempos. Isso porque a relação de Coelho com alguns conselheiros e principalmente com o atual presidente da Corte, Rodrigo Chamoun, já vinha dando sinais de desgaste, que se aprofundaram durante a sessão.
Segundo fontes ouvidas pela coluna, esses desgastes teriam sido causados por “medidas afoitas” tomadas por Rodrigo Coelho em sua atuação como vice-presidente e que terminaram por minar sua ascensão à presidência – uma vez que Coelho era cotado a assumir o próximo ciclo, seguindo a tradição do critério de antiguidade adotado na Corte.
TAG da Educação e outros atropelos
Tido como o pomo da discórdia no Tribunal de Contas, o Termo de Ajustamento de Gestão (TAG) da Educação, tocado pelo conselheiro Rodrigo Coelho e assinado por mais de 60 prefeitos e pelo governador Renato Casagrande, prevê uma reestruturação na rede de ensino tanto estadual quanto municipal, baseada no modelo aplicado do município de Sobral, no Ceará – considerado, pelo Senado, a capital da Educação no Brasil.
Um dos objetivos seria a eliminação de “concorrência” entre as redes estadual e municipal, ou seja, uma definição de quem teria a competência de oferecer o ensino fundamental (que ficaria com os municípios) e o ensino médio (que ficaria com o Estado) em todo o território capixaba.
Outro ponto seria o fim da indicação política para o cargo de gestor (diretor) escolar. Há casos, já ocorridos no Estado, em que a indicação de diretores vira motivo de disputas e até brigas entre o Legislativo e o Executivo.
No dia 15 de junho deste ano, 51 prefeitos aderiram ao TAG. Outros assinaram depois. Porém, alguns prefeitos recuaram ao se darem conta de que não teriam condições de cumprirem com alguns termos como, por exemplo, municipalizar matrículas ofertadas pelo governo do Estado já para o ano letivo de 2024.
Os gestores foram, então, atrás de uma solução do Tribunal, o que gerou transtornos na Corte, tanto internos quanto externos. Embora Coelho fosse o relator da TAG, o imbróglio acabou respingando em todos os conselheiros.
Mas, o TAG não teria sido o único causador do desgaste na relação. Outras atitudes protagonizadas por Coelho também teriam contribuído para o boicote à sua eleição como presidente.
Segundo a coluna apurou, nos corredores do Tribunal já se ouvia falar dos projetos que Coelho pretendia implantar caso fosse eleito. “Ele já se portava como se fosse presidente, falava em modernizar o prédio do Tribunal, dos planos que tinha, ele falava com a certeza de que seria o próximo presidente e acabou atropelando os processos”, disse uma fonte do TCES à coluna.
Há quem diga também que há, por trás, uma guerra de vaidades, pelo protagonismo alcançado por Coelho, com o TAG da Educação, em detrimento da atuação de Chamoun como presidente que, discretamente, apoiou Taufner na disputa.
Apelo por unidade e indiretas
A eleição para a escolha do comando do TCES é secreta e os votos foram apurados separadamente para cada cargo. Nem chegou perto das emoções figadais geradas nas eleições municipais, mas o clima de tensão estava no ar.
A primeira eleição foi para presidente e, tão logo declarada a eleição de Taufner, Coelho pediu a palavra. Ele agradeceu pelos votos recebidos e disse esperar que seja construída uma unidade na Corte.
“Gratidão aos colegas que diante de toda conjuntura estabelecida confiaram em mim os seus votos, estou muito honrado com os votos que tive. E ao presidente eleito, Domingos Taufner, desejo sucesso. Nós sabemos que o clima da instituição é reflexo da liderança, eu espero que Vossa Excelência use a sua energia para construir a nossa unidade. Então, parabéns, sucesso, conte com o meu trabalho”.
Em seguida foram eleitos os nomes para os demais cargos e a composição ficou assim:
- Presidente: Domingos Taufner
- Vice-presidente: Luiz Carlos Ciciliotti
- Corregedor: Sérgio Aboudib (reeleito)
- Diretor da Escola de Contas: Rodrigo Chamoun
Para o cargo de ouvidor, hoje ocupado por Taufner, ninguém foi eleito. Nas duas consultas realizadas, todos os conselheiros votaram em branco. Segundo Chamoun, uma nova eleição será feita em janeiro. Na votação para a direção da Escola de Contas, Ranna recebeu um voto, mas disse que não foi o dele. “Quero agradecer quem votou em mim, porque não fui eu”.
Após a definição dos cargos, Ranna também pediu a palavra e, iniciando sua fala com um versículo bíblico, fez uma espécie de apelo, com um tom de indireta, para que haja paz, respeito e transparência no Tribunal.
“Há um versículo na Bíblia que diz que há tempo de plantar e de colher, de paz e de guerra. Eu acredito que nós precisamos começar aqui um tempo de paz, de reconstrução, de cultivar cada vez mais o respeito às diferenças, o respeito às controvérsias, porque é na diferença que a gente cresce. Eu acredito que nós vamos sair fortalecidos dessa eleição. Uma eleição simbólica onde foram expostos os votos sinceros de cada um e é bom lidar com a sinceridade. É bom lidar com a transparência. É o que nós pregamos, é o que nós precisamos fazer”.
Ranna não citou nomes, mas ficou bastante claro que ele estava se referindo ao processo eleitoral e a tudo que ocorreu nos bastidores. Entretanto, foi durante o discurso do atual presidente que ficou bastante visível o climão de racha e constrangimento na Corte.
Chamoun disse ser preciso manter uma relação madura e independente com as instituições e demais poderes e também citou a relação entre os membros da Corte e os auditores.
“Aqui há, no mesmo endereço, aqueles que auditam, aqueles que julgam, aqueles que revisam. Há de se preservar a harmonia, mas só haverá harmonia se houver o respeito à independência. Conselheiro se metendo no exercício de auditor é inadmissível. Os auditores tem independência funcional garantida por lei e nós preservamos isso”.
Chamoun não citou nomes, mas Coelho se levantou e saiu da sessão durante o discurso do presidente. A leitura feita por quem assistiu a sessão foi a de que Chamoun mirou em Coelho e, pelo jeito, acertou em cheio.
Aproximar da sociedade
Taufner também discursou, como presidente eleito. Ele agradeceu os pares, exaltou as conquistas da Corte, lembrou o legado que deixou em seu primeiro mandato como presidente, entre 2014 e 2015, e prometeu se aproximar da sociedade.
“Liderar essa Corte é uma honra para mim e faremos todos os esforços possíveis para continuar com esse trabalho”, disse.
Além de dar continuidade ao trabalho de Chamoun, Taufner terá como primeiro desafio aparar as arestas entre os conselheiros e evitar uma instabilidade interna que poderá respingar no seu mandato e na atuação do próprio colegiado.
Cabe ao Tribunal de Contas emitir parecer sobre contas de prefeitos e do governador e de todos os outros poderes, auxiliar a Assembleia e as câmaras de vereadores no controle externo, fiscalizar a aplicação do recurso público em todo o Estado, tendo o poder de realizar auditorias e até de punir os responsáveis por atos de ilegalidade com a verba pública.
Durante a pandemia, o TCES teve uma atuação incisiva e notável, fiscalizando de perto o cumprimento dos decretos estaduais por parte das prefeituras e acompanhando o processo de vacinação. Ano que vem tem eleição municipal, o que deve aumentar a demanda e a pressão em cima do Tribunal. Ter um colegiado rachado, não ajuda.
“Não me envolvi”
Em tempo: A coluna questionou o governador Renato Casagrande (PSB) sobre a eleição no Tribunal de Contas e sondou se haveria dedo do Palácio Anchieta na eleição. “Não me envolvi. Eles estão divididos”, disse Casagrande em resposta à coluna.
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