O governador Renato Casagrande (PSB) convocou uma coletiva de imprensa, no primeiro dia útil do ano (02), para, juntamente com a cúpula da Segurança Pública, anunciar a queda na taxa de homicídios do Estado no ano passado.
Foram contabilizados 978 assassinatos em todo o ano de 2023. Uma redução de 2,9% com relação a 2022 (quando foram registrados 1.007 homicídios), mas a menor taxa registrada desde 1996.
Da década de 90 pra cá, o Espírito Santo só registrou menos de mil homicídios num ano em 2019 – primeiro ano do segundo mandato de Casagrande –, quando foram somados 987 crimes. Em 2020, ano em que estourou a pandemia, os assassinatos deram um salto de 12,5% e pularam para 1.107.
Em 2021 houve uma queda de 4,24% com relação ao ano anterior; em 2022 essa redução foi de 5% e agora, no ano passado, o registro da menor taxa da série histórica.
O governador e o secretário da Segurança Pública, coronel Alexandre Ramalho, apresentaram os números frisando que não há motivos para se comemorar – porque ainda é muito e trágico ter mil homicídios por ano num Estado com 4 milhões de habitantes –, mas fizeram questão de frisar que os programas e investimentos da gestão Casagrande na segurança estão no caminho certo. E dando frutos.
Num estado organizado, com as contas em dia e o caixa no azul, como o Espírito Santo, a Segurança Pública acaba se tornando uma das áreas mais delicadas e com mais visibilidade do governo. Talvez o calcanhar de Aquiles capaz de, dependendo dos resultados, ofuscar todas as outras entregas da gestão.
O medo da violência e da criminalidade e o pedido por ações de combate sempre ocupam os primeiros lugares em pesquisas de opinião quando a população é questionada. E nem sempre a sensação de segurança acompanha os bons índices das estatísticas.
Não à toa que durante a campanha à reeleição no ano passado, Casagrande prometeu, entre outras coisas, terminar seu terceiro mandato colocando o Espírito Santo entre os cinco estados mais seguros (e com as menores taxas de homicídios) do País.
Hoje, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023 – que se refere a dados de 2022 –, o Estado está em 14º lugar entre os mais seguros, com uma taxa de homicídios de 29,3 mortes para 100 mil habitantes. A taxa em São Paulo, que está em 1º lugar, é de 8,4 mortes para cada 100 mil habitantes e a taxa média no Brasil é de 23,3.
Embora os dados mostrem que houve avanços, uma lupa além dos números aponta, porém, que a Segurança Pública ainda se depara com os mesmos problemas e desafios de anos anteriores. A coluna cita abaixo três deles, não sendo os únicos.
Desafio 1 – Feminicídios não reduziram
Ao longo do ano passado, 35 mulheres foram vítimas de feminicídio no Espírito Santo. É o mesmo número registrado em 2022. Houve até uma redução no número geral de assassinatos de mulheres (que abarca todas as motivações), de 8,3%, mas os casos em que as vítimas foram mortas pelo simples fato de serem mulheres ou em decorrência de violência doméstica, continuaram no mesmo patamar.
Trata-se de um tipo crime, aliás, que o Estado nunca experimentou uma redução significativa, de fato. Nos últimos sete anos, os índices giraram entre 26 e 42 crimes. E já houve uma época em que o Espírito Santo ocupava os primeiros lugares no ranking nacional de assassinatos de mulheres.
O governador foi questionado sobre o fato dos feminicídios não acompanharem a queda geral dos homicídios e quais medidas seriam implantadas nesse ano para combater o crime. Ele disse que irá fortalecer os programas já existentes no Estado.
“Nós temos a Patrulha Maria da Penha, que é feito pela Polícia Militar. Ela será intensificada com a chegada dos mil policiais (concurso aberto). Nós temos o ‘Papo de responsa’ e o ‘Homem que é homem’, dois programas da Polícia Civil, e nós começamos a abrir as ‘Salas Marias’. Queremos ter em todos os municípios um atendimento especializado para as mulheres. Na Sesp é isso. Mas nós criamos na Secretaria de Mulheres os ‘Grupos Margaridas’ que estão atendendo e orientando mulheres, temos formação profissional direcionado para independência e autonomia das mulheres. Vamos fortalecer os programas que nós temos para que possa punir aqueles homens que se acham no direito de agredir e que consideram as mulheres como objetos”, disse Casagrande.
Em 75,7% dos casos registrados de feminicídios no Estado em 2023, os maridos ou companheiros foram os autores dos assassinatos. Por ser um crime que normalmente é premeditado e/ou acontece dentro de casa, é um desafio para as forças policiais chegarem a tempo de impedi-lo. Mas algo além precisa ser feito para proteger as mulheres em território capixaba.
Desafio 2 – Explosão de crimes no Norte e Noroeste
A redução dos homicídios no Estado não ocorreu em todas as regiões capixabas. Nos municípios de duas regiões a violência piorou. Foram registrados um aumento de 13,1% dos crimes na região Norte e de 27,4% na região Noroeste.
Aracruz, Fundão, Linhares, Sooretama, Pedro Canário, Jaguaré, Vila Valério, Nova Venécia, Vila Pavão, Montanha, Colatina, Baixo Guandu, Alto Rio Novo, São Domingos do Norte, Pancas, Governador Lindenberg, Barra de São Francisco, Ecoporanga e Água Doce do Norte viram suas taxas de homicídios aumentarem durante o ano passado. O que explica isso?
Segundo Ramalho, há alguns fatores que explicam a explosão da violência nas duas regiões. Ele disse que a criminalidade, principalmente a envolvida no tráfico de drogas, migrou. Que não se concentra apenas na Grande Vitória, mas que está sempre em busca de novos pontos de venda.
Segundo os dados apresentados pelo secretário, o tráfico de drogas está por trás de 65% dos homicídios no Estado. Mas, tirando essa motivação, Ramalho também enfatizou a ocorrência dos “crimes de proximidade” que, segundo ele, estão muito presentes nessa parte do Estado. “Lá ainda está bastante enraizada essa questão do ódio, de resolver na faca, no tiro”.
Ramalho ainda cobrou uma participação maior dos prefeitos na integração a políticas públicas de segurança do Estado. “Temos ainda muitos bolsões de pobreza, que os municípios precisam atacar. É convencer os prefeitos a criarem os gabinetes de gestão integrada municipal, a atuarem na gestão das câmeras. O Estado tem o cerco inteligente para fazer a gestão, mas isso não exime o município da sua responsabilidade. Os conselhos municipais são fundamentais, os vereadores podem fomentar muito isso nas suas comunidades. Tem muitas ações locais e municipais que nos ajudam muito”, disse o secretário, que também citou a importância das Guardas municipais.
O governador também explicou que a atividade econômica atrai o interesse de grupos criminosos. “Alguns locais do Norte do Estado têm crescido economicamente, o que é um ponto positivo, mas que também traz o interesse do tráfico de drogas. É um desafio. A migração para o interior do Estado desses grupos criminosos é porque eles veem o potencial econômico da região”, disse Casagrande, que também enfatizou o papel dos prefeitos.
Já na parte social, o secretário de Planejamento, Álvaro Duboc, disse que em Aracruz, Linhares, Colatina e São Mateus foram instalados Centros de Referência da Juventude, nos bairros mais violentos. E em Linhares também há programas de reabilitação de dependentes químicos. Disse que também há editais abertos na área da Cultura com atuação voltada para as áreas mais vulneráveis.
Não chegou a ser citada a possibilidade de aumento do efetivo policial, que é uma demanda recorrente em todo o Estado. Há um concurso aberto para o preenchimento de vagas na Polícia Militar e também está prevista a entrada de 40 novos delegados da Polícia Civil, nesse ano.
Desafio 3 – Raio-X das vítimas de assassinatos: jovens, pretos e pardos
Entre os dados apresentados, o secretário de Segurança mostrou que 51% das vítimas de assassinatos são jovens, na faixa etária dos 15 aos 29 anos, e que 80% são pretos e pardos, o que representa também um desafio para a Segurança Pública.
Os números capixabas são maiores que a taxa média nacional registrada pelo Anuário de Segurança Pública de 2023 (com dados de 2022, os mais recentes). Pelo anuário, no Brasil, 50,3% das vítimas de Mortes Violentas Intencionais eram adolescentes e jovens com idade entre 12 e 29 anos. Já com relação ao perfil étnico-racial das vítimas, 76,5% dos mortos eram negros (pretos e pardos).
O Anuário registra que embora seja um dado já conhecido, já apresentado em outras edições, ainda não há um debate amplo sobre as causas dessa população figurar como a maior parte das vítimas de assassinato e nem sobre estratégias e possibilidades de redução desse índice.
“Lamentavelmente, 80% (das vítimas de homicídios) são pretos e pardos. É um desafio para a sociedade brasileira como um todo enfrentar esse problema, diminuir essa desigualdade social, oportunizar emprego e renda a essas pessoas, retirar do mundo do tráfico de entorpecentes, principalmente”, disse Ramalho.
E acrescentou: “Faixa etária é outro desafio para a sociedade brasileira. Esses dados do Espírito Santo são muito semelhantes ao que acontece no Brasil como um todo. É um número realmente preocupante”.
Durante a coletiva, os secretários e o governador citaram as ações do Estado Presente, o programa do governo estadual que amplia o combate à criminalidade para além da repressão policial, com ações nas áreas sociais, de educação e cultura.
Na entrevista que deu ao Folha Vitória e à rádio JP News Vitória, Casagrande disse que a prioridade na Segurança era reduzir o número de homicídios. Por ora, o objetivo está sendo alcançado, mas a despeito de todos os investimentos, os desafios que estão colocados (os citados pela coluna e outros) apontam para a necessidade de avanços, que vão além de bater uma meta numérica.
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