Concessão de parques públicos: a nova frente de batalha do governo

Audiência pública na Comissão de Meio Ambiente para tratar da concessão de parques públicos / crédito: Lucas Costa/Ales

Na última quarta-feira (30), a Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa promoveu uma das maiores audiências públicas já vistas na Casa. E uma das mais polêmicas também.

A reunião contou com a presença do secretário estadual de Meio Ambiente, Felipe Rigoni (União), que foi convidado para esclarecer pontos do Programa Estadual de Desenvolvimento Sustentável das Unidades de Conservação do Estado do Espírito Santo (Peduc).

Criado pelo decreto 5.409-R, em 13 de junho de 2023, o programa, entre outras coisas, autoriza a concessão de seis parques públicos para a preservação e exploração turística da iniciativa privada. Os parques alvos do programa são: Itaúnas, em Conceição da Barra; Paulo César Vinha, em Guarapari; Parque Forno Grande e Parque Mata das Flores, em Castelo; Parque Pedra Azul, em Domingos Martins e Parque Cachoeira da Fumaça, entre Ibitirama e Alegre.

A audiência durou cinco horas e foi marcada por protestos, falas emocionadas e também por hostilização ao secretário, que chegou a fazer uma postagem em suas redes sociais reclamando que foi atacado em sua honra até por ser cego.

“Já imaginou ser vaiado ao falar que um projeto é capaz de gerar 10 mil empregos? Por falar que é possível aliar preservação ambiental e desenvolvimento econômico? Isso tudo por um público que a vida toda se disse protetor daqueles que mais precisam”, diz parte da postagem do secretário.

A reunião foi proposta pela deputada Iriny Lopes (PT) e comandada pelo presidente do colegiado, deputado Fabrício Gandini (PSD). Em muitos momentos, Gandini precisou intervir para acalmar os ânimos e garantir a palavra do secretário, interrompido, várias vezes, por vaias e gritos de insatisfação.

A plateia quase que lotou dois auditórios da Ales e era composta por ambientalistas, biólogos, sindicalistas, integrantes de movimentos sociais, de ONGs de preservação ambiental e moradores das comunidades que serão atingidas. Também havia representantes da Findes (Federação das Indústrias do ES).

Moradores de Itaúnas – a comunidade mais mobilizada e revoltada – chegaram a fretar ônibus para participar da audiência. A maioria dos presentes se mostrou contrária ao projeto do governo e fez questão de deixar bem claro em cartazes e gritos de protesto com “Fora, Rigoni” e “natureza não é mercadoria”.

Já tem algumas sessões que Iriny e também a deputada Camila Valadão (Psol) têm batido no tema. As duas são contrárias ao programa de concessões e afirmam que faltam informações sobre o projeto e diálogo com as comunidades locais. As duas cobraram do secretário que, pela primeira vez, compareceu a uma audiência pública para tratar do tema.

Rigoni fez uma apresentação inicial, disse que o projeto está em fase de estudos de viabilidade econômica, social e ambiental e que os próximos passos seriam a consulta e as audiências públicas nas comunidades envolvidas. Inclusive, até o dia 10 de dezembro, Rigoni deve ir a Itaúnas para conversar com a comunidade.

Uma das principais queixas dos manifestantes é que o governo teria iniciado o projeto sem ouvir primeiro os moradores, que serão os mais atingidos.

A Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Seama) contratou, no ano passado, a empresa Ernst & Young, por R$ 8,6 milhões, para prestar um serviço de assessoria e consultoria e elaborar o edital de concessão dos parques. A consultoria começou em janeiro deste ano.

A ideia é realizar um leilão na Bolsa de Valores Oficial do Brasil (B3) para atrair possíveis concessionários. A empresa ou consórcio que oferecer maior valor pela exploração dos parques, leva a concessão, que será de até 35 anos. Ele rechaçou que o projeto seja de privatização.

Gandini, Iriny e Camila: Comissão de Meio Ambiente / crédito: Lucas Costa/Ales

O que prevê o projeto

Com exceção dos parques de Itaúnas e o Paulo César Vinha, que estão em áreas litorâneas, a ideia é cobrar ingresso para entrada/visitação nos demais parques – hoje não é cobrado. A exceção seria para moradores da região onde o parque está instalado e para inscritos no CadÚnico.

De acordo com o secretário, será exigido dos concessionários o selo ISO 18.065 – uma das normas mais rigorosas para a prestação de serviços turísticos em áreas protegidas. E o contrato irá prever contrapartidas.

O governo já fez as projeções das intervenções nos parques de Itaúnas e no Paulo César Vinha.

Para o parque no Norte estão previstos um memorial da vila histórica – que foi soterrada pelas dunas –; criação de duas pousadas cada uma com 15 quartos, restaurante de apoio e piscina suspensa; um alojamento para os trabalhadores do Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Espírito Santo (Iema); mirante próximo às dunas; cafés e lojas para os turistas e ainda uma tirolesa ligando à praia, entre outras intervenções.

Já no parque de Guarapari estão previstos um teleférico na Lagoa do Caraís; estacionamento com 500 vagas; pavilhão com cafeteria, centro de visitantes e nova sede para os funcionários do Iema; memorial, bilheteria, sanitários e auditório. Também está no projeto a construção de piscina e decks flutuantes, restaurante na rocha e uma torre de tirolesa. E de cabanas de Glamping (camping de luxo) e bangalôs para hospedagem, entre outras coisas.

Dor de cabeça para o Palácio

Felipe Rigoni foi hostilizado pela plateia / crédito: Lucas Costa/Ales

A maioria dos presentes na audiência, porém, estava irredutível e, pelas manifestações presentes e pelo tamanho que está tomando o movimento contrário, tudo indica que o governo terá dor de cabeça para implantar o projeto, principalmente por conta de quem está à frente.

Rigoni é visto, pelos manifestantes, como alguém inapropriado para estar à frente da pasta de Meio Ambiente. É acusado, frequentemente, de ser “liberal demais” e de privilegiar projetos empresariais visando o lucro em detrimento da preservação ambiental.

Durante a audiência pública, Rigoni chegou até a ser associado ao ex-ministro de Meio Ambiente Ricardo Salles, com uma das manifestantes citando a frase do ex-ministro de deixar “passar a boiada”.

Veja abaixo alguns dos pontos defendidos por Rigoni e pela Findes, em defesa do projeto, e os pontos defendidos pelos movimentos sociais e ambientalistas, contrários ao projeto.

Pela defesa da concessão dos parques

Graciele, da Findes, defendeu o projeto / crédito: Lucas Costa/Ales

Durante a audiência pública, além de explicar o que é o Peduc, Rigoni defendeu a concessão dos parques para a iniciativa privada. Disse que as concessões devem gerar cerca de 10 mil empregos diretos e indiretos e impulsionar a economia no entorno dos parques.

Disse também que o concessionário terá a obrigação de preservar o parque e explorar o turismo de forma sustentável. Que a parte que será explorada na concessão equivale a 0,1% da área dos parques.

“Tudo que está sendo pensado compõe 0,1% de todos os parques. São áreas muito pequenas que terão intervenções (…), para garantir esse turismo mais adequado e ao mesmo tempo a preservação ambiental”, defendeu Rigoni.

Segundo ele, terá outras contrapartidas importantes, como a obrigação do concessionário fazer a vigilância do parque – o secretário citou que há roubo de areia no parque de Guarapari – e de montar uma equipe de combate a incêndio – o que hoje não existiria dentro dos parques.

“Também terá de dar material e construir uma estrutura adequada para os funcionários do Iema trabalharem”, acrescentou. Segundo Rigoni, ainda haverá a criação de um fundo, a ser alimentado pelo concessionário, cujo orçamento será gerido pelo Iema, que definirá o destino do recurso.

Rigoni disse que os barraqueiros de Itaúnas não serão despejados – o que é uma grande preocupação da comunidade – e que as barracas serão reformadas, gratuitamente, e reposicionadas em local adequado.

Ele rebateu as críticas de que se tratava de “privatização”. Segundo ele, a concessão vai gerar emprego e renda para os nativos e uma melhor experiência para o turista, uma vez que muitos parques estariam em estado de abandono.

Quem também falou a favor do projeto foi a engenheira ambiental Graciele Belisário, representando a Findes. Além de defender o secretário e o projeto, ela disse que a maioria da plateia ali presente não estaria interessada em conhecer o plano, mas sim de fazer uma defesa político-partidária. Ela também foi vaiada pela maioria.

Contra a concessão dos parques

Walter Có, biólogo, fez fala dura contra a concessão / crédito: Lucas Costa/Ales

Com cartazes e muitos gritos de protestos, a maior parte da plateia presente na audiência pública organizada pela Comissão de Meio Ambiente da Ales era contra o projeto de concessão dos parques públicos.

Eles alegaram que os parques “não são resorts” e que a construção de pousadas, restaurantes, tirolesas e outras intervenções, citadas pelo secretário, são incompatíveis com a vida da fauna e flora da região.

“A base da sustentabilidade é não causar impactos ambientais. Hotéis são iluminados à noite e essa iluminação muda a dinâmica da vida na região, atrai insetos. Como será a relação quando as pousadas começarem a atrair aranhas, cobras, escorpiões? Porque esses são os verdadeiros moradores do parque. Imaginem uma jararaca chegar na pousada! A vida desses seres é incompatível com a estrutura proposta para o interior dos parques”, disse o biólogo Walter Có, representando o Movimento em Defesa das Unidades de Conservação.

Ele disse também que o projeto não vai gerar renda para os locais, mas sim concorrência, já que pretende construir restaurantes e pousadas dentro dos parques. E que uma tirolesa vai expulsar aves nativas da região. “Esse projeto é um cavalo de troia, não dá pra permitir isso. É muita perda pra pouco ganho. Iema e Seama, vocês são a última linha de defesa para esses seres que não têm voz”, apelou Walter.

O biólogo Hugo Cavaca criticou a falta de diálogo com as comunidades antes do projeto ser iniciado – uma crítica feita também pela deputada Camila.

Outros participantes criticaram a previsão de cobrança de ingresso para visitar parques públicos e chamaram o governo do Estado de omisso, ao propor uma concessão em vez de fiscalizar e impedir a retirada ilegal de areia, por exemplo, e de construir uma estrutura adequada para o trabalho dos agentes do Iema.