O tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que está sendo aplicado neste domingo (05), traz à luz um debate que é urgente e que precisa pautar a agenda da década, principalmente na área dos direitos humanos e igualdade de gênero no País.
“Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil” provoca uma discussão que vai desde lidar com uma cultura ainda machista que impõe somente à mulher os afazeres domésticos e o cuidado com familiares (sejam filhos ou idosos), até a constatação de que faltam políticas públicas para combater essa situação que hoje é uma ferramenta de desigualdade na sociedade brasileira.
Em pelo menos duas ocasiões, a coluna De Olho no Poder trouxe essa discussão à tona. A primeira, em janeiro deste ano, com uma entrevista com a secretária das Mulheres, Jacqueline Moraes, em que ela cita um projeto para a criação de um espaço que pudesse acolher idosos durante o dia, uma espécie de “creche”, porém, para a terceira idade.
Além do cuidado com essa parcela da população que é cada vez maior – o Censo 2022 divulgado neste ano mostrou que os idosos com 60 anos ou mais somam 32.113.490 pessoas, o que representa 15,6% da população e um aumento de 56% se comparado ao Censo de 2010 (20.590.597 pessoas) –, a secretária mostrou outra preocupação.
Ela quer evitar que as mulheres – que são as que normalmente carregam a responsabilidade de cuidar dos pais, sogros e avós quando envelhecem ou adoecem – tenham que abrir mão do trabalho e da fonte de renda para se dedicar exclusivamente ao cuidado dos familiares.
“A gente acredita que é possível destinar algumas ações, principalmente dessa estruturação da política pública, para os municípios e construir esses espaços. Hoje nós temos a casa abrigo e as ILPIs (Instituições de Longa Permanência para os Idosos). Mas nada impede que paralelo a esse modelo a gente possa ter aquele que (o idoso) vai e volta, que não impede essa mulher de trabalhar”, disse Jacqueline em entrevista para a coluna De Olho no Poder.
No final de setembro, a Prefeitura da Serra inaugurou o primeiro “Centro Dia para Pessoa Idosa” do Estado. O espaço funciona de segunda a sexta-feira, das 7h às 19h, e oferece atividades, oficinas, alimentação, fisioterapia e atendimento psicossocial para os idosos, que ainda contam com serviço de transporte para buscá-los em casa.
A unidade, nesse primeiro momento, vai atender 20 idosos, segundo também informou à secretária de Assistência Social da Serra, Cláudia Silva, em entrevista à coluna:
“Vamos atender 20 idosos com grau 1 e 2 de dependência, que tiveram suas limitações agravadas por violação de direitos. São pessoas que estão em situação de vulnerabilidade. Os idosos serão buscados em suas residências e levados para o serviço. É um ambiente que tem como objetivo dar autonomia aos idosos, promover inclusão social e melhoria da qualidade de vida, fortalecer os vínculos familiares”, explicou a secretária.
Já em março deste ano, a coluna trouxe dados sobre a jornada dupla e até tripla de trabalho que as mulheres têm dentro e fora de casa. Dados esses que também foram abordados na redação do Enem.
A coluna explicou porque a idade da aposentadoria das mulheres é menor do que a dos homens – exatamente porque sociólogos e legisladores concordam que, no geral, as mulheres trabalham, ao longo da vida, mais que os homens por conta justamente da tarefa extra de cuidadoras. Tarefa essa que, na maioria das vezes, não é remunerada e nem reconhecida, ou seja, se torna invisível aos olhos da sociedade.
A coluna trouxe dados de 2019, ano da Reforma da Previdência, que mostram que, no Brasil, as mulheres dedicaram aos cuidados de pessoas ou afazeres domésticos quase o dobro de tempo que os homens –21,4 horas contra 11 horas. Os dados fazem parte da 2ª edição do “Estatísticas de Gênero – Indicadores sociais das mulheres no Brasil” do IBGE.
Além disso há uma desigualdade salarial. A diferença de remuneração entre homens e mulheres ocupando os mesmos postos chega a 22%, segundo índices também do IBGE, de 2022. Isso significa que uma mulher recebe, em média, 78% do salário recebido por um homem.
A coluna noticiou os dados após uma polêmica na Assembleia em torno da criação da Secretaria das Mulheres, em que alguns deputados defenderam a derrubada da lei que caracteriza o feminicídio e aposentadoria na mesma idade para homens e mulheres.
Em tempo: A discussão levantada pelo tema da redação do Enem 2023 não deixa também de apontar para uma outra, também delicada, que tem ocorrido em Brasília: a redução da representação feminina no governo Lula.
Para agradar o Centrão e melhorar a articulação política no Congresso, Lula já rifou três mulheres do 1º escalão do governo: Daniela Carneiro (Ministério do Turismo), Ana Moser (Ministério dos Esportes) e Rita Serrano (Presidência da Caixa Econômica Federal).
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