Até os apostadores mais ousados dificilmente cravariam o resultado que saiu da apuração das urnas na eleição da Serra. O terceiro lugar nas pesquisas foi para o 2º turno em primeiro e o favorito ficou de fora da decisão final.
Todas as pesquisas de intenção de votos realizadas no município mostravam que seria uma eleição de dois turnos e que o ex-prefeito Audifax Barcelos (PP) participaria das duas etapas. Em todos os levantamentos, ele aparecia como o favorito.
Porém, logo no início da apuração, ainda com menos de 1% das urnas abertas, o candidato do prefeito Vidigal, Weverson Meireles (PDT), assumiu a liderança e dela não saiu até o encerramento.
À medida que a apuração avançava, Weverson se isolava no primeiro lugar e a expectativa passou a ser sobre quem seria seu adversário no segundo turno. A indefinição perdurou até mais de 90% das urnas apuradas, uma vez que a diferença entre Audifax e Pablo Muribeca (Republicanos) girava em torno de 3 mil votos.
E, no final, a surpresa: Audifax, que já foi prefeito por três vezes, estava fora da disputa pelo comando da Serra. Ele teve 23,96% dos votos, contra 39,66% de Weverson e 25,20% de Muribeca.
Mas, o que explica a virada surpreendente de Weverson na reta final da campanha? E como Audifax, considerado o favorito, conseguiu ficar de fora da disputa? As pesquisas erraram? Quais leituras possíveis que o resultado da eleição do maior colégio eleitoral do Estado nos mostra?
1 – Pesquisa mostrou tendência de mudança e número alto de indecisos
A última pesquisa Futura realizada na Serra um dia antes da eleição conseguiu captar a tendência de mudança nas posições dos três candidatos. Enquanto Weverson e Muribeca vinham numa linha ascendente, Audifax caía.
Em menos de uma semana, o ex-prefeito caiu quase 8 pontos percentuais. Saiu de 36% das intenções de voto na pesquisa realizada entre os dias 30 de setembro e 1º de outubro, e foi para 28,7% no levantamento realizado no último sábado (05).
Já Weverson saiu de 21% e foi para 22,5% e Muribeca, de 24% para 26,8%. No caso dos dois o aumento foi relativamente pequeno, mas a tendência era de um crescimento maior, por conta do comportamento do eleitorado captado pela pesquisa e pelo alto número de indecisos.
No cenário estimulado da pesquisa, os indecisos correspondiam a 11,2% dos votos. No cenário espontâneo, o índice dos que não tinham ainda decidido o voto era mais que o dobro: 25,7% – percentual bem alto e que tem peso para mudar totalmente o resultado final da eleição.
Se a um dia da eleição, um quarto do eleitorado não sabia em quem votaria, isso leva a crer que boa parte decidiu em cima da hora e, pelo visto, optou pelo candidato do atual prefeito. A diferença entre o primeiro e o terceiro colocados na votação foi de 38.444 votos.
2 – Sentimento de renovação e movimento de voto útil
Outra explicação é que, desde o início da campanha, o tema mais debatido foi sobre a necessidade de renovação na política da Serra. Muitos candidatos e eleitores bateram muito na tecla de se encerrar o ciclo Vidigal-Audifax, que já dura 27 anos. O próprio Vidigal, ao não disputar a reeleição e lançar Weverson em seu lugar, citou que era necessário fazer essa oxigenação, sempre enfatizando que teria de ser com responsabilidade.
E foi isso que se viu na abertura das urnas. Pela primeira vez, desde 1997, Vidigal e Audifax estarão fora da disputa pelo comando da Serra. Ainda que Weverson represente Vidigal, que faça parte do seu grupo, não é o rosto e nem o nome do prefeito que aparecerão nas urnas no próximo dia 27.
Weverson e Pablo Muribeca, dois jovens e novatos na carreira política, vão disputar o comando da maior cidade do Estado, e quem vencer irá gerenciar um orçamento, em 2025, de R$ 3,2 bilhões.
Outro movimento que pode explicar a virada que ocorreu na eleição de domingo foi o de voto útil, que é quando o eleitor deixa de votar no candidato do coração e aposta num outro, muitas vezes para assegurar um segundo turno ou para evitar que um terceiro ganhe ou passe para a segunda etapa.
Chegaram relatos à coluna de eleitores que consideravam que Audifax já estivesse no segundo turno e, em vez de votar nele, migraram o voto para outro candidato para formar um “segundo turno dos sonhos”. Se isso ocorreu em massa explicaria a mudança do resultado final com relação às pesquisas.
3 – Demonstração de força e transferência de voto
A eleição de domingo na Serra trouxe mais uma constatação: a força política de Vidigal e seu poder de transferência de votos.
Logo que Weverson foi lançado, ainda na pré-campanha, o Instituto Futura fez uma pesquisa de intenção de votos na Serra. Desconhecido, o ex-secretário estadual de Turismo pontuou 1,9% das intenções de voto, ficando em sétimo lugar entre os pré-candidatos.
Já num cenário em que Vidigal era colocado no lugar de Weverson, o prefeito assumia a liderança, pontuando até 35,8%.
Na época, Vidigal foi muito pressionado a recuar de sua decisão e tentar a reeleição, já que Weverson não dava sinais de que seria uma candidatura competitiva.
Com o início da campanha, Vidigal colocou Weverson debaixo do braço e começou a rodar a cidade. Numa das caminhadas pedindo votos, uma eleitora até questiona Vidigal se Weverson seria filho dele. Vidigal sorriu e o apresentou como o “futuro prefeito”. A cena inusitada foi registrada num vídeo.
Os dois estavam tão juntos, em eventos e atos oficiais, que isso suscitou até questionamentos na Justiça por parte de outros candidatos.
A estratégia, porém, deu certo, Vidigal conseguiu transferir seu capital político para Weverson, que saiu de menos de 2% para quase 40% de votos, no domingo passado.
4 – Apoio massivo do governo do Estado
Outro fator que contou positivamente para Weverson foi o apoio massivo do governo do Estado – leia-se governador Renato Casagrande (PSB) – à sua candidatura.
Weverson foi um dos primeiros a contar com a presença do governador num ato de campanha. Casagrande discursou e pediu votos para ele. E não foi só uma vez. Já no final da campanha eleitoral, Casagrande voltou a Serra para reforçar o apoio a Weverson.
A Serra foi, de longe, o município onde o governador mais se empenhou no apoio a um aliado de fora do seu partido. Ele não só pediu votos como citou obras estaduais no município e a garantia da parceria entre o governo do Estado e a prefeitura, com a liderança de Weverson.
Muito do empenho do governador é também como “pagamento” ao apoio de Vidigal a Casagrande nas eleições de 2022. E como uma eleição leva a outra, a “paga” gera uma nova dívida a ser quitada em 2026, quando Casagrande deverá precisar de apoio, principalmente do maior colégio eleitoral do Estado, para eleger seu sucessor e a si mesmo, caso dispute o Senado.
5 – Audifax vai precisar repensar a carreira política
A grande surpresa dessa eleição como um todo – e não só na Serra – foi o ex-prefeito Audifax Barcelos (PP) ter ficado de fora do segundo turno da disputa no município.
Audifax já foi prefeito três vezes, deixou o comando da cidade com índices altos de aprovação, conhece o município como poucos e estava numa legenda com recursos e estrutura para bancar sua campanha. Mesmo assim, não conseguiu transformar esses ativos em votos. E isso deixa o agora ex-candidato numa situação delicada.
Audifax vem de três derrotas consecutivas. Em 2020, quando encerrava seu mandato, ele tentou emplacar um sucessor – assim como está fazendo Vidigal agora. Na época, o então vereador Fábio Duarte foi escolhido para a missão de dar continuidade ao legado de Audifax na cidade. Fábio chegou a ir para o segundo turno, mas perdeu para Vidigal.
Fora do poder, em 2022, Audifax, ainda filiado à Rede, lançou candidatura ao governo do Estado, fez uma oposição ferrenha ao governador Renato Casagrande (PSB), mas ficou de fora do segundo turno, que foi decidido entre Casagrande (reeleito) e Carlos Manato (PL).
O fato de não ter ido para o 2º turno há dois anos só não foi pior do que o de ter perdido em seu próprio reduto eleitoral. Na Serra, a votação em primeiro turno para governador deu vitória a Casagrande e, em segundo lugar, a Manato. Audifax ficou em terceiro lugar na votação do município que governou por três vezes.
Já naquela ocasião, Audifax admitiu que precisaria repensar e se reposicionar politicamente. Deixou a Rede, assumiu uma postura mais à direita – que incluiu apoiar Manato no segundo turno de 2022 – e se filiou ao PP.
Porém, a primeira prova de fogo após a mudança de rota não trouxe a Audifax o resultado esperado. O eleitorado não correspondeu, com votos, à nova roupagem partidária do ex-prefeito.
A coluna tentou contato com Audifax, mas até o momento ele não retornou às chamadas. Ele também ainda não definiu se apoiará alguém nesse segundo turno ou se ficará neutro. Ele teve 58.643 votos – montante que fará a diferença numa eleição que promete ser acirrada.