A cúpula do Ministério Público do Estado (MPES) e o mercado político foram surpreendidos com a decisão da saída do promotor de Justiça Marcelo Lemos da direção do Centro de Apoio Operacional de Defesa do Meio Ambiente (CAOA).
Num comunicado interno à procuradora-geral de Justiça, Luciana Andrade, datado da manhã da última terça-feira (14), Lemos colocou seu cargo de dirigente à disposição. No documento, ele não explicitou os motivos, mas deu sinais de que havia uma ou mais de uma razão para a decisão.
“Em virtude dos últimos acontecimentos, corroborando a mensagem encaminhada a Vossa Excelência via aplicativo de mensagens instantâneas (WhatsApp), utilizo-me do presente para colocar o cargo de dirigente do CAOA à disposição. Faço isso com a consciência tranquila de alguém que não mediu esforços para apoiar a Administração Superior e transformar o Centro de Apoio Operacional de Defesa do Meio Ambiente em um verdadeiro centro de inteligência, que hoje se destaca como um dos melhores CAOs do Ministério Público brasileiro”, disse Lemos, sem mais detalhes.
Desde maio de 2016 na função – indicado pela então procuradora-geral de Justiça Elda Spedo –, o promotor estava envolvido em ações importantes do Ministério Público, como a assinatura de termos para o combate à poluição do ar da Grande Vitória.
No início deste ano, ele chegou a se envolver numa polêmica ao recomendar que a Prefeitura de Vitória proibisse a circulação de blocos de Carnaval no Centro, alegando poluição sonora e ambiental, impacto urbanístico e perturbação ao sossego alheio, o que gerou protestos e manifestações contrárias.
Não se sabe ainda quando ele, de fato, irá deixar o cargo e nem quem irá substituí-lo. Lemos foi procurado pela coluna De Olho no Poder, ontem, para falar a respeito dos motivos que o fizeram abrir mão do posto, mas não retornou aos contatos. O MPES, também procurado, respondeu com uma nota, afirmando que não iria comentar, por se tratar de “assunto de natureza interna”.
Mas, se oficialmente ninguém fala sobre os motivos, extraoficialmente promotores ouvidos pela coluna disseram que a razão por trás da decisão de Lemos tem a ver com a eleição para o comando do Ministério Público e um racha que se abriu no grupo que está à frente do órgão desde 2012.
O racha
Prevista para o primeiro trimestre do ano que vem, a eleição para a Procuradoria-Geral de Justiça já é assunto nos corredores do MPES há alguns meses. Os promotores e procuradores votam e formam a lista tríplice dos candidatos mais votados, que é encaminhada para o governador do Estado, que define quem será o chefe do Ministério Público Estado pelo próximo biênio (2024-2026).
Os candidatos de oposição à atual gestão já estão dando as caras e fazendo articulações. Mas a definição do nome a ser escolhido pelo grupo que comanda o MPES para suceder a procuradora-geral Luciana Andrade, estaria gerando uma divisão na cúpula.
Antes de entrar no imbróglio, é importante ressaltar que um mesmo grupo comanda o MPES há 12 anos. Em 2012, o então promotor de Justiça Eder Pontes fez parte da lista tríplice e foi escolhido para o cargo. Em 2014 ele foi reeleito, para mais dois anos de gestão.
O cargo de procurador-geral de Justiça só permite uma recondução seguida (reeleição) e m 2016, com o apoio de Eder Pontes, a procuradora de Justiça Elda Spedo figurou na lista e foi nomeada para a PGJ. Ela ficou apenas um mandato e em 2018, Eder voltou a comandar o órgão por mais dois anos.
Em 2020, também com o apoio de Eder, foi eleita a promotora Luciana Andrade, que está em seu segundo mandato, tendo sido reeleita em 2022. Em 2021, Eder também apareceu em mais uma lista tríplice, mas dessa vez para ocupar uma cadeira de desembargador do Tribunal de Justiça do Estado (TJES) na vaga do quinto constitucional destinada ao MPES. Ele foi escolhido pelo governador Renato Casagrande.
Desde 2012, o grupo capitaneado pelo agora desembargador Eder Pontes vinha tendo consenso na escolha de seus sucessores, mas, nos bastidores, isso não estaria acontecendo agora. Segundo promotores ouvidos pela coluna, não haveria acordo entre Eder e Luciana e cada um estaria tentando emplacar o seu candidato como nome do grupo para a disputa.
Nos bastidores, o nome apoiado por Eder seria o do promotor Danilo Raposo Lírio, que atua como chefe de apoio ao gabinete da PGJ. Já o nome apoiado por Luciana, seria o do secretário-geral do gabinete da PGJ, o promotor Francisco Berdeal.
O almoço
A falta de acordo entre o desembargador e a procuradora-geral de Justiça estaria restrita aos bastidores, tratada a portas fechadas e por poucos atores, sem nenhum sinal de exposição pública. Isso, porém, até o início do mês passado, quando um encontro teria escancarado o racha no grupo.
Segundo os mesmos promotores entrevistados, de forma reservada, pela coluna, um almoço teria sido organizado pelo promotor Danilo e contado com a participação de Eder, de Marcelo Lemos e de outros membros do Ministério Público próximos a Luciana. Nesse almoço, foi dito que Danilo seria candidato à PGJ e que contaria com o apoio de Eder e de Lemos.
O almoço teria ocorrido num restaurante da Praia do Canto, em Vitória, quando também ocorria, concomitantemente, um congresso de membros do MPES. Nem a procuradora-geral e nem o promotor Francisco foram convidados para os comes e bebes. Quando veio à tona o encontro, gerou muito mal-estar na cúpula do MPES. Principalmente porque alguns dos participantes do almoço ocupam cargos de confiança na gestão de Luciana.
A coluna procurou o desembargador, a procuradora-geral de Justiça e os promotores envolvidos no imbróglio, mas nenhum retornou ao contato da coluna.
A coletiva
Após o almoço, informações de bastidores dão conta que a relação entre Luciana e o grupo dissidente teria ficado estremecida e um novo episódio, ocorrido na última segunda-feira (13), teria degringolado a relação com o promotor Marcelo Lemos.
O promotor faria parte de uma coletiva de imprensa do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) para tratar sobre as medições do pó preto na Grande Vitória. Lemos teria até divulgado a coletiva, que a princípio ocorreria no CAOA, na terça-feira (14). Pouco tempo depois ter anunciado a coletiva, porém, ele comunicou que não iria mais participar e o evento mudou de lugar.
Ninguém informou o motivo do recuo, mas há um procedimento interno no MPES em que os promotores e procuradores precisam pedir autorização à PGJ para dar entrevista ou participar de coletivas. Não se sabe se houve esse pedido ou se houve e Lemos não foi autorizado. Fato é que após esse episódio, ele encaminhou o documento abrindo mão do cargo.
Na cúpula do MPES, o clima não é dos melhores. Porque também há a leitura de que uma divisão no grupo que sempre esteve unido poderia fortalecer os candidatos da oposição.
Soma-se a isso o fato deste grupo ter perdido o comando da Associação Espírito-Santense do Ministério Público (AESMP), no último mês de abril, após uma eleição turbulenta. Como a disputa pela associação serve, muitas vezes, de termômetro para a eleição do comando do MPES, não é descartada a possibilidade do próximo pleito pôr fim, ao menos por ora, na dinastia que esteve à frente do Poder na última década. A conferir.
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